23/11/2024

Caso Ricardo Joaquim: absolvição de executor é estendida a coautor e mandantes

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 23/11/2024 às 18:30

Arquivo/Vade News
Arquivo/Vade News

Um crime, quatro réus, nenhum culpado. Após 12 anos e oito meses, esse foi o desfecho da execução do ex-secretário municipal de Guarujá Ricardo Augusto Joaquim de Oliveira, cometida durante reunião político-partidária. Em sentença prolatada às 20h47 da última sexta-feira (22), o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, da 1ª Vara do Júri de São Paulo, aplicou o princípio da correlação ou congruência para estender os efeitos da absolvição do único acusado de atirar na vítima aos outros três denunciados.

O suposto atirador absolvido é um policial militar. Conforme a denúncia, os demais réus e as suas respectivas participações no crime são: um ex-policial militar, que deu cobertura ao autor dos disparos e depois fugiu com ele em duas motos, e dois empresários acusados de contratarem o assassinato. Segundo o Ministério Público (MP), os mandantes agiram por vingança, porque a vítima não cumpriu pretenso acordo para “anistiá-los” de vultosa dívida de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Na fundamentação de sua sentença, Souza aplicou analogicamente o artigo 580 do Código de Processo Penal (CPP), conforme o qual, “no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”. Segundo ele, essa regra garante a eficácia erga omnes (para todos) do caso julgado e dá coesão ao ordenamento, evitando decisões logicamente inconciliáveis entre si.

Segundo o juiz, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a aplicação analógica do artigo 580 em pedido de extensão da coisa julgada no tribunal do júri. Ele também citou o promotor Walfredo Campos, em cujo livro, Tribunal do júri – Teoria e prática, sustenta: “Absolvido o autor material do fato, por negativa de materialidade/autoria, ou reconhecimento de causa excludente de ilicitude, automaticamente estão absolvidos os partícipes por decisão motivada absolutória do juiz presidente”.

Acessório segue o principal

“A sorte do partícipe segue o destino do autor material do delito”, observou o julgador, invocando que a sua decisão tem amparo de direito material no artigo 29 do Código Penal. “O réu absolvido era o suposto executor (autor imediato) do delito […] Nesses termos, se o tribunal do júri, soberanamente, reconheceu que o autor material do delito não cometeu crime nenhum (pois negou sua autoria), o partícipe mandante, instigador, não pode ser punido”.

De acordo com o magistrado, o fundamento de direito processual da sua sentença se extrai do princípio da correlação, adstrição ou congruência. Com a absolvição do suposto autor dos disparos, a narrativa acusatória, sob o ponto de vista global, não se sustenta mais e “não tem mais qualquer razão de existir”. Souza observou que, se os mandantes fossem levados a júri, não seria possível acusá-los de contratar outra pessoa que não o réu absolvido, pois isso não consta da denúncia e pronúncia.

O pedido de extensão foi feito pelo advogado Eugênio Carlo Balliano Malavasi (foto abaixo) em favor do empresário Edis César Vedovatti. Alegando falta de amparo legal, o MP se manifestou pelo seu indeferimento. Porém, para o juiz, é caso de se estender os efeitos da absolvição definitiva do policial militar para os outros réus, absolvendo-os dos delitos a eles imputados no mesmo processo. Com essa decisão, o magistrado determinou a cessação imediata de eventuais medidas cautelares pendentes contra eles.

Malavasi defendeu a extensão ao cliente dos efeitos da absolvição do suposto executor, “sob pena de violação ao princípio da isonomia”, porque ambos se encontram em idêntica situação fático-processual. “Não há que se falar em ofensa à competência constitucionalmente atribuída ao tribunal do júri, uma vez que a decisão que absolveu um dos acusados foi proferida regularmente pelo conselho de sentença ao analisar o mesmíssimo fato criminoso imputado a todos os réus denunciados”.


Foto: Divulgação

Caminho pavimentado

A absolvição dos quatro réus foi pavimentada a partir da decisão que inocentou o policial militar Anderson Willians da Silva. Este acusado foi levado a júri em 20 de outubro de 2017. A sessão durou três dias e os jurados acolheram a tese de negativa de autoria do advogado Alex Sandro Ochsendorf (foto abaixo). O defensor sustentou que o cliente não poderia ser o autor dos três tiros de pistola calibre 45 que atingiram a vítima, porque ele estava em um supermercado no momento do crime.


Foto: Divulgação

O MP apelou e, em fevereiro de 2022, por dois votos a um, a 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso. O júri dos demais réus estava marcado para maio de 2025, mas com o trânsito em julgado da absolvição do acusado de ser o executor, Ochsendorf impetrou habeas corpus substitutivo a recurso especial no STJ, pleiteando a despronúncia de outro cliente seu no processo: o ex-PM George Alves de Almeida, acusado de dar cobertura para o atirador.

Antes que o habeas corpus fosse pautado para julgamento, o juízo da 1ª Vara do Júri de São Paulo apreciou o pedido de extensão formulado por Malavasi. O processo tramitou pela 2ª Vara Criminal de Guarujá até a decisão de pronúncia. Em maio de 2016, a 5ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP desaforou a ação para a Capital. As defesas dos réus colocaram em dúvidas a imparcialidade dos jurados guarujaenses para apreciar o caso, porque a vítima era bastante conhecida e bem-quista na comarca.

Ex-secretário executivo de Coordenação Governamental de Guarujá, Ricardo Joaquim foi morto no dia 8 de março de 2012, durante reunião do Partido da Pátria Livre (PPL) nessa cidade. Segundo o MP, mediante o recebimento de propina, ele prometeu anistiar elevada dívida de IPTU de uma gleba do município comprada pelos empresários Edis Vedovatti e Felício Tadeu Bragante. Integrante do alto escalão do Executivo municipal à época da suposta promessa, a vítima não teria cumprido o acordo, conforme a denúncia.

* Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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