Calderano encara domínio da China no tênis de mesa por 1ª medalha do Brasil

Por Daigo Oliva/ Folha Press em 29/07/2024 às 09:30

Gaspar Nóbrega/COB
Gaspar Nóbrega/COB

Eram quartas de final do tênis de mesa em Tóquio, e Hugo Calderano já havia rompido uma marca. Primeiro brasileiro a chegar a essa fase da modalidade em Jogos, ele dominava Dimitri Ovcharov no terceiro game.

Calderano tinha vencido as duas primeiras parciais sem dificuldades e marcava 8 a 4 naquele momento. Assim, faltavam três pontos e mais um game para o sétimo do mundo à época avançar às semifinais. Mas aí veio a virada. O alemão fez sete pontos seguidos, sobreviveu ao atropelo no início e eliminou o brasileiro.

Três anos depois, Calderano continua entre os dez melhores jogadores do mundo segundo o WTT (World Table Tennis) -ocupa hoje o sexto lugar- e chega a Paris outra vez como cabeça de chave e candidato a uma medalha. A diferença agora, diz ele, é na parte física, uma lição que a derrota para Ovcharov deixou.

“Não consegui manter a intensidade naquela vez. Tenho um estilo agressivo, e isso tem um preço”, afirma o mesa-tenista carioca de 28 anos à Folha. “Comecei a trabalhar muito mais forte na parte física, musculação mesmo, para manter essa intensidade alta por mais tempo durante uma partida e um campeonato inteiro.”

A parte física de fato transformou o tênis de mesa na última década, com a diminuição de jogadas curtas -mais próximas à rede- e atletas atuando mais e mais afastados da mesa, como explica Hugo Hoyama, 55, referência da modalidade no país e presente em seis edições olímpicas, de Barcelona-1992 a Londres-2012.

Hoyama credita a mudança em parte ao uso massivo da chiquita, movimento de backhand para responder bolas curtas de forma agressiva e, assim, empurrar o rival para mais longe da mesa. “Hoje em dia, o jogo é muito mais aberto e corrido, o que proporciona trocas mais longas”, diz ele. “E aí a parte física conta muito.” Pesa também a introdução de borrachas que dão mais velocidade à bola e favorecem jogadas de força.

Bruna Takahashi, 23, número 20 do mundo, tem uma visão diferente, ainda que a conclusão seja a mesma. Para a mesa-tenista brasileira, que também estará em Paris, no último ano os homens passaram a jogar um pouco menos longe da mesa e estão mais rápidos, o que ao final também exige bastante da parte física.

O resultado dessa preparação de Calderano tem aparecido na temporada atual, em que o atleta, além de ter vencido torneios, derrotou rivais de peso, como os chineses Fan Zhendong e Liang Jingkun, números 4 e 2 do ranking. Mesmo quando foi superado por atletas do país asiático, tradicionalmente os melhores desse esporte, Calderano exibiu bom desempenho, venceu games e ofereceu dificuldades aos adversários.

A hegemonia chinesa é gigante. A última vez em que atletas do país não venceram todas as medalhas de ouro nas disputas individuais em Jogos Olímpicos foi em Atenas-2004, quando o sul-coreano Ryu Seung-min superou o chinês Hao Wang. De lá para cá, não só os campeões, mas também os vices, no individual masculino e no feminino, foram da China, sem contar as medalhas de ouro conquistadas por equipes.

Para buscar um equilíbrio maior, o COI, a partir de Londres, limitou a dois o número de jogadores indicados por cada país, já que em Pequim-2008 todas as medalhas de ouro, prata e bronze foram para chineses. Em Paris, estarão Fan Zhendong e o atual líder do ranking, Wang Chuqin, que detém um aproveitamento surreal, da ordem de 93%. A concorrência interna é tão forte que Ma Long, 35, considerado o melhor de todos os tempos e único bicampeão olímpico (Rio-2016 e Tóquio-2020), só disputará a competição por equipes.

“Muitos atletas asiáticos e europeus buscam se aproximar tecnicamente dos chineses, mas não acho que seja o caminho certo”, diz Calderano. “Eles começam a treinar aos dois anos de idade, repetem o mesmo movimento um milhão de vezes, então você até pode evoluir, mas sempre estará abaixo deles.” Assim, para o mesa-tenista brasileiro, a estratégia para surpreendê-los é apostar na originalidade e na criatividade.

“Muitas vezes um chinês número 200 no ranking mundial consegue jogar bem contra outro chinês top do mundo, mas perde para atletas europeus que têm um estilo diferente”, completa Calderano. “Os melhores do país com certeza têm características que os diferenciam, mas as horas de treino e de repetição estão no sangue, então não é possível jogar como eles. Imitá-los não parece um caminho muito inteligente.”

Caso avance nos Jogos, o brasileiro, por ser cabeça de chave, só enfrentaria um atleta chinês na semifinal. Antes, ele terá ao menos três partidas, em que pode encarar outros rivais complicados, como as sensações da França, os irmãos Felix e Alexis Lebrun, o taiwanês Lin Yun-ju, o japonês Tomokazu Harimoto e, sabe-se lá, Ovcharov. Desde o jogo em Tóquio, ele e Calderano se enfrentaram três vezes. O brasileiro ganhou todas.

Além do atual número 6 do mundo, que estará em sua terceira Olimpíada, Vitor Ishiy (individual), Guilherme Teodoro (disputa por equipes) e Leonardo Izuka (reserva) formam o time masculino em Paris. No feminino, Bruna e Giulia Takahashi serão as titulares no individual, e Bruna Alexandre, primeira atleta brasileira a disputar as Olimpíadas e as Paraolimpíadas, estará no torneio por equipes. Laura Watanabe é a reserva.

Para Calderano, também conhecido devido às habilidades fora da mesa, como o fato de falar sete línguas -inglês, alemão, francês, espanhol, italiano e chinês, além do português-, resolver cubos mágicos, tocar instrumentos musicais e saber todas as capitais do mundo, o tênis de mesa é “uma guerra mental”.

“Tem que sentir o que o seu rival vai fazer e tentar algo diferente quando ele antecipa a sua ação. É sobre quem está um passo à frente. Você tenta ler a mente do adversário e tenta não deixar que ele leia a sua.”

Para ficar de olho

  • O alemão Timo Boll, ex-número 1 do mundo e o mais carismático atleta do circuito mundial, despede-se de torneios internacionais aos 43 anos, após sofrer com lesões. Ele estará na disputa por equipes
  • Sede das Olimpíadas, a França conta com dois atletas em ascensão: Felix e Alexis Lebrun. Agressivos e por vezes sem o controle mental necessário para reagir a momentos de adversidade, os irmãos de 17 e 20 anos levaram o país ao vice do Mundial por equipes, em fevereiro. O terceiro elemento do time francês -e que também estará em Paris- é Simon Gauzy, dono de técnica refinada e estilo de jogo muito plástico, entretenimento puro. O ponto fraco do mesa-tenista, no entanto, é a regularidade
  • Hoje, atletas de alto nível que jogam com a empunhadura caneta são raridade, mas dois atletas nos Jogos, Felix Lebrun e o alemão Dang Qiu, conservam ao menos parte desse estilo ao atuarem como classinetas, mistura do caneta com a técnica clássica. É um deleite ver o backhand desses jogadores
  • Após maus resultados, Fan Zhendong, prata em Tóquio, chega com moral a Paris após vencer o WTT Champions de Chongqing contra Wang Chuqin, que o destronou do topo do ranking. Torcedor do Real Madrid e fã de Taylor Swift, Fan pode ser considerado o mais ocidental entre os atletas chineses

Tênis de mesa nos jogos de Paris

Quando: a partir de sábado (27) até 10/8; final do masculino em 4/8 e do feminino em 3/8

Onde: Paris Expo Porte de Versailles

mais informações em: https://olympics.com/en/paris-2024/schedule/table-tennis

RAIO-X
Hugo Calderano

Nome
Hugo Marinho Borges Calderano

Idade
28 anos

Nascimento
Rio de Janeiro

Altura
1,82 m

Participações olímpicas
Duas (Rio-2016 e Tóquio-2020)

Principais resultados não olímpicos
Campeão em sete torneios da WTT e tricampeão pan-americano

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