21/01/2021

Com Biden na presidência, o que muda na relação do Brasil com os EUA?

Por Rodrigo Martins em 21/01/2021 às 06:35

POLÍTICA – O democrata Joe Biden assumiu nesta quarta-feira (20) como o 46º presidente dos Estados Unidos. Com Biden no poder, o Brasil deve ver algumas mudanças em sua relação, tanto no aspecto político quanto econômico, com os americanos.

Alinhado ideologicamente com o agora ex-presidente Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro terá que contornar algumas “rusgas” para que o país mantenha uma bom relacionamento com os Estados Unidos. O #Santaportal ouviu especialistas para saber o que esperar da relação entre os dois países, com a troca na presidência americana.

“Bolsonaro tem uma grande oportunidade de buscar uma boa aproximação com o presidente Biden neste momento inicial de governo democrata, em que o novo Chefe do Governo deseja implantar uma agenda de diálogo político e recuperação das negociações multilaterais no plano comercial. Biden tentará inicialmente manter uma relação política amistosa e um relacionamento comercial próximo com o governo do Bolsonaro, para evitar conflitos desnecessários justamente no continente americano, principalmente em um momento de dificuldade mundial, com a pandemia do novo coronavirus”, analisou o cientista político Fernando Chagas.

Para Chagas, Bolsonaro precisa esquecer as questões ideológicas e concentrar seus esforços em um diálogo aberto com Biden. “O governo do presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, teve um alinhamento ideológico e automático com o ex-presidente americano, Donald Trump, defendendo uma agenda reacionária e autoritária, em vez de manter uma relação institucional entre Estados, sem envolvimentos pessoais e familiares, conforme manda a política de relações internacionais. Nesse contexto, o governo Bolsonaro foi o último a reconhecer a vitória do candidato democrata, Joe Biden, insistindo na falsa tese do Trump de que houve fraude na contagem dos votos e a eleição foi roubada do candidato republicano. O bom senso e a prudência recomendam que o presidente Bolsonaro mude completamente seu comportamento nas relações internacionais, trocando a ideologia pelo pragmatismo com o Mundo e especialmente com os Estados Unidos, se não quiser deixar o Brasil isolado na face da Terra e até virar um ‘pária mundial’, provocando sérias dificuldades para o desenvolvimento econômico  nacional”, comentou.

Porém, o cientista político adverte que a relação entre as duas nações não deve mudar radicalmente no começo, apesar de Bolsonaro ter demorado mais de um mês para reconhecer a vitória de Biden nas eleições americanas. “Antes de mais nada, é importante lembrar que os Estados Unidos da América sempre consideraram o Brasil um relevante aliado na América do Sul, tanto no regime militar, quanto no período democrático, por motivos econômicos, comerciais, geopolíticos e agora ambiental, com alguns conflitos de interesse, sem abalar as relações políticas em geral”, disse.

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Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Questão ambiental
A questão ambiental também deve ser um dos pontos centrais das relações entre os Estados Unidos e o Brasil. No primeiro debate televisivo contra Trump, Biden fez críticas duras à política ambiental do republicano e questionou o comportamento do presidente brasileiro sobre o tema.

Durante uma fala sobre incêndios que devastaram parte da costa oeste americana, o democrata mencionou também as recentes queimadas na Amazônia e no Pantanal. Segundo Biden, uma de suas propostas é trabalhar com países ao redor do mundo para atacar o problema do aquecimento global.

“A floresta tropical no Brasil está sendo destruída”, criticou o democrata, que prometeu se juntar a outros países e oferecer US$ 20 bilhões [R$ 108 bilhões, na cotação atual] para ajudar na preservação da região. “Parem de destruir a floresta e, se não fizerem isso, terão consequências econômicas significativas”, completou, indicando possíveis sanções ao governo brasileiro.

Na ocasião, Bolsonaro reagiu e classificou a declaração como “lamentável”. Membros do Planalto, entretanto, pediram que o mandatário brasileiro fosse mais cauteloso em suas reações para não correr o risco de prejudicar as relações entre os dois países se Biden fosse o vencedor.

“Biden certamente será muito rigoroso na defesa dos princípios democráticos e principalmente na preservação do meio ambiente, não admitindo, em nenhuma hipótese, o prosseguimento da política de tolerância do atual governo nacional, com o desmatamento e as queimadas da Floresta Amazônica, levando o governo democrata a impor grandes restrições à importação da produção brasileira, podendo causar graves prejuízos sobretudo ao agronegócio do nosso país. Caso o governo do Bolsonaro não faça uma revisão ampla de sua política de displicência e descuido com o meio ambiente caberá ao setor produtivo do Brasil pressionar fortemente o Governo Federal a mudar sua postura em relação à Amazônia, se não quiserem perder parte de suas exportações para os Estados Unidos. Afinal, o mercado americano é o nosso segundo maior parceiro comercial, perdendo apenas para a China, que, aliás, é constantemente atacada pelos filhos do presidente da República. Em síntese, o Brasil precisa mudar urgente e radicalmente a sua atual política ambiental, para evitar perda do mercado exportador no médio e longo prazos nos Estados Unidos e também na União Europeia, que deverá seguir os passos de restrição à compra de produtos nacionais”, destacou Fernando Chagas.

A política de meio ambiente do governo brasileiro também é destacada como uma preocupação pelo economista e professor da Unisanta, Gabriel Sarmento Eid. “Algo que pode pesar nessa balança são as temáticas ambientais e humanas, como o desmatamento da Amazônia e os direitos humanos, que é algo que Biden já havia mencionado durante sua campanha. Caso nosso governo mantenha sua ‘teimosia’ e postura contrária é possível que vejamos algumas taxações sobre nossas commodities exportadas para eles, algum tipo de empecilho à remessa de investimentos para nosso mercado financeiro ou algo nessa linha, nos isolando politica e economicamente”, disse.

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Foto: Reprodução/EPA

Economia
A falta de alinhamento político é vista como um problema pelo economista, que também não acredita em uma mudança radical do governo americano no tratamento com o Brasil nesses primeiros meses de mandato do democrata. “Outro ponto, que creio ser o mais evidente, é o enfraquecimento político do governo Bolsonaro, que era um dos únicos apoiadores de Trump no mundo, isso aliado ao fato de que diversos países na América Latina elegeram recentemente, governos de esquerda, tornando o nosso país um dos últimos governos de extrema direita. Não creio que Biden vai ver com bons olhos nosso governo. Mas devo ressaltar que com a pandemia e a crise econômica que assola os EUA, os primeiros seis meses de governo democrata devem ser voltados para dentro, com foco na recuperação da economia interna e do controle da doença que por lá vem fazendo um estrago duas vezes maior do que aqui, inclusive, isso pode até se refletir nas exportações das vacinas feitas por lá”, destacou.

No entanto, Gabriel Sarmento vê a possibilidade de que, caso Biden tome medidas agressivas no aspecto econômico, isso tenha reflexos nos outros países. “As medidas de incentivo da economia que ele anunciou, se forem muito agressivas, vão gerar inflação nos EUA, e quando se tem inflação no país detentor da divisa cambial mundial, ela logo é exportada para os outros países, gerando reflexos no nosso câmbio e no fluxo de divisas internacionais. Uma enxurrada de dólares na economia nem sempre gera reflexos positivos se for mal executada”.

A estratégia de Biden para reerguer a economia está em seu slogan de campanha “build back better”, algo como “reconstruir melhor”. Dentre as propostas do seu plano de governo, o democrata afirma que não pode resolver a crise nos empregos sem resolver a crise na saúde. “Trump pode ter esquecido a Covid, mas a Covid não nos esqueceu”, declarou.

Entre suas promessas de campanha, o novo presidente lista incentivos à inovação e à engenhosidade dos americanos como caminhos para construir “uma infraestrutura moderna” e um “futuro de energia limpa”.

O democrata também quer ajudar pequenos empreendedores ao mesmo tempo em que exige mais de grandes corporações. O plano de Biden é reverter benefícios fiscais concedidos por Trump a grandes empresários.

Com a mudança na política econômica dos americanos, Sarmento pensa que o Brasil pode perder espaço no cenário mundial. “Creio que com a crise econômica mundial, ninguém quer abalar ainda mais o comércio internacional que é um dos pilares do crescimento econômico mundial. Além disso, em momentos de crise, países que pensam estrategicamente, como a China e, muito provavelmente, a equipe de Biden – ao contrário da equipe de Trump –, devem buscar se posicionar no mercado, preencher lacunas e consolidar suas posições. Isso pode ser bom em termos para o Brasil se o nosso governo souber o que fazer, algo que pessoalmente não apostaria minhas fichas. Creio que a falta de zelo nas palavras do governo Bolsonaro e a incompetência do ministério de Economia e do de Relações Exteriores, dados que nos últimos dois anos não conquistaram muita coisa a não ser escândalos, deve se refletir num enfraquecimento do nosso país no mercado mundial também, exceto no setor agropecuário que sempre vai permanecer forte”, concluiu.

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Foto: Sergio Lima/Folhapress

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