Agenciado por Neymar, atacante do Santos é fenômeno mundial aos 12 anos
Por Lucas Musetti Perazolli/Folhapress em 24/10/2024 às 11:00
O Santos tem um roteiro que se repete: um garoto se destaca na base e passa a ser a esperança de novo Neymar. Há, porém, uma história diferente dessa vez. A própria família Neymar escolheu quem deve ser o próximo raio da Vila Belmiro.
A NR Sports, empresa de Neymar Pai, agencia Kauan Basile, um fenômeno de apenas 12 anos. O garoto soma 1,5 milhão de seguidores no Instagram e já tem reconhecimento mundial. Nenhum atleta do elenco profissional do Peixe, por exemplo, chega perto dos números desta joia.
O UOL mergulhou na rotina de Kauan para entender o que está além dos gols e dribles que viralizam nas redes sociais. A reportagem aproveitou a semana da criança para acompanhar uma aula na escola, um treinamento no Santos e entender se o menino tem noção do que já representa tão cedo. E como a família lida com o assédio.
Fenômeno natural
O Santos apostou em Lucas Yan, irmão mais velho de Kauan Basile, sem saber que no caçula existia um talento nato. Lucas é um meio-campista de 18 anos que atua no sub-20 e possui boa expectativa no clube, mas o cenário de Kauan é outro. Todos têm certeza que o menino será um craque a nível mundial no futuro.
O Peixe não quis correr o risco de perder Kauan e o colocou no sub-9 do futsal mesmo aos seis anos pois não existia categoria para meninos novos. Desde o primeiro dia, ele joga com os mais velhos.
Internamente, se sabia do futuro promissor de Basile, assim como os olheiros internacionais mais ligados à base. A Nike deu um contrato para Kauan logo aos oito anos, propiciando um recorde do mais novo a assinar com a empresa. Mas o cenário mudou completamente a partir de 2022, por causa das redes sociais. Um vídeo despretensioso fez Kauan aparecer de vez para o mundo.
Em agosto de 2022, a promessa brilhou em jogo de futsal entre Santos e Palmeiras. A empresa One Goal Films havia sido contratada para gravar três meninos do Verdão, mas Kauan saltou aos olhos. Os produtores, então, selecionaram lances do santista e ofereceram à família. Após uma negociação de preço, o vídeo foi comprado e publicado sem muito alarde, apenas com a legenda “SFC”.
Os pais, que cuidam do perfil, publicaram e em poucos minutos viram as notificações travarem o celular. Em um dia, o vídeo foi visto por milhões e o perfil de menos de 50 mil seguidores ganhou 200 mil novas pessoas. Páginas de todos os lugares do mundo compartilharam o vídeo e praticamente definiram que Kauan Basile era a nova aposta do Santos.
Neymar assistiu, e jogadores como Daniel Alves e Zé Roberto chamaram os pais por mensagem para dar dicas. A partir dali, cada vídeo era visto novamente por milhões de pessoas. E a expectativa que era dos corredores do Santos ganhou os olhares do planeta todo.
Esse furor chegou ao mercado da bola. Empresários iniciaram uma corrida vencida pelo agente Bruno Martins, que fez um investimento milionário. Já em 2023, Neymar Pai se aproximou da família e, sem colocar dinheiro, também conseguiu a gestão do craque mirim.
A teoria era linda com vídeos bem produzidos e o apoio de Neymar, mas a prática também se confirmou. Kauan Basile fez 26 gols em 19 jogos no Campeonato Paulista Sub-11 de 2023 e superou nomes como Endrick, Rodrygo e Diego na artilharia histórica da competição. O fenômeno estava de fato criado.
Os desafios de ser uma “criança profissional”
Os pais de Kauan, André e Tatiane, tentam ao máximo deixá-lo ser criança, apesar das responsabilidades no sub-13 do Santos, agora definitivamente no campo depois de toda a formação no futsal. Uma das regras é a família cuidar das redes sociais para que ele não se empolgue e nem leia possíveis mensagens ofensivas. Os vídeos com lances de futebol são compartilhados, sem expor o dia a dia e a intimidade da casa.
André Ricardo Ferreira jogou no Corinthians no início do século e sabe como funciona o meio do futebol. A experiência com o irmão mais velho Lucas Yan também ajuda nos ajustes da rotina do Kauan.
“O grande desafio é conciliar os compromissos profissionais e comerciais com os desejos de um menino de 12 anos. Ele é famoso, distribui autógrafos por onde passa, já jogou neste ano nos Estados Unidos e Japão e foi chamado para publicidade da Apple no México e para assistir um jogo do Boston Celtics ao lado do proprietário. Como conter essa euforia? “, indaga.
“O Kauan é uma criança que tem responsabilidade maior que as outras por jogar no Santos. Carrega teoricamente essa pressão do dia a dia, de quem está ao redor, engajamento grande na internet que aumenta isso. Mas a gente procura tirar ele de outros ambientes, fazer o que ele quer quando não tem os compromissos de acordar cedo para a escola e chegar à noite do treino. Gosta de surfar, por exemplo, saímos de Santos e vamos para outros locais mais isolados, sem esse contato com o público. Jogou e se apaixonou pelo tênis também. Ele é muito novo, tem muito a caminhar e essa pressão não pode reverter negativamente, até na vontade dele de se tornar um atleta profissional de futebol. Ele precisa ter a vontade de jogar sempre renovada”, diz André, pai do Kauan Basile.
Kauan treina de terça a sexta-feira no Santos e joga no fim de semana, seja pelo sub-13, onde treina, ou reforçando o sub-12. Na segunda, que seria de folga, ele faz trabalho específico de finalização com a perna direita e cobranças de falta. O garoto é canhoto.
O pilates ocorre de quinta-feira para auxiliar nas dores e os hobbies como surf e tênis aparecem esporadicamente. Há horário para dormir e limite para jogar video game.
“É normal, né? Desde os meus seis anos eu jogo com eles, não existia sub-6 nem sub-7, então é normal. De manhã eu acordo cedo para a escola, almoço, jogo um pouquinho. GTA, Squad, Fortnite… Esse tipo de jogos. Vou para o treino, chego umas 19h30, descanso e de quinta tenho pilates por causa de uma inflamação no joelho. Aí chego e descanso. E de segunda-feira treino mais a perna direita, cobrar falta porque não dá tempo no Santos”, descreve Kauan Basile.
Logo após Kauan responder, o observador e ex-jogador Paulo Robson disse: “Se eu tivesse esse talento, seria muito mala. Esse menino é totalmente diferente. Não dá trabalho nenhum”.
O menino do fundão
O UOL esteve com Kauan Basile numa aula de gramática do sexto ano. Logo que foi apresentado à sala pela professora, uma amiga brincou: “Vish, se você filmar tudo vai acabar com a imagem dele”.
Kauan é muito querido pelos alunos e na sala de aula se sente apenas mais um. Não precisa dar autógrafo ou respostas clichês. Brinca e recebe de volta as zoações e não há sinal de ciúme pelo colega famoso.
Ele senta de lado, às vezes vê a professora chamar a atenção e na hora do recreio corre para ficar com os mais velhos, como está acostumado desde o sub-9 do Santos com seis anos.
O dia a dia do colégio, porém, não é fácil. A professora logo no início da aula brincou com Kauan: “Você sabe meu nome? Sim!? Ufa”. “É que ele falta muito”, continuou. A especialista em gramática viu que o craque não havia comparecido na tarefa anterior e fez outra piada: “Vou te enviar a aula por Ifood com entrega grátis”.
A rotina de jogos e eventos internacionais faz Basile se ausentar com alguma frequência. A escola, acostumada com outros jovens atletas de futebol e natação, envia os conteúdos de lição de casa e remarca as provas. Se necessário, há um reforço. O Santos também monitora a frequência nas aulas.
“Nada subiu à cabeça. Ele é um menino extremamente humilde, uma criança como qualquer outra na escola. Super atencioso, tem inúmeros fãs e dá atenção carinhosa a todos eles. É admirável e que ele nunca perca o jeitinho dele, que é encantador. Ele falta muito na escola, sim, mas temos parceria legal com os pais dele, que me avisam antecipadamente sobre campeonato ou jogo. Separamos todo um trabalho, encaminhamos atividades, os pais me perguntam e passamos conteúdo. Quando ele retorna e percebemos que algum conteúdo não é adquirido, tiramos de alguma aula e em algum momento mais tranquilo o professor dá atenção especial. Ele é super comprometido, muitas provas ele perde e nós reagendamos. Faz em outro momento, até em contraturno ele vem”, conta Andrea Relva Santos, coordenadora do Colégio Santa Cecília.
“Não tem só o Kauan. Ele é um atleta diferenciado, lógico, mas temos outros atletas e o tratamento é igual com todos. Eles têm essa noção do desempenho, que está sempre aparecendo e gostam, quem não gosta de estar perto de famoso? Mas não há tratamento diferenciado por parte dele e dos colegas. Ele é da turma do fundão, conversa, faz baguncinha dentro de um normal de escola. Não é diferente de nenhum outro e sem tratamento de estrela. Todos são estrelas aqui”, conta.
Projeto de carreira
O Santos tem negociação avançada por um novo contrato para Kauan Basile. O acordo é semelhante ao de Neymar, lá em 2006, quando o garoto estava na mira do Real Madrid e ficou no Peixe. O responsável atual pelo marketing, Armênio Neto, é o mesmo que conversou com Neymar Pai há 18 anos e agora volta a tratar com Neymar, só que como empresário.
Os moldes são de jogador profissional e garantiriam estabilidade para a família na Baixada Santista, assim como renovação contratual do irmão mais velho, Lucas Yan. Em troca, o Santos teria direito a 50% da exploração comercial da promessa.
A família de Kauan entendia que o Peixe não dava a devida atenção, mas a impressão melhorou com o garoto como representante da base no lançamento do terceiro uniforme. A proposta financeira também melhorou após algumas rodadas de negociações.
O Santos não pode se certificar que Kauan Basile assinará o contrato profissional quando completar 16 anos, mas crê que pode criar uma relação de confiança com a família, assim como Neymar Pai aceitou o projeto no passado, quando Ney tinha 14 anos.
Tanto os pais quanto Neymar Pai e o outro empresário Bruno Martins entendem que Kauan precisa se profissionalizar no Santos, sem pressa para atuar na Europa. O contrato deve ser anunciado nos próximos dias para sorte do torcedor do Peixe, que deve ver o raio cair outra vez no mesmo lugar.