02/08/2024

Efeito Hallyu: cultura sul-coreana conquista milhões ao redor do mundo

Por Renan da Paz em 02/08/2024 às 11:00

Divulgação/Max
Divulgação/Max

O destino de duas estudantes do ensino médio estava prestes a se entrelaçar de maneira inimaginável. Ayumi Kohinata, popular e admirada, acorda um dia no corpo de Zenko Unime, colega ignorada pela aparência. O estranho fenômeno faz a dupla enfrentar o desafio de navegar na complexidade das vidas uma da outra, mas é o interior das personagens a verdadeira discussão. Trata-se de Switched (2018), produção dramática coreana da Netflix – a primeira, entre tantas, que a estudante praia-grandense Luma Beatriz Vidal, de 18 anos, assistiu.

Apesar de ser conhecido como uma novela japonesa, esse tipo de produção é chamado de dorama, ficção natural do leste e sudeste da Ásia, de gêneros e temas diversos, de acordo com a Academia Brasileira de Letras (ABL), e vem da palavra “drama” – ou テレビドラマ – em japonês. Criados no Japão, na década de 1950, se expandiram para outros países asiáticos, adquirindo características e marcas culturais próprias de cada território. Atualmente, o sucesso é mundial, o que tornou o termo oficial para a ABL no vocabulário nacional em 2023.

Segundo a estudante, que tem contato com a cultura coreana há oito anos, a universalidade nas abordagens é um dos fatores principais para os doramas ganharem o coração do público ao redor do mundo. “Muitos tratam de temas pesados, como trabalho excessivo e bullying. Porém, também falam sobre amizade e romance. Aliás, na maioria das vezes, são comédias românticas”, comenta. No entanto, assistir a um dorama vai muito além da ficção; há, também, registros da cultura de cada país, incluindo arte, gastronomia e turismo.

Diversidade cultural que é levada a sério se você está disposto a conhecer a particularidade de cada país representado. Os estrangeirismos da língua inglesa ‘J-drama’, ‘K-drama’, ‘C-drama’, T-drama’ e ‘Thai-drama’ são denominações específicas para identificar doramas japoneses, sul-coreanos, chineses, taiwaneses e tailandeses, respectivamente. “São lugares bonitos, com costumes bem curiosos e comidas que, pela tela do celular ou da televisão, parecem muito saborosas. As pessoas sentem vontade de participar disso também”, afirma Luma.

Fora das telinhas, a música é outra expressão asiática aclamada mundialmente – caso do K-pop, abreviação da palavra ‘Korean pop’, estilo de música da Coreia do Sul. Portanto, não é incomum que o interesse por um deles leve ao outro. “O fato de ter assistido clipes de K-pop em 2016 foi o que me motivou a pesquisar mais sobre o país. Fotos, vídeos, influenciadores… Vi que é um lugar atraente, de hábitos interessantes, e isso me fez querer viajar até lá”, relata.

Onda coreana

Não apenas no streaming e na música, o fato é que os brasileiros estão cada vez mais apaixonados pela cultura sul-coreana, no geral. É como uma onda, de aumento crescente e abrangente, rumo ao Ocidente. E não é que ela nos atingiu? Uma pesquisa realizada em 18 países pela Fundação Coreana para Intercâmbio Cultural Internacional (KOFICE), entre setembro e novembro de 2020, mostrou o Brasil como terceiro local onde mais cresceu a audiência pelos doramas coreanos. Em primeiro lugar ficou a Malásia e, em segundo, a Tailândia – curiosamente, dois países asiáticos.

Toda o crescimento é resultado de um forte investimento e incentivo da Coreia do Sul no setor. Esse processo é chamado Hallyu ou onda coreana, termo neologista que surgiu nos anos 1990 para descrever a popularização da cultura sul-coreana. Originou-se entre jornalistas de Pequim, que ficaram impressionados com a rápida ascensão da cultura sul-coreana na China. O fenômeno, posteriormente denominado Hánliú (韓流), significa “fluxo da Coreia” e foi impulsionado pela exportação audiovisual.

Um exemplo disso, na atualidade, é a música ‘Who’, do cantor sul-coreano Jimin, que figura o topo das músicas mais ouvidas atualmente no Spotify com quase 9 milhões de reproduções diárias. O single vem junto com o álbum Muse, o segundo da carreira solo do integrante do grupo BTS. Com sete faixas ao todo e duas parcerias – uma com a estadunidense Sofia Carson, em ‘Slow Dance’, e outra com o rapper sul-coreano Loco, em ‘Smeraldo Garden Marching Band’, o disco está disponível em todas as plataformas de streaming e, em apenas duas semanas de lançamento, já conta com quase 500 milhões de streams.

O resultado? Uma análise realizada pela Semrush, uma plataforma de marketing digital especializada em visibilidade online, revela que o termo “dorama” foi pesquisado 110 mil vezes no final do semestre anterior, registrando um aumento de 305,9% nos últimos quatro anos. Já a busca por “o que é dorama” teve 40,5 mil pesquisas, com um crescimento de 820,5% no mesmo período, enquanto “melhores doramas” obteve 27,1 mil pesquisas, aumentando 310,6%. O termo “Seul”, capital da Coreia do Sul, por sua vez, teve 33,1 mil pesquisas (+22,1%), e “coreano”, 110 mil pesquisas (+21,5%).

Quando a cultura vem de fora

Para o cineasta e produtor cultural Eduardo Ricci, o que explica a expansão do interesse local pelas produções asiáticas é a relação melodramática – isto é, a representação de ações e sentimentos populares, que podem gerar identificação. “Assim como nas novelas brasileiras, as pessoas se apegam aos doramas como forma de lidar com necessidades de conexão”, explica.

No entanto, Ricci também acredita que as forças geradas por esses melodramas são formadas por indústrias que objetivam massificação de informação e, se consumidas inconscientemente, podem ser prejudiciais. “A gente faz um link com tudo o que nos identificamos. É como se fosse um chiclete; você mastiga, aproveita o sabor e descarta quando sente que não precisa mais, mas o gosto permanece”, considera o cineasta.

Ou seja, com tantos filmes, séries e novelas nacionais, entre outros, basta estar aberto às opções. Em comparação ao consumo das produções nacionais, para o produtor, devemos buscar a diversificação e, assim, assimilar tudo o que cada cultura consumida pode nos proporcionar. “É sobre ter diversidade no olhar e no sentir. Não ficar só no mais do mesmo”, finaliza.

E no Brasil… também tem dorama!

Em fevereiro de 1952, ia ao ar o último capítulo da primeira novela a ser exibida na TV, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo: “Sua Vida Me Pertence”, transmitida ao vivo pela extinta TV Tupi. Desde então, o país provou ser um grande produtor audiovisual, o que levou a indicações ao Oscar, como o caso do filme “Cidade de Deus” (2004) e ao Emmy, como a telenovela Pantanal (2023).

No mundo dos doramas, a plataforma de streaming Max inovou com a criação do B-drama “Além do Guarda-Roupa”, o primeiro dorama brasileiro. A obra, assinada por Marina Esodrevo, Alice Hirata e Letícia Kamiguchi, apresenta uma narrativa envolvente sobre Carol (Sharon Cho), uma jovem que mora em São Paulo e descobre sua herança sul-coreana de uma maneira inesperada: seu guarda-roupa é, na verdade, um portal para o apartamento de um dos grupos de K-pop mais famosos e populares do momento.

Ao todo, a primeira temporada da série conta com 10 episódios de uma hora cada e mescla um elenco brasileiro com astros da Ásia, como Kim Woo-jin, que vive Kyung-min; Jin Kwon, que interpreta Dae Ho; Lee Min-wook como Sang Mok; e Yoon Jae Chan na pele de Chul Woo – grupo que forma o ‘ACT’. Sendo assim, para quem é fã dos seriados asiáticos, a oportunidade de assistir a um dorama 100% em português é, até o momento, única.

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