Grammy 2022 consagra Olivia Rodrigo entre a renovação e a mesmice
Por Lucas Brêda/São Paulo, SP/Folhapress em 05/04/2022 às 07:29
Antes de o Grammy deste ano começar, a expectativa era uma só: Olivia Rodrigo vai ser o grande nome da noite? A cantora de 19 anos, que há cerca de um ano era praticamente desconhecida, teve uma estreia de gala na cerimônia, que colhe os frutos das tentativas de rejuvenescimento que vem passando nos últimos anos.
Mas Rodrigo não foi em 2022 um furacão como Billie EIlish em 2020. Naquele ano, que marcou o começo dessa mudança jovem, a cantora ganhou todos os prêmios principais da noite e bateu alguns recordes. Não foi o caso de Rodrigo, que venceu como artista revelação, um dos quatro grandes prêmios, melhor álbum vocal de pop, com “Sour”, e melhor performance solo de pop, com o hit “Drivers License”.
Mas, se a consagração de Rodrigo evidencia a renovação pela qual o Grammy vem passando, por outro lado o evento parece ser o mesmo de sempre. Dois dos quatro troféus principais, música e gravação do ano, acabaram com o Silk Sonic, o duo formado por Bruno Mars e Anderson Paak que emula o soul americano dos anos 1970. O outro dos “big four” acabou com Jon Batiste, pianista bastante ligado à tradição do jazz de New Orleans.
É como se o Grammy apostasse, por um lado, no que há de mais jovem e popular na indústria da música americana. Mas, do outro lado da moeda, agrada o que há de mais tradicional no mainstream contemporâneo. As performances ao longo das três horas e meia de premiação evidenciam essas inconstâncias.
Lady Gaga estava lá, mas homenageando o parceiro Tony Bennett, que aos 95 anos anunciou sua aposentadoria dos palcos. Trata-se de um nome pop, mas em uma performance que parecia ter saído diretamente dos anos 1940. A cantora H.E.R., que parece ter sido adotada pelo Grammy, também cantou, em uma apresentação improvável, que teve de Lenny Kravitz ao baterista do Blink 182, Travis Barker, no palco.
Por outro lado, jovens se apossaram das câmeras com muita identidade. Foi o caso de Lil Nas X, rapper de 22 anos, rei dos memes e da provocação, que rebolou e cantou seu hit “Montero (Call Me by Your Name)” com um cropped brilhante ao lado de Jack Harlow. Ou mesmo de Eilish, hoje com 20 anos, que usou uma camiseta larga com o rosto de Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters que morreu em março, para cantar “Happier Than Ever” ao lado do irmão e produtor, Finneas, em performance de pegada roqueira.
Aqui vale uma explicação sobre as categorias. Silk Sonic, que abriu a premiação com uma performance, levou os prêmios de música e gravação do ano, música premia a melhor composição, olhando para os compositores, enquanto gravação laureia o registro da composição, o fonograma, ou seja, tem mais a ver com produção e performance.
Mas, neste ano, a mesma canção levou os dois prêmios: “Leave the Door Open”, balada romântica que cheira ao soul americano dos anos 1970. O duo, na verdade, é uma espécie de grupo retrô, brincando com a estética clássica do gênero até mesmo nas vestimentas com que aparecem nos clipes -e também no próprio Grammy.
O reconhecimento do Silk Sonic, independentemente da qualidade de seus integrantes em fazer música pop, remete a uma preferência bem enraizada do Grammy, que sempre parece mais inclinado àquilo que soa conhecido aos ouvidos do que a sons com cara de vanguardista.
De certa forma, esse é um sentimento que ajudou Jon Batiste, estrela do jazz e autor da trilha sonora da animação “Soul”, a ganhar o principal prêmio da noite, o de melhor álbum do ano. Diferente do Silk Sonic, “We Are”, disco premiado de Batiste, não é exatamente um tributo a uma era ou a um gênero, mas ecoa uma tradição americana bastante antiga.
Batiste ressaltou em sua performance na premiação a linhagem do jazz de New Orleans, sua cidade natal, do qual ele é herdeiro direto, inclusive literalmente, já que seu pai, baixista, tocou com lendas como Isaac Hayes e Jack Wilson e ajudou a fundar a Batiste Brothers Band, que chegou a ter 23 membros da família. Além de disco do ano, Batiste terminou a noite como vencedor nas categorias de melhor performance e canção de raízes americanas, por “Cry”, e em melhor clipe, por “Freedom”, além de ter vencido a melhor trilha sonora, pelo trabalho em “Soul”.
Seu disco premiado, “We Are”, não se limita ao jazz, mas tem momentos de rap, R&B e de pop. Só que não deixa de ser curioso que, em um momento de renovação, o álbum do ano dispute categorias de raízes americanas, e não de música pop, rap, rock ou R&B. Batiste, que é pianista do talk show The Late Show with Stephen Colbert, ainda se tornou o primeiro artista negro a ganhar o Grammy de álbum do ano em 14 anos -o último havia sido outro pianista de jazz, Herbie Hancock.
Ter uma pessoa negra ganhando o Grammy de melhor disco, ainda mais em um ano sem prêmios para Taylor Swift -que, ano sim, ano não, leva alguma estatueta, não deixa de ser um reconhecimento. Foi o caso também da performance poderosa do rapper Nas, nome fundamental para o gênero e praticamente esquecido pelo Grammy desde que estourou, nos anos 1990.
The Weeknd, nome inescapável do pop atual, curiosamente até ganhou um prêmio, pela participação em “Hurricane”, música de Kanye West, mas não esteve na festa em Las Vegas e não submeteu seu trabalho para avalização da Academia. Ele fez como Drake, gigante do rap no mundo todo, que também retirou suas músicas do Grammy e, há anos, é expressamente crítico da premiação.
São situações bastante representativas do momento que vive a Academia. O Grammy quer dar espaço para a juventude que vem renovando o pop, mas acaba premiando a música que soa retrô. O evento quer levar aos holofotes os artistas negros, mas não aqueles que são mais representativos da produção contemporânea.
As mudanças até estão em curso, mas a carcaça ainda é antiga.