Desembargadora critica cotas ao apreciar pedido de candidata em concurso de Tribunal de Justiça
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 05/12/2024 às 16:00
A mudança no edital de um concurso público de ingresso ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) durante o certame motivou uma candidata a impetrar mandado de segurança. O Órgão Especial da corte ainda aprecia o pedido, mas o voto da desembargadora Rosita Falcão Maia já polemizou o julgamento. Ela disse que o “nível baixou” nas universidades públicas após o sistema de cotas raciais, que “veio mais dividir do que unir a população”. A declaração viralizou e gerou uma onda de repúdio de várias entidades.
Relator do mandado de segurança, o desembargador Mário Alberto Hirs votou pela sua denegação. Baltazar Miranda Saraiva abriu divergência, manifestando-se pela concessão. Em sessão gravada pelo sistema audiovisual do TJ-BA, a desembargadora Rosita proferiu o seu voto no último dia 27 de novembro, acompanhando a relatoria. Os julgadores Mário Albiani Júnior e Edmilson Jatahy Fonseca Junior também seguiram Hirs, mas o julgamento não chegou ao final.
Em razão do pedido de vista da desembargadora Maria da Purificação da Silva, a sessão foi suspensa. A retomada está designada para o próximo dia 18 de dezembro. Apesar de o julgamento indicar quatro votos contra e apenas um a favor da segurança pleiteada, o advogado Ivã Magali da Silva Neto (foto abaixo) mantém a expectativa de que a maioria do colegiado acolherá o pedido de sua cliente. “O Órgão Especial é composto por 25 desembargadores e a votação está em aberto. Ela só começou”.
Foto: Reprodução
Pedido da autora
Segundo a inicial, em 2023, a impetrante se inscreveu no concurso do TJ-BA para o cargo de técnico judiciário – escrevente de cartório, em Vitória da Conquista. Como o edital estabeleceu a existência de apenas uma vaga, na modalidade de ampla concorrência, a candidata optou por não concorrer na modalidade de cotas, apesar de ser parda e assim se declarar no ato de inscrição. Porém, em setembro daquele ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) formulou a Resolução nº 516/2023.
Normas para cotas raciais em concursos para magistratura e serventias foram ajustadas pela resolução. Em decorrência disso, após a realização das provas, o TJ-BA retificou o edital, estabelecendo que os cotistas negros estariam habilitados para a correção da redação se obtivessem nota igual ou superior a 4,80. A impetrante atingiu 6,13 pontos e não foi classificada, conforme os critérios iniciais do certame. Por isso, ela reivindica a possibilidade de migrar da modalidade de ampla concorrência para a de cotas.
“Mesmo sendo parda e tendo todas as condições para seguir no certame como cotista negra, a autora não teve corrigida a sua redação devido às barreiras impostas originariamente no edital, que a fizeram se inscrever na modalidade de ampla concorrência”, observou o advogado. No entanto, Ivã sustenta que a alteração do edital, tornando a situação do cotista mais favorável, e o princípio da razoabilidade justificam a mudança de categoria da impetrante para ela ter a sua prova discursiva avaliada.
Crítica às cotas
“Eu acho que a meritocracia nas universidades, concursos públicos é importantíssima, seja lá de que cor seja o candidato. É importantíssimo que tenhamos pessoas competentes no serviço público, nas universidades, nas faculdades de Medicina e de Direito. Isso não está ocorrendo nas universidades públicas […]. Todos os professores comentam o desnível, a falta de qualidade do estudante, porque o nível baixou”, disse Rosita sobre o sistema de cotas, ao votar contra a concessão do mandado de segurança.
Para a desembargadora, a candidata age com “oportunismo”, porque se inscreveu no sistema de ampla concorrência e, “de repente, pretende pular para o sistema de cotas, como se quisesse abrir um privilégio só para ela”. Rosita acrescentou que “nós temos uma dívida grande com os negros, mas não é por aí que se paga […]. No Brasil sempre se procurou a solução mais fácil, essa foi a solução mais fácil, mas não é uma solução, pelo contrário, criou-se um grande problema”.
Entidades repudiam
A Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) emitiu nota repudiando as “manifestações preconceituosas e inverídicas” proferidas pela desembargadora Rosita durante sessão do Órgão Especial. Segundo a entidade, a política de cotas sociais e raciais implementada pela instituição tem garantido diversidade e possibilitado que a maioria da população negra acesse o ensino superior, bem como outros grupos vulneráveis, ampliando a qualificação para efetivar a função social das carreiras jurídicas.
Comunicado do colegiado de Direito da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) – Campus I também discordou das afirmações da julgadora. “Ao se referir de forma imprudente e sem ter conhecimento dos dados oficiais sobre o sucesso das políticas de ações afirmativas adotadas pelo direito brasileiro, cometeu um ato racista, agravado pela posição que ocupa na alta corte do Judiciário baiano. Diversas instituições governamentais demonstram o êxito dessas medidas no sistema educacional brasileiro”.
Manifestação da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos da Bahia (Adep-BA) engrossou as críticas ao que disse a integrante do Órgão Especial em relação às cotas, “pelo seu evidente conteúdo de discriminação racial ao associar os problemas enfrentados pela educação pública brasileira ao fato de hoje possuir uma maior composição de estudantes negros”. Conforme a Adep-BA, o sistema criticado pela desembargadora não é responsável por supostos déficit qualitativo e desunião social.
“As manifestações da desembargadora contra as cotas raciais, além do teor elitista e racista, concretizam o discurso discriminatório, afrontando a Constituição Federal e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, devendo ser veementemente repelidas pelas instituições democráticas”, destacou nota da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA). Segundo ela, Rosita ainda ignorou dados e estatísticas recentes do Censo da Educação Superior.
O Sindicato dos Servidores dos Serviços Auxiliares do Poder Judiciário do Estado da Bahia (Sintaj) foi outro a se aliar às vozes contra a declaração da desembargadora. “O sistema de cotas é uma política afirmativa que busca reparar as desigualdades históricas e raciais no Brasil, combatendo o racismo que privilegia a população branca. Ao garantir o acesso de pessoas negras tanto ao ensino superior quanto ao serviço público, as cotas desafiam o mito da meritocracia, que muitas vezes mascara discriminações”.
* Eduardo Velozo Fuccia / Vade News