16/05/2022

Festival de Cannes troca a covid por guerra da Ucrânia, 'Top Gun' e menos mulheres

Por Folha Press em 16/05/2022 às 16:04

Na 75ª edição do tradicional festival de cinema francês, que começa nesta terça (17) e se estende até o dia 28 deste mês, a covid-19 deve ser uma memória distante, após um afrouxamento de regras a um mínimo.

As máscaras que cobriram os belos rostos de estrelas como Tilda Swinton e Marion Cotillard, os cotonetes que invadiram igualmente narinas de cineastas ou jornalistas e o passaporte vacinal que impediu que muitos aterrissassem na Riviera Francesa no ano passado não vão mais disputar atenção com o glamour e o charme inerentes do Festival de Cannes.

Há quem se preocupe que a decisão possa fazer do evento um grande espalhador de coronavírus, como acredita-se que o Bafta foi para a indústria audiovisual há dois meses, mas o clima ensolarado na Riviera já parece ter abolido as máscaras, artigo que, como o álcool em gel, entrou em extinção nas ruas de cidades como Cannes e Nice. Comprovantes de vacina ou testes tampouco serão obrigatórios agora.

O clima na cidade da chamada Costa Azul é de absoluta festa, como se, de fato, o festival estivesse voltando à normalidade. Este 75º ano sucede, afinal, uma edição ainda alarmada em 2021 e outra inexistente em 2020 -apesar de sessões para curta-metragens terem sido organizadas mais tarde, fora de época e sem muita publicidade.

“A máscara não é obrigatória e tampouco é proibida. Se você se sente mais seguro usando uma, então ótimo”, disse Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, aos jornalistas que já estavam presentes na cidade francesa nesta segunda (16). Na edição passada, ele precisou se pronunciar publicamente no meio do evento para dizer que boatos de ampla contaminação eram “infundados”.

A escolha do cartaz deste ano ilustra bem a sensação de muitos produtores, cineastas e cinéfilos nesta 75ª edição –é como se essa volta ao normal os deixasse nas nuvens, tal qual o personagem de Jim Carrey no filme “O Show de Truman”. Na cena do longa de Peter Weir escolhida para o pôster, ele sobe uma escadaria admirado, percebendo que o céu azul que parecia cobrir sua cabeça era, na verdade, pintura numa parede.

“O tapete vermelho que conduz aos degraus da esperança de se estar sob os holofotes. Uma celebração poética da busca insuperável por expressão e liberdade. Uma jornada ascendente para contemplar o passado e avançar em direção à promessa de um renascimento”, resumiu a organização do festival ao divulgar o cartaz.

É também às nuvens que um dos grandes chamarizes de Cannes deste ano promete levar seu público. Os aviões de “Top Gun: Maverick” ganham exibições especiais na Riviera Francesa dias antes de voarem rumo aos cinemas do mundo, o que deve fazer de seu astro, Tom Cruise, uma das personalidades mais disputadas a desfilar pela Croisette.

Os caças de “Top Gun”, no entanto, também aludem a um contraponto à festa cinematográfica –a 2.000 quilômetros dali, a Ucrânia vive sob aviões russos que levaram a guerra à região, o que, aparentemente, não passará despercebido no Festival de Cannes.

“Nós faremos um grande festival sem que nos esqueçamos do que está acontecendo na Ucrânia. É um país que está vivendo sob bombas e nós apoiamos, de forma absoluta e inegociável, o povo ucraniano”, disse Frémaux, ao ser questionado sobre a decisão do evento de banir comitivas oficiais russas e jornalistas que trabalham para veículos alinhados com Putin, mas não filmes vindos do país. “É o governo que faz a guerra, então não é contraditório que nós mostremos filmes russos.”

Um deles, fora da competição, deve ser disputado. “Mariupolis 2”, documentário que teve as filmagens interrompidas depois que o diretor Mantas Kvedaravicius foi capturado e assassinado pelo Exército russo, mostra famílias na cidade ocupada de Mariupol, seis anos depois de elas terem sido registradas pelo mesmo cineasta.

O Festival de Cannes não deve ser pintado de azul apenas pelo mar da costa francesa ou pelo céu que ilustra seu cartaz, mas também pelas bandeiras ucranianas que, junto com o amarelo, prometem tremular ao longo do evento. Já é assim nas cidades da região, que expõem a flâmula do país em janelas residenciais e restaurantes a grandes catedrais.

Outro filme que deve servir de ocasião para manifestações é “Tchaikovsky’s Wife”, de Kirill Serebrennikov, opositor público de Putin. Na corrida pela Palma de Ouro, o longa é centrado na esposa do compositor russo, figura sensível por supostos relacionamentos homossexuais num país que condena institucionalmente a homossexualidade.

Também estão na mostra competitiva figuras carimbadas de Cannes. David Cronenberg tenta, pela sexta vez, arrematar a Palma de Ouro, com “Crimes of The Future”, mais um body horror, com as também habitués Léa Seydoux e Kristen Stewart.

Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne tentam embolsar mais um para o acervo de oito prêmios recebidos em Cannes com “Tori and Lokita”. Hirokazu Koreeda, Cristian Mungiu e Ruben Ostlund também estão em busca de novas Palmas de Ouro, com “Broker”, “R.M.N.” e “Triangle of Sadness”, nesta ordem.

Park Chan-wook, Ali Abbasi, Arnaud Desplechin, Lukas Dhont, Albert Serra e Jerzy Skolimowski já venceram outros prêmios no passado, mas nunca o principal da mostra competitiva, e agora o miram com “Decision to Leave”, “Holy Spider”, “Brother and Sister”, “Close”, “Pacifiction” e “EO”.

Um dos filmes que mais tem gerado expectativa é “Armageddon Time”, de James Gray, com elenco estrelado formado por Anne Hathaway, Anthony Hopkins e Jeremy Strong. Fazem sua estreia na Croisette Saeed Roustayi, de “Leila’s Brothers”, Tarik Saleh, de “Boy From Heaven”, e Charlotte Vandermeersch, que dirige “Le Otto Montagne” com Felix van Groeningen.

Ela faz parte de um enxuto quinteto de diretoras que concorrem à Palma de Ouro este ano, após meses de mulheres dominando os festivais de cinema e de Julia Ducournau arrebatar Cannes com seu “Titane”, último vencedor do grande troféu.

Além de Vandermeersch, Valeria Bruni Tedeschi, Claire Denis, Kelly Reichardt e Léonor Serraille são cinco entre 23 cineastas na competição, fato que não passou despercebido pela imprensa internacional. Elas levam ao festival “Forever Young”, “Stars at Noon”, “Showing Up” e “Mother and Son“, nesta ordem.

Frémaux foi confrontado com a escassez de mulheres na mostra principal, em conversa com uma imprensa furiosa, após horas de problemas técnicos que impediram que jornalistas retirassem suas credenciais do evento e reservassem ingressos para os filmes em exibição.

“Eu não acho que há poucas mulheres, tivemos 25% de filmes dirigidos por elas inscritos e temos cerca de 25% de filmes dirigidos por elas espalhados pelas seções”, rebateu. “Obviamente a competição vai ter menos, porque estamos falando de grandes cineastas, mais velhos, que começaram suas carreiras numa época em que as mulheres não dirigiam tantos filmes. Em outras seções, elas aparecem mais. Os festivais são a consequência, não a causa para a falta de paridade.”

O assunto já havia gerado polêmica antes desta tarde, quando o portal Deadline acusou o Festival de Cannes de censurar trechos de uma entrevista com Frémaux em que ele falava sobre representatividade e uma eventual volta de Roman Polanski, condenado por estupro, à Riviera Francesa.

“O festival não apenas exigiu poder aprovar as matérias como condição para a entrevista, como também removeu conteúdos relacionados a respostas desconfortáveis”, afirmou o portal. Em Cannes, Frémaux disse que não houve qualquer tipo de censura, mas que ele tem o direito de “controlar minha própria palavra”. “Eu não posso mudar o texto do jornalista, mas posso mudar de opinião depois da conversa. Não deveria ser uma questão complicada”, disse.

Também são destaques desta edição os filmes fora de competição “Elvis”, nova oportunidade para o extravagante Baz Luhrmann pincelar a Costa Azul com seus vermelhos fortes e visual afetado, como já fez com “Moulin Rouge!”, em 2001, e “Vem Dançar Comigo”, em 1992 , e “Final Cut“, mais uma comédia do parisiense Michel Hazanavicius sobre o próprio cinema –mas, ao contrário de “O Artista”, esta tem zumbis.

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