07/12/2024

Governo fica em 'sinuca' com tarifa social do saneamento e estuda adiar início da lei

Por Thiago Bethônico/Folhapress em 07/12/2024 às 12:05

Palácio do Planalto/Ricardo Stuckert
Palácio do Planalto/Ricardo Stuckert

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vive um dilema diante da lei que determina desconto nas contas de água e esgoto para famílias de baixa renda.

A medida entra em vigor em 11 de dezembro, mas empresas privadas e estaduais vêm reclamando de problemas que inviabilizam a aplicação da legislação, além de uma série de incertezas sobre o texto.

A Folha de S.Paulo apurou que o governo estuda formas de estender o prazo para as companhias se adequarem. O movimento teria começado após reunião de ministérios com governadores do Nordeste e representantes de companhias da região, que seriam as mais afetadas financeiramente pela tarifa social do saneamento.

Por se tratar de um tema sensível politicamente, o governo ficou em sinuca. De um lado, enxerga complexidade na situação, que afeta aliados e redutos importantes. De outro, calcula o desgaste que um passo contrário a descontos para a população mais pobre pode gerar.

Segundo uma pessoa familiarizada com o assunto, o Ministério das Cidades vai acionar a Casa Civil na segunda-feira (9) e buscar diálogo com o deputado Pedro Campos (PSB-PE), que foi relator do projeto de lei da Câmara dos Deputados, para entender quanto tempo de extensão de prazo seria necessário para a implementação da tarifa social.

As possibilidades em estudo são: editar uma medida provisória, publicar um decreto ou passar essa atribuição para o CISB (Comitê Interministerial de Saneamento Básico) regulamentar junto à ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico).

Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que, a poucos dias de começar a valer a lei da tarifa social, empresas de saneamento, governos e agências reguladoras vivem um imbróglio. Diversos operadores dizem que até agora não receberam os dados do CadÚnico de que precisam para aplicar o benefício.

A lei define que pessoas com renda per capita mensal de até meio salário mínimo (R$ 706 hoje) devem receber desconto de 50% nos primeiros 15 metros cúbicos consumidos. Para isso, elas precisam estar no Cadastro Único -sistema vinculado a programas sociais- ou receber BPC (Benefício de Prestação Continuada).

A ideia é que as empresas de saneamento analisem ativamente quais clientes se enquadram nesse perfil para executar os reajustes tarifários junto às agências reguladoras locais.

Mas a dificuldade em acessar os dados do CadÚnico não é a única reclamação do setor. Operadores de saneamento esperavam um decreto que regulamentasse a lei, o que não aconteceu. Além disso, empresas estaduais temem pelo impacto financeiro.

Na semana passada, governadores que integram o Consórcio do Nordeste se reuniram com o ministro Rui Costa (Casa Civil) e a tarifa social do saneamento foi um dos assuntos discutidos. Na quarta (4), representantes de empresas do Nordeste se reuniram com integrantes do Ministério das Cidades para tratar do que chamam de “incongruências da tarifa social”.

Na avaliação de uma pessoa diretamente envolvida com o tema, a lei não deveria ter passado da forma que foi, pois ainda não definiu uma fonte de custeio para os descontos.

O texto da lei prevê, por exemplo, a criação de um fundo federal para apoiar as empresas a bancarem o desconto. O fundo, porém, não foi criado e não há perspectiva de que seja alimentado com recursos públicos tão cedo, principalmente num momento em que o governo é pressionado a cortar despesas.

Nos bastidores, executivos dizem que a discussão não é sobre implantar ou não a lei, ressaltando que são favoráveis à medida. O problema é a forma como os descontos serão dados e o prazo para cumprir os requisitos -por isso defendem a postergação do início da vigência.

O Nordeste é a região com maior proporção de inscritos no CadÚnico. No Rio Grande do Norte, por exemplo, existem hoje 23 mil famílias que recebem algum tipo de desconto na conta de água. Com a lei, esse número iria para 506 mil famílias, disse uma pessoa familiarizada com o tema para ilustrar a complexidade da situação.

Além disso, a companhia de saneamento potiguar teria um impacto anual de R$ 150 milhões com a tarifa social prevista pela lei, sendo que o resultado financeiro da empresa fica na casa dos R$ 100 milhões por ano.

Empresa estaduais temem impacto alto da aplicação da lei

Uma das possibilidades no radar do governo, segundo pessoas a par das negociações, é que o ministro Rui Costa consulte a AGU (Advocacia Geral da União) para ver se, do ponto de vista legal, há algum caminho para postergar a lei. No entanto, a AGU ainda não teria sido acionada.

Outro caminho seria no Legislativo, adicionando um jabuti, termo que no jargão político significa inserir em uma proposta legislativa um tema sem relação com o texto original.

À Folha de S.Paulo, o deputado Pedro Campos disse que ainda não foi procurado pelo governo. Ele afirma que vem ajudando o setor de saneamento na interlocução com ministérios.

“O governo teve seis meses para fazer essa regulamentação e, desde o começo, a gente vem tentando fortalecer essas pontes com o setor de saneamento para ajudar. Mas, até o momento, a gente não teve uma devolutiva de que isso vai ser regulamentado antes do dia 10”, disse.

Na avaliação de Campos, adiar a vigência da lei não é positivo, porque só faria demorar mais a implantação do fundo com recursos para bancar os descontos.

“Acredito que o melhor caminho seja acelerar na regulamentação. E, além disso, ter a decisão política do governo de se ele vai querer subsidiar aqueles estados que têm mais dificuldade para fazer isso por conta própria”, afirma.

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