11/09/2025

Ex-prefeito do litoral de SP é condenado a ressarcir erário por promover evento evangélico

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 11/09/2025 às 06:00

Reprodução/Vade News
Reprodução/Vade News

A 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso de apelação do ex-prefeito Márcio Batista Tenório, de Ilhabela, no litoral norte, e manteve a sentença que o condenou a ressarcir o erário em R$ 409,5 mil por violação à laicidade do Estado prevista na Constituição Federal.

Esse valor corresponde à subvenção do município para promover a 2ª Semana Cultural Evangélica, ocorrida entre os dias 19 e 23 de junho de 2018. Com a participação de lideranças religiosas e artistas ligados ao segmento evangélico, o evento teve cultos, apresentações musicais e exposições de natureza eminentemente confessional.

“Indubitável a instrumentalização do aparato municipal para promoção de culto a crença religiosa específica, em afronta ao disposto no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal”, concluiu o desembargador Ricardo Anafe, relator do recurso. O julgador citou ainda a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.439/DF, o STF afirmou que a atuação estatal no domínio da liberdade religiosa deve se pautar pela abstenção de promoção ou favorecimento de quaisquer crenças, limitando-se à garantia do exercício livre da fé, sem interferência ou fomento do ente público.

“O princípio da laicidade estatal não se confunde com hostilidade à religião, mas corresponde à neutralidade da Administração Pública frente à multiplicidade de credos, impossibilitando qualquer manifestação de favorecimento ou privilégio a determinada confissão”, ressaltou Anafe.

Os desembargadores Borelli Thomaz e Flora Maria Nesi Tossi Silva seguiram o relator, inclusive, para desprover a apelação do Município, que apenas pediu o afastamento da sua condenação a pagar honorários advocatícios, fixados em 8% sobre o valor atualizado da causa.  A sentença arbitrou ao ex-prefeito 10% e o acórdão confirmou esse percentual.

Além de impor o ressarcimento ao ex-prefeito, o juiz Matheus Amstalden Valarini, da Vara Única de Ilhabela, condenou o Município à obrigação de se abster de promover ou subvencionar, material ou financeiramente, a Semana Cultural Evangélica ou outros eventos de caráter religioso, sob pena de multa de R$ 50 mil por dia de ato.

Proselitismo

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) ajuizou ação civil pública contra o Município e o prefeito à época da 2ª Semana Cultural Evangélica, apontando afronta ao princípio constitucional da laicidade do Estado. Os requeridos alegaram que o evento teve natureza “cultural” e objetivou promover a tolerância religiosa.

Ex-prefeito e Município também mencionaram que Ilhabela já conferiu tratamento isonômico a outras manifestações religiosas. Porém, tais argumentos foram rejeitados pelo relator. “A tentativa de qualificação do evento como ‘cultural’ não afasta o seu conteúdo essencialmente religioso”.

Conforme o julgador, para fins de responsabilização, é irrelevante a nomenclatura adotada pela Administração. “Comprovado o dispêndio indevido de recursos públicos para a realização de evento proselitista, impõe-se o reconhecimento da ilicitude da conduta e a consequente condenação do agente público ao ressarcimento do erário”.

Anafe assinalou que a justificativa de que o Município subvencionou outras manifestações religiosas, como as de matriz católica e afro-brasileira, ao invés de afastar, reforça a inconstitucionalidade do ato, “pois a violação à laicidade do Estado não se elide pela alternância de favorecimentos”.

* Eduardo Velozo Fuccia/Vade News

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