Cabelos trançados contam a história da população negra e são símbolo de empoderamento

Neste dia 20 de novembro comemora-se o feriado nacional da Consciência Negra. No Brasil, estima-se que a população negra seja de cerca de 106 milhões, e dentro de diversas tradições trazidas por antepassados, as tranças estão cada vez mais populares e ajudam a construir a autoestima de homens e mulheres.

A trancista Rhaiara Grande conta que cresceu vendo a mãe trançar cabelos, e se surpreendia com o efeito da mudança. “A trança tem uma importância muito grande, porque é algo que eu vejo desde criança, sempre vi minha mãe trançando cabelo, cresci vendo isso, e ficava maravilhada, com o quanto aquilo modificava as pessoas, o quanto elas ficavam felizes, e eu queria deixar as pessoas felizes também’, diz.

Treinando nos próprios cabelos, a jovem trancista descobriu a paixão pela profissão e tem visto a procura aumentar. “De seis anos para cá foi o período que mais teve procura por trancistas, foi quando começou a sair as linhas de cabelo cacheado, as pessoas começaram a se identificar e as tranças ajudam nesse processo de aceitação, de transformar o cabelo de volta, trazer de volta as raízes”.

Os tipos mais populares são das tranças nagô, que são embutidas na raíz do cabelo, além das box braids, que podem ser usadas com cabelo sintético para ganhar comprimento e movimento. 

A estudante Agatha Alcântara conta que as tranças a ajudaram a passar pela transição capilar após 10 anos de alisamento químico. Durante a pandemia, ela resolveu assumir o cabelo natural. “Coloquei as tranças pretas, ela colocou umas 70 tranças compridas, passando da cintura, e achei que foi uma experiência única. Tanto é que, até meu cabelo crescer para eu poder usá-lo natural, eu coloquei umas quatro vezes. Colocava, ficava uns dois meses, tirava, cuidava e colocava de novo”.

História

Na história, as tranças se tornaram símbolo de resistência. Mais do que um estilo de cabelo, elas já foram usadas por diversos povos e ajudam a empoderar mulheres e homens que querem fazer um resgate de suas origens. Estiveram presentes entre manifestações importantes como a Marcha dos Direitos Civis, nos Estados Unidos, no movimento Black Power e no partido dos Panteras Negras. 

A mestre em história Andreia Marques afirma que as características físicas da população negra são associadas a características negativas como uma forma de perpetuar o racismo, e combater esse pensamento é uma forma de resistir. “Uma das formas que o racismo se fez perpetuar no Brasil, e se faz até hoje, é a associação de características físicas da população negra a questões negativas, a características depreciadoras do corpo negro. E uma dessas associações é entre o cabelo crespo e o cabelo duro, por exemplo. Então, o movimento negro tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, encontrou a valorização das características físicas da população negra como uma forma de combate ao racismo”.

Professor de história, Bruno Alves sempre foi ativista, e de dois anos para cá decidiu parar de raspar a cabeça para assumir seus cachos. “Eu tenho a sorte de, dentro da minha profissão, e do meu ambiente de trabalho, não haver essa pressão. Então, eu tenho uma grande aceitação dos meus alunos, inclusive eles adoram, os meus colegas de trabalho também, mas a gente sabe que não é essa a realidade. Nem todo ambiente de trabalho hoje aceita, nem todo ambiente é permissivo quanto a isso e ainda existe muita pressão no mercado de trabalho”, lamenta.

Consciência Negra

O professor também explica a importância do Dia da Consciência Negra, instituído em homenagem a Zumbi dos Palmares. A data se tornou tão importante quanto o dia 13 de maio, quando se comemora a abolição da escravatura no Brasil.

“O dia da Consciência Negra sempre tem crítica daqueles que querem desmerecer a data, mas ela faz parte da construção da identidade nacional do Brasil, e hoje, muito mais do que em outras épocas. Você vê que, em pouco tempo de comemoração desse feriado, ele já trouxe muito avanço na conscientizaçao da população de maneira geral, não apenas dos negros, mas daqueles que não compreendem a importância da data”, diz Alves.

Mesmo com os avanços, o país ainda tem muito o que discutir e evoluir. “O caminho para essa evolução é não colocar debaixo do tapete, é levantar a discussão, e por mais que hoje o Brasil tenha muita gente contra, a discussão está sendo levantada”, finaliza.