25/04/2022

Inspirados no Inhotim, museus e galerias a céu aberto proliferam no país

Por CAROLINA MORAES/SÃO PAULO, SP/FOLHAPRESS em 25/04/2022 às 08:28

Saem o cubo branco e as metrópoles, entram pavilhões em meio a jardins botânicos e obras ao ar livre em cidades distantes dos grande centros. Nos últimos 15 anos, esse retrato só podia ser do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, que o empresário Bernardo Paz transformou numa referência em arte contemporânea no mundo.

Nos últimos anos, no entanto, colecionadores enxergaram usinas e fábricas desativadas como potenciais museus e jardins botânicos, e investem em trabalhos de grandes proporções em outros estados do país.

Ainda que não cheguem a ter o porte do espaço de Brumadinho, espaços em São Paulo e Pernambuco têm investido em obras de artistas brasileiros de peso, como Regina Silveira e Nuno Ramos, e veem crescer público que busca passeios “seguindo todos os protocolos” ao ar livre.

Está permanentemente na Usina de Arte, em Água Preta, zona da mata do sul de Pernambuco, o labirinto cravejado de balas de Regina Silveira que foi um dos destaques da Bienal de São Paulo no ano passado, chamado “Paisagem”, que a própria instituição financiou. Nesse espaço, um jardim botânico, inauguraram simultaneamente à obra de Silveira uma grande instalação de Matheus Rocha Pitta, “Um Campo da Fome”.

Ricardo Pessoa de Queiroz e Bruna Pessoa de Queiroz idealizaram o projeto em 2015 na Usina Santa Terezinha, propriedade da família Pessoa de Queiroz que chegou a ser a maior produtora de álcool e açúcar do país nos anos 1950. Agora, após o período de restrições da pandemia e já com mais de 40 obras no acervo, eles viram um aumento do público no parque. Para Ricardo, com o fechamento de fronteiras, todos “voltaram para sua paróquia”.

Eles respondem a esse público local – além da inauguração das duas obras recentemente, chegará ainda neste ano uma obra de Alfredo Jaar, “Claro-Escuro”, que acabou de ter uma grande mostra no Sesc Pompeia.

Os 33 hectares comportam escola de música, biblioteca, festivais e oficinas gratuitas. Tudo foi feito “de maneira orgânica” segundo o casal, que viu o museu ganhar uma atenção inesperada com a produção de “Diva”.

A obra de Juliana Notari, que abriu uma vulva gigante num dos morros da área, viralizou nas redes e sofreu uma série de ataques. Até um chamado “punhetaço” foi marcado nas redes sociais para vandalizar a obra, que acabou não acontecendo.

“A arte, de alguma forma, educa”, diz Bruna Pessoa de Queiroz sobre onde quer chegar com a instituição. “Gosto de usar ‘Diva’ como exemplo porque a obra chocou o mundo, mas não chocou a comunidade evangélica da cidade. Por quê? Porque Juliana passou um ano aqui falando o que ela ia fazer, por que ela ia fazer e por que usar essa linguagem.”

Esse ímpeto educacional e de fomentar o turismo nas cidades ao redor que os fundadores de todas essas instituições parecem ter não custa nada barato. Além do custo de manutenção, as obras têm cifras altas -e os espaços são majoritariamente bancados com dinheiro dos próprios fundadores.

É o caso também do Fama Museu, em Itu, no interior de São Paulo, que acaba de ser rebatizado de Museu São Pedro como uma homenagem à fábrica têxtil de mesmo nome que funcionava no espaço de 25 mil metros quadrados e que hoje tem mais de 2.000 obras. Marcos Amaro, o fundador, conta que a decisão veio para resgatar a história do local, onde já teve seu ateliê.

Isso será acompanhado de uma ampliação do acervo do museu criado em 2018 voltado à produção nacional. O pavilhão do Tunga será reformado e terá desenhos que estavam na mostra recente do artista em São Paulo.

Outro espaço será inaugurado ainda em maio com obra de José Spaniol que já ocupou o octógono da Pinacoteca de São Paulo. O trabalho “111”, de Nuno Ramos, que retoma o massacre do Carandiru, também inaugura o espaço dedicado ao artista no museu nos 30 anos do assassinato em massa.

Depois dessa série de reformas, Amaro pretende reativar a Fama Campo, propriedade de 100 mil metros quadrados em Marinque, também no interior, dedicada à chamada “land art”, e que hoje tem dois trabalhos -um de Marcia Pastore e outro de Carlito Carvalhosa.

Instituições já com uma longa trajetória, como a Oficina Brennand, no Recife, também passam por reformulações que reforçam esse caráter de espaço que é museu de peças gigantescas e também um passeio ao ar livre.

Mas por parte das galerias há o desejo de alcançar um outro público ao ir para os interiores do país. Na verdade, existe a expectativa que colecionadores que foram para suas casas de campo com a reclusão da pandemia olhem com mais atenção para essas grandes obras que só caberiam mesmo num grande terreno.

A DAN Galeria, que está em São Paulo desde os anos 1970, abriu no fim do ano passado um espaço em Votorantim, também no interior do estado.

“Sentíamos a necessidade de ter um espaço mais generoso para esculturas e obras de maiores formatos de artistas históricos e contemporâneos”, conta Flávio Cohn, proprietário e filho do casal fundador, Gláucia e Peter Cohn. Só nesse novo local eles conseguiram fazer uma mostra de Franz Weissmann, escultor austríaco radicado no Brasil, que planejavam há anos.

O galpão, que também tem um espaço com gramado e sem teto, fica dentro de um condomínio que tem até heliponto. É uma localização com poucas opções de museus, lembra Cohn, em que pode ser bem-vindo um novo aparelho cultural.

Mas também um espaço com uma série de condomínios com grandes casas esperando serem ocupadas por grandes trabalhos. “Com a pandemia, há demanda de colecionadores que começaram a se mudar e ir para fora de São Paulo”, conta o galerista.

“Este é um movimento que parte de instituições, mas que também provoca colecionadores a criar coleções privadas em espaços que são abertos. Este é um mercado que está começando a se desenvolver, e há ótimos artistas brasileiros que precisam de um espaço aberto e amplo.”

USINA DE ARTE

Quando: Aberto todos os dias, das 5h30 às 18h

Onde: Rodovia PE 99, Km 10, Água Preta, Pernambuco, www.usinadearte.org

Preço: Gratuito

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