Como 'O Macaco' transforma morte em comédia de horror sobre relação de pais e filhos
Por Davi Galantier Krasilchik/Folhapress em 06/03/2025 às 09:39

Quando toca seu tambor, não há alma viva capaz de fugir das suas decisões. É ele que define quando, como e quem será o próximo a partir. Seus planos são caóticos e cada morte consegue ser mais absurda que a outra. Longe de qualquer divindade que possamos imaginar, esse poder está concentrado nas patas de um macaco de brinquedo.
Ridículo ao primeiro olhar, “O Macaco” nasce na oficina de pesadelos do escritor Stephen King e se torna herança maldita dos gêmeos Shelburn no filme dirigido por Osgood Perkins que chega aos cinemas nesta quinta (6).
O longa amplia conceitos do conto original para perseguir os irmãos Hal e Bill, forçados a conviver com a perda constante de amigos e parentes desde os princípios. Já adultos -e interpretados pelo ator Theo James-, eles percebem que o presente de infância voltou e decidem acabar com seus maiores medos.
Se King apenas sugere, sem muitas descrições, a trilha de corpos deixada pelo animal de plástico, Osgood não economiza na sanguinolência e conduz execuções mirabolantes para falar dos traumas que atravessam as relações parentais.
“Eu luto contra uma voz interior que julga absolutamente tudo o que faço. A pior coisa que alguém pode passar para os filhos é essa voz, essa fita que toca em suas mentes toda vez em que estão prestes a fazer algo”, diz o cineasta, pai de três jovens e sucessor de Anthony Perkins.
O legado do intérprete de Norman Bates -assassino do clássico “Psicose”, de Alfred Hitchcock- motivou o diretor a construir sua própria coleção no cinema de terror, e a partida trágica de seus pais também justifica esse repertório.
Os trabalhos de Perkins
Em 1992, a carreira de Anthony chegou ao fim por complicações de Aids. Quase uma década mais tarde, Osgood perdeu a mãe, a atriz e fotógrafa Berry Berenson, vítima do atentado do 11 de setembro. A morte pairava ao redor e ele percebeu que a vida apresentava um senso de humor doentio.
Do fio elétrico que cai ao lado de uma piscina ao ninho de vespas que escapa do tronco de uma árvore, tudo se torna uma possível ameaça na trama sobre os limites da vida.
Se os projetos anteriores de Perkins ficaram conhecidos pela sobriedade em abordar forças malignas -caso de sua releitura de “João e Maria” e do aclamado “Longlegs”, de 2024-, desta vez ele zomba dessa lei natural como espécie de terapia.
Aos olhos da crítica, o cineasta estabeleceu uma assinatura bastante particular, mas explica que o novo projeto se distancia de qualquer tentativa de reinventar a roda. Cada morte tenta ser ainda mais cômica, seja pelo pisoteamento de centenas de cavalos, seja pelas habilidades de um sushiman desastrado, e aterrorizar suas testemunhas não parece uma prioridade.
“Eu queria transmitir a mesma sensação de quando vi ‘Gremlins’ com os meus pais. O filme une essa história familiar ao seu lado mais assustador e nunca deixa a diversão de lado”, afirma Perkins. Ele conta que seu pai era muito divertido e cita o único filme dirigido por ele, “Psicose 3”, como forte inspiração.
Da separação entre os papéis de James -um homem reprimido que tenta proteger o filho e um louco com complexo de Deus que tenta controlar a peça endiabrada- ao autor de autoajuda vivido por Elijah Wood, o longa reforça seu compromisso com a farsa. Muitos personagens não se comportam como seres normais e exageram as faces da natureza humana.
Ainda que se espelhe na comédia, é uma escolha incomum a um mercado cada vez mais influenciado por produtoras como a A24, de “A Bruxa” e “Hereditário”, e a Neon, de “Longlegs”. Essas marcas são conhecidas por longas de terror cada vez mais dissociados de sustos, litros de sangue falso ou outras raízes comerciais do gênero.
Embora reconheça essa tendência atual, James diz que essas produções existem há muitas décadas e cita ‘Inverno de Sangue em Veneza’ como uma de suas favoritas.
“É interessante como esse horror intelectual explora nossa psique. E mesmo em um filme como ‘O Macaco’ encontramos temas profundos. É preciso ter alguma credibilidade para que os medos e traumas desses personagens possam existir nesse mundo hiper-real”, diz o ator.
O Macaco
Em cartaz nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Theo James, Tatiana Maslany e Elijah Wood
Produção: Estados Unidos, 2025
Direção: Osgood Perkins