Dia de Conscientização do Autismo: pais relatam dificuldades e falta de informação na sociedade

Por Noelle Neves/Colaboradora em 02/04/2018 às 18:45

AUTISMO – Quando você conhece uma criança que não vai bem na escola, que não fala, ou reage quando você tenta brincar, o que você pensa? “Preguiçosa”, “tímida” e “mal-educada” são coisas que, provavelmente, passam pela sua cabeça. Além de serem características educacionais e de personalidade, também são sintomas do autismo. Nesta segunda-feira (2) é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do transtorno e o #Santaportal trouxe uma matéria especial para você.

Os pais começam a ficar em alerta com a demora na fala, porém as crianças dão pequenos sinais logo nos primeiros meses de vida. “A falta de contato visual, da atenção compartilhada, que seria a vontade de mostrar coisas do seu interesse aos outros, um bebê que fica no berço muito tempo sozinho, o atraso no desenvolvimento da comunicação e da fala e a presença de comportamentos repetitivos seriam sinalizadores para um olhar mais atento. O bebê que se balança ou balança exageradamente as mãos também são sinais preocupantes. Em crianças mais velhas, o isolamento social, repetir as últimas palavras ditas pelos outros e um ‘brincar peculiar’, no qual a criança enfileira objetos ou gira objetos redondos”, explicou a psicóloga do GADI (Grupo de Avaliação Diagnóstica e Intervenção) Paola Gianini.

Para a professora Mayara Cardoso, o caso foi exatamente esse. O filho chegou aos dois anos de idade sem falar. Ela estranhou, já que o sobrinho da mesma idade tinha problemas na comunicação. “Eu desconfiei do autismo desde o começo. Pela minha profissão, estou acostumada. Mas eu neguei por quase um ano”, lembrou.

Faltavam 10 dias para Isaac completar três anos, quando a família recebeu o diagnóstico. Apesar de já desconfiar, a professora ficou muito mal e precisou de ajuda psicológica. Segundo ela, agora, seis meses depois, se tornou mais fácil falar sobre isso sem chorar – muito -, já que ao falar sobre o assunto, seus olhos se encheram de lágrima.

“Foi bom saber, porque aí eu fui direcionada. O pai dele e eu éramos muito severos com ele. Achávamos que era birra, mas ao entender o processo, começamos a repensar em que atitude levar em determinas situações. Conforme nós vamos aprendendo, ele vai melhorando.”

Em seis meses, o principal aprendizado de Mayara foi que não é um bicho de sete cabeças e que “crianças sem o transtorno também têm limitações”.

O apoio da família foi fundamental. De acordo com ela, todos ficaram mais próximos. No entanto, o que mais a incomoda é a falta de informação na sociedade. “As pessoas não entendem e falam o que não sabem…, mas eu não posso julgar. Eu era assim”, desabafou.

“As famílias sofrem uma grande pressão de todos os lados. Além de assumirem as dificuldades do dia-a- dia, ainda precisam lutar por políticas públicas que atendam às necessidades de seus filhos”, completou a psicóloga.

Mayara enxerga o Isaac como uma possibilidade de mudar as pessoas próximas dela e que ele “vai educar todo mundo”.

Depois de muito pesquisar e procurar, uma conhecida do Acolhe Autismo – grupo que ‘acolhe’ mães de autista e que procura sanar dúvidas e apoiar, assim quando diagnóstico é dado – indicou o GADI para a professora.

Após uma avaliação feita pelos profissionais da clínica, diagnóstico da neurologista e a descoberta de um “autismo leve”, Isaac continuou o tratamento com acompanhamento de psicóloga, terapeuta ocupacional e fonoaudióloga. “Estar no Grupo foi fundamental, porque as profissionais foram até a escola auxiliar as professoras do meu filho e dar dicas de como lidar com ele. Além disso, também temos um grupo no Whatsapp, onde sempre mando fotos e compartilho coisas novas que ele fez”.

Em meses de tratamento, o salto dado pelo menino em seu desenvolvimento foi grande. “Antes, ele só apontava, me puxava pela mão, chorava muito e agora ele pede, fala umas frases. Ele está em uma fase engraçada de falar tudo na terceira pessoa. Também está mais próximo, indo melhor na escola, parou de bater tanto… Claro que às vezes ele banca o Chuck Norris, mas melhorou muito. Eu tinha parado de sair, por não saber lidar com ele chorando, mas agora eu já estou pensando no que fazer nas férias”, riu.

A história da também professora, Fabiana dos Santos, mãe dos gêmeos autistas Miguel e Matheus, é parecida e diferente da de Mayara e Isaac. Os gêmeos nasceram prematuros e desde muito novinhos tinham acompanhamento constante. O sinal de alerta foi quando Miguel não atingiu os primeiros marcos de desenvolvimento.

“Logo que ele fez um ano e três meses foi encaminhado com uma hipótese de diagnóstico. Com o Matheus, a atenção foi por causa de uma ‘falta de atenção’. Ele estava na mesma sala do Miguel e a professora disse que ele não conseguia terminar as atividades. Como o irmão já estava em tratamento, fizemos a avaliação e ele também obteve o laudo”, lembrou a mãe.

Apesar de terem nascido com poucos minutos de diferenças, os graus são diferentes. O Miguel tem um grau severo e além do autismo, assim que nasceu, ficou muito tempo internado e teve duas paradas cardiorrespiratórios. Já Matheus, tem grau leve.

“O Matheus entende mais, ‘beira a normalidade’ e toma muita conta do irmão. O Miguel não toma banho sozinho, não se comunica, ele não pede, usa fralda”, disse.

Fabiana trabalha meio período e passa boa parte do dia com os filhos. Por isso, sempre tenta estimular e não encorajar gritos ou crises. Nos momentos de diversão, ambos gostam de ouvir músicas e essa é a forma de acalmá-los.

Cuidados
É muito importante manter a rotina para que Isaac se sinta confortável. Todos os dias ao voltar para casa, ele passa por um muro do Patati e Patata e “toca nas mãos dos dois”.

Mayara também se preocupa em não ir em lugares com muita gente e muito barulho e tenta antecipar os problemas. “Vai ter coisas que ele gosta de comer? Ele vai conseguir brincar? Eu também tenho na bolsa um brinquedo, um pirulito e um celular com desenhos que ele gosta”, contou. O principal cuidado é para que Isaac não fique estressado e se ela percebe esse sentimento, vai para outro lugar.

Com Matheus, Fabiana não precisa ter ‘tanta preocupação’, mas Miguel se incomoda com barulhos e muito movimento. Então procura levá-los em lugares mais tranquilos.

Pequenas vitórias
“Qualquer pequena ação dele vira um acontecimento. A gente bate palma, faz bagunça, eu até brinco que, uma hora, vão expulsar a gente de casa”, festejou Mayara.

Uma situação que marcou foi a chegada do animal de estimação, o “Burke Cachorro”. Mayara lembrou que, no começo, Isaac ia do sofá para o colo e agora, vê o cãozinho como seu parceiro. Faz carinho, quer deitar junto, dá comida. “Ele me surpreende bem. Acho que a limitada sou eu”, falou.

Autismo
É um transtorno que causa problemas no desenvolvimento da linguagem, nos processos de comunicação, na interação e comportamento social da criança.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 70 milhões de pessoas no mundo todo possuem algum tipo de autismo.

“Não há um exame para diagnosticar o autismo. São feitas observações clínicas para fechar o diagnóstico”, disse Renata.

Nunca é “do nada”
É comum ouvir que os sintomas do autismo apareceram “do nada”, mas, de acordo com a terapeuta ocupacional, Karina Salles, às vezes, os pais não percebem. E o problema é detectado somente na hora do desenvolvimento da fala da criança.

Diagnóstico precoce via médicos
“Muito pediatras não estão preparados para o diagnóstico e deixam os pais em uma espera pelo desenvolvimento e neste meio tempo, a criança não é estimulada. ‘Espera mais um pouquinho, é menino, menino demora mais… ‘São visões muito culturais e demora muito mais para descobrir o que é”, comentou Karina.

Tratamento
Existem três níveis de comprometimento: leve, moderado e severo. Em cada criança, é avaliada as características individuais e montado um planejamento. No GADI, há uma equipe interdisciplinar composta por psicólogas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas e pedagogas para proporcionar “independência” do paciente.

A terapeuta ocupacional disse que a terapia é um facilitador em um processo de inclusão, principalmente para aquelas que têm algum comprometimento ou alteração sensorial. “Nós também analisamos como a criança recebe o estímulo tátil, visual, de olfato, paladar e audição…Se ela recebe de uma maneira desorganizada, vai responder dessa forma”.

Conforme a fonoaudióloga, Renata Crescenzo, existe a linguagem, a comunicação e a fala. “A comunicação pode ser através do olhar e de gesto. Começamos pelo simples, que é o contato visual. Depois para o gesto e então, a fala. A criança emite um som e nós damos um significado para ele”, disse.

Renata reforçou que o estímulo dos pais é essencial e exemplificou uma situação: “O filho leva a mãe até a água. Aquela é a forma de pedir. Antes de dar, a mãe pode perguntar se ele quer água. É uma forma de criar oportunidades para que a criança fale”.

Até onde eu posso ajudar?
Adultos têm o costume de ajudar as crianças a realizarem atividades, como escovar os dentes, tomar banho, pegar água. Mas até onde isso prejudica? “Ajudar demais bloqueia a capacidade da criança. Só aprende fazendo”, fortificou Renata.

O comando para realizar ações simples depende de comprometimento cognitivo, idade e a forma que os profissionais decidiram desenvolver a independência.

Independência
“Vamos sempre priorizar essa questão. Mas tudo depende do grau de comprometimento”, disse Karina.
Renata lembrou de um caso, em uma clínica que trabalhou, que o paciente cuidava da casa, tomava banho sozinho, estudava. Além disso, também tem gente que já casou, teve filhos…

“Temos os autistas sem diagnóstico. Eles só percebem que tem as características ao longo dos anos ou quando o filho nasce, porque pesquisa”, contou a terapeuta.

A importância de brincar
“Brincar é uma ferramenta muito forte para o desenvolvimento das crianças, ainda mais para crianças com autismo”, declarou Karina. Segundo ela, as crianças só aprendem quando elas se sentem bem e gostam do que estão fazendo.

GADI
O Grupo de Avaliação Diagnóstica e Intervenção é uma clínica especializada no atendimento de pessoas do Espectro Autista. Atualmente a equipe é composta por três fonoaudiólogas, quatro psicólogas e duas terapeutas ocupacionais e uma pedagoga, que atendem mais de 100 crianças.
Além do atendimento clínico, também são realizados atendimentos externos em janeiro e julho e ensinam como lidar quando há complicações na rua.
“As pessoas podem nos procurar sempre que houver uma hipótese diagnóstica e quando precisarem de orientações e encaminhamentos para as intervenções clínicas nas áreas da Saúde e Educação”, disse Paola.

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