Filme indiano une busca pelo poder feminino e fábula vampiresca
Por Raíssa Basílio/Folhapress em 26/10/2024 às 13:41
O cinema indiano é amplamente conhecido por Bollywood, com suas superproduções coloridas, cheias de música e longa duração. Mas esse estilo não define toda a produção cinematográfica do país.
Na 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que se encerra nesta quarta (30), outros gêneros e abordagens ganham destaque, com uma programação dedicada a filmes que fogem do nicho tradicional da Índia. Entre os destaques, está a estreia de “Sister Midnight”, de Karan Kandhari, uma obra que oferece uma visão inovadora e singular do cinema indiano atual.
O filme subverte as expectativas de gênero ao apresentar um marido passivo e acomodado, enquanto a esposa é exatamente o oposto: ativa e indomável. Repleto de referências ao cinema cult norte-americano de vampiros, é fácil traçar paralelos com “Garota Sombria Caminha pela Noite”, dirigido e baseado no romance gráfico de Ana Lily Amirpour, e com “Amantes Eternos”, conto de amor gótico de Jim Jarmusch.
Karan Kandhari, que integra a competição de diretores estreantes da Mostra, traz uma trama fantasiosa que combina humor e elementos macabros, oferecendo uma abordagem totalmente inesperada.
Seu longa, exibido na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes deste ano, acompanha o drama de Uma (Radhika Apte), uma mulher sufocada pela rotina excruciante de um casamento arranjado, sem qualquer preparação para enfrentar esse novo papel.
Uma sequer sabe cozinhar, já seu marido mal consegue se comportar diante dela: ambos enfrentam sérios problemas de comunicação e convivência. À medida que os dias passam, Uma se esforça para se moldar ao papel de esposa, mas fica profundamente incomodada com a falta de desejo sexual do cônjuge.
Em busca de afeto que não encontra no marido, Uma decide explorar Mumbai durante a noite, na tentativa de escapar do tédio de sua vida de dona de casa. Apesar de não suportar a rotina, descobre uma certa paz em seu trabalho como faxineira, que a transforma em uma andarilha noturna, apresentando-lhe novas amizades e, de forma inesperada, despertando um desejo por sangue.
A protagonista passa a caçar cordeiros e pássaros, extraindo o sangue dos animais com um profundo pesar por suas ações. Embora não fique claro por que ela se torna uma vampira, isso chama a atenção de todos ao seu redor.
Quando não se alimenta de sangue, Uma passa a exibir uma pele mais clara, o que desperta a curiosidade das mulheres ao seu redor. Nesse momento, o roteiro traz uma crítica social, considerado o contexto em que muitas mulheres na Índia aspiram à pele mais clara, associando-a a padrões de beleza e status social.
O filme consegue escapar de estigmas e caricaturas machistas tradicionais. O diretor e roteirista Karan Kandhari constrói uma protagonista –se é que podemos chamá-la de heroína– com autenticidade e profundidade.
A jornada de Uma é acompanhada por uma trilha sonora original composta por Paul Banks, vocalista da banda Interpol. Esta é a primeira vez que ele assina a trilha sonora de um longa-metragem, trazendo uma sonoridade que navega entre o country e o punk rock.
“Sister Midnight” apresenta uma linearidade que beira ao confuso. Embora o início seja coeso, a inserção do vampirismo confere à narrativa um tom mais sóbrio e absurdo, mas de uma forma envolvente. Além disso, o uso de stop-motion surge como uma agradável surpresa, adicionando uma camada de criatividade visual que complementa a ousadia da história.
Sister Midnight
Quando: Mostra de SP: Sáb. (26), às 21h, no Cinesystem Morumbi Town
Classificação: 16 anos
Elenco: Radhika Apte, Ashok Pathak, Chhaya Kadam, Smita Tambe
Produção: Índia, Reino Unido, Suécia, 2024
Direção: Karan Kandhari
Avaliação: Muito Bom