12/03/2023

Campeões de bilheteria somem da lista de vencedores de melhor filme

Por Cristiano Martins e Diana Yukari/Folhapress em 12/03/2023 às 16:06

Qual foi a última vez que você assistiu a um ganhador do Oscar de melhor filme, o campeão de bilheteria em uma sala de cinema? Se isso aconteceu há mais de uma década, não se assuste.

De alguns anos para cá, cresceu a diferença entre o gosto do público e a avaliação dos profissionais da indústria, ao menos sob o critério das bilheterias.

O último campeão de ingressos a ganhar o troféu foi o “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, de 2003. O novo dono da estatueta será conhecido neste domingo (12).

O independente “No Ritmo do Coração”, mais recente premiado pela Academia, sequer apareceu no ranking dos 200 filmes mais prestigiados nas telonas, agrupados por ano de exibição. Isso jamais havia acontecido.

O favorito deste ano é “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, 37º colocado no ranking de ingressos entre os filmes do ano passado.

Se a previsão se confirmar, será a 13ª estatueta seguida para uma produção que não figura nem entre as 30 mais vistas nos cinemas, desde “O Discurso do Rei” (2010).

A atual edição do Oscar, por outro lado, marca a volta de um campeão de bilheteria pelo menos à lista de indicados. Avatar: O Caminho da Água é o primeiro líder de arrecadação relacionado desde “Toy Story 3”, também de 2010.

Unir o melhor dos dois mundos, como fez “O Retorno do Rei”, é algo incomum. Em quase cinco décadas, só outras três produções também foram consagradas pela Academia depois de liderar as bilheterias: “Kramer vs. Kramer” (1979), “Entre Dois Amores” (1985) e “Titanic” (1997).

A diferença é que, até o início deste século, o clube dos vencedores era restrito a grandes sucessos comerciais. Mesmo com eventuais candidatos posicionados mais abaixo no ranking, todos os premiados saíram da lista dos 25 mais rentáveis.

A série com dados internacionais se inicia em 1977, mas o padrão sempre foi o mesmo, a julgar pelas cifras dos Estados Unidos. Até então, o ganhador do Oscar com o pior desempenho nos cinemas americanos havia sido “Casablanca” (1943), no 15º lugar do ranking doméstico.

A quebra de padrão ocorreu depois do troféu concedido a “Crash: No Limite”, apenas a 53ª bilheteria entre os filmes de 2005.

Um marco desta recente fase do cinema foi a vitória do independente “Guerra ao Terror” (2009), no mesmo ano em que o primeiro “Avatar” revolucionou as projeções em 3D e superou “Titanic” para estabelecer a maior arrecadação da história: US$ 3,8 bilhões em valores atualizados pela inflação –R$ 14,2 bilhões na cotação atual.

O filme ambientado no Iraque –que também consagrou Kathryn Bigelow como primeira mulher a ganhar o Oscar de melhor direção– registrou apenas a 104ª bilheteria entre as produções daquele ano e teve orçamento estimado em 6% do montante gasto pelo concorrente.

Outro momento emblemático foi o triunfo do também independente “Moonlight” (2016) após uma temporada cheia de blockbusters pipoca como “Capitão América: Guerra Civil”, “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, “Animais Fantásticos e Onde Habitam” e “Doutor Estranho”.

Encabeçado por gigantes do entretenimento como Disney e Marvel, o aumento da oferta desse tipo de superprodução é um dos fatores que contribuíram para a disparidade.

Considerando até três gêneros principais atribuídos a cada filme pelo site especializado IMDb, as categorias de aventura e ação aparecem em 30% e 21%, respectivamente, dos dez filmes mais assistidos de cada ano na década passada, somando 146 de ao todo 289 rótulos.

Já entre os indicados ao troféu, essas parcelas foram de apenas 5% cada. A balança é oposta nos dramas e nas biografias, com maior predileção da Academia por esses estilos no mesmo período.

Entre 2011 e 2021, nenhum campeão de bilheteria foi sequer considerado para o prêmio, entre eles dois episódios da saga Guerra nas Estrelas. A franquia de George Lucas exemplifica bem a mudança de critério ao longo do tempo, já que “Uma Nova Esperança” (1977) liderou as bilheterias e concorreu à estatueta.

Um possível efeito desse descompasso entre Academia e mainstream foi a queda na audiência da cerimônia desde os anos 2010. O período também marca o surgimento do streaming, em especial da Netflix, e o início da crise nas salas de cinema, agravada pela pandemia.

Talvez isso ajude a explicar porque a organização cogitou criar uma categoria de melhor produção popular, ou o aumento gradual de cinco para dez concorrentes, abrindo espaço para a indicação de um grande hit como “Pantera Negra” (2018) depois de muitos anos –foi o primeiro filme de super-herói a integrar a lista.

Vale ressaltar que a bilheteria deixou de ser o único termômetro de popularidade dos filmes, devido à pirataria na internet e ao aumento das produções originais do streaming. Mas a divergência entre público e Academia já vinha de antes, como havia mostrado o New York Times com dados das salas americanas até 2017.

Desde a indicação de “Roma” (2018), um total de oito títulos da Netflix já apareceram entre os postulantes a melhor filme sem figurar no ranking dos mais vistos nas telonas.

A bilheteria dos sucessos da plataforma, como “Não Olhe para Cima” e “Nada de Novo no Front”, candidato neste ano, é irrisória. Isso acontece porque a empresa coloca os títulos em cartaz em um número mínimo de salas e de semanas, apenas como requisito formal para concorrer ao Oscar.

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