Academia peruibense de letras: a escrita de um sonho
Por Repórter Universitário em 19/06/2015 às 18:31
por Amanda Oliveira
UNISANTA ONLINE – “Um grupo de pessoas que gostam de cultura, literatura, teatro e artes plásticas se reuniu há dez anos, exatamente há dez anos e alguns meses, e resolvemos fundar a Academia Peruibense de Letras ”. É dessa forma que a fundadora e presidente em exercício Eugenia Flavian define o nascimento da APLetras, como o grupo é conhecido.
Foi no dia 21 de novembro de 2004 que um grupo de intelectuais de Peruíbe assinou a Carta Constitutiva da Academia Peruibense de Letras. Essa foi uma segunda tentativa de fundar a instituição. No ano de 1995, foi criada a Oficina Cultural Tom Jobim, um projeto que fazia trabalhos semelhantes, que funcionou durante cinco anos. Mas, sem recursos, suas atividades tiveram de ser encerradas. Foi, então, que em 2004 nasceu a organização, a qual completou no ano passado 10 anos de existência.
A APLetras é uma associação sem fins lucrativos, mas tem todos os registros legais de uma instituição. Ela segue o estatuto da Academia Brasileira de Letras, mas tem o seu próprio.
A academia tem no total 40 cadeiras, das quais 23 estão ocupadas por acadêmicos efetivos. Ela também conta com oito acadêmicos correspondentes, ou seja, pessoas que deixaram de morar em Peruíbe, mas que ainda querem contribuir com seus trabalhos. Estes têm também a função de divulgar a APLetras nas cidades em que residem.
Todo ano a APLetras abre inscrições para a entrada de novos acadêmicos. Quando todas as cadeiras forem preenchidas, nenhum mais será aceito, a não ser que algum venha a falecer. Segundo a presidente Eugenia Flavian, “todo ano entram, três ou quatro (autores) novos. Mas, também saem, por alguma razão. E o lugar fica vago”. A presidente conta que, desde sua fundação, a academia nunca preencheu as 40 cadeiras. Em 10 anos muitos saíram e três faleceram.
Para um escritor ser aceito na Academia Peruibense de Letras, precisa atender a alguns requisitos:
– Ser brasileiro nato ou naturalizado;
– Ter mais de 30 anos de idade;
– Residir em Peruíbe há mais de três anos;
– Ter obra literária escrita, publicada ou não.
Maturidade e convivência local
A segunda exigência, ter mais de 30 anos de idade, existe, segundo a presidente Eugenia Flavian, pelo fato de acreditar-se que uma pessoa com menos idade talvez ainda não tenha “amadurecido a arte de escrever. Escrever não é sentar e colocar quaisquer palavras de qualquer jeito. Exige certa harmonia”. Outra justificativa é que considerando-se que a maioria dos acadêmicos já têm certa idade e experiências, poderia haver certa discrepância de ideias.
Já o acadêmico e diretor cultural da APLetras, Jorge Braga da Silva, acredita que a entrada de escritores mais jovens poderia renovar a Academia, promover novas discussões e produzir ideias novas, e até mesmo atrair mais público. Ele considera que, hoje, escritores de menos idade fazem muito sucesso entre os jovens leitores. “Eu acho que nós deveríamos repensar essa idade limite e chamar a garotada. Nem que seja para não ser acadêmico. Ou então ser um acadêmico com um título distinto, como ‘acadêmico júnior’. Mas, abrir um espaço. Nós não queremos divulgar a literatura, não queremos que as pessoas leiam?”. No entanto, apesar de defender a mudança, Silva respeita a decisão da instituição. “Eu respeito os meus colegas da academia. Eu sei que tem gente ali de muito valor, que escreve muito bem. Mas, essa questão de trazer a juventude na academia, eu tenho certeza de que se nós fizermos isso aqui, seremos pioneiros”. A questão já foi posta em pauta na APLetras, mas, até o momento, a regra dos 30 anos ainda vigora.
A terceira exigência, de residir em Peruíbe há pelo menos três anos, existe, porque a academia opta por pessoas que tenham residência fixa na cidade, para que não se mudem e deixem cadeiras vagas. Até porque, conforme explica a presidente, “não há garantia, mesmo dos que moram aqui há muito tempo, de que continuem (morando)”. Outro fator é que como é uma academia de letras, os acadêmicos devem conhecer a história de Peruíbe. “É muito difícil aceitar uma pessoa que chegou há pouco tempo e não conhece a cidade, não conhece seus problemas, suas dificuldades”.
A última exigência é ter material literário escrito, para que ele possa ser avaliado quando feita a inscrição. Segundo a presidente, os textos são necessários. “É para dar uma noção do estilo da pessoa, dos assuntos que gosta de abordar”. Esse material pode ou não estar publicado, porém é importante ressaltar que a academia aceita somente trabalhos literários, de caráter cultural, ou seja, ela não aceita os científicos. Conforme Silva, depois da avaliação, os candidatos aceitos recebem um convite para ingressar como membros da academia e no dia do aniversário da instituição é feito o empossamento. Cada um faz um juramento, recebe uma medalha e um diploma.
Na Academia Peruibense de Letras, os integrantes se reúnem periodicamente para “tratar de literatura”. As reuniões acontecem mensalmente, às quintas-feiras. O diretor cultural Jorge Braga da Silva conta que todos os meses, antes das reuniões, seleciona títulos e temas que serão abordados, e os integrantes que se interessarem, escrevem contos, poemas ou crônicas. Ainda segundo Silva, nas reuniões, os acadêmicos fazem resenhas de livros, tecendo comentários sobre a obra, “para que os demais também se interessem e vão procurar ler aquele livro”.
A APLetras também faz livros. A cada dois anos, é publicada uma coletânea em que todos os acadêmicos participam. A coletânea é intitulada “Ofícios e Artifícios da Academia Peruibense de Letras” e já tem cinco volumes. Nela todos os autores escrevem textos, inéditos, exclusivos. Todo o trabalho é realizado ao longo do ano e, no dia da festa de aniversário da entidade, o livro é lançado.
Cada volume da antologia conta com um ou mais textos de cada autor e cada uma tem uma temática diferente. A mais recente foi intitulada “Ofícios e Artifícios da Academia Peruibense de Letras – Dez anos depois”, em comemoração ao aniversário de 10 anos.
A nova coletânea ganhou uma edição especial, com fotos de toda a trajetória da academia, além de, uma pequena biografia de cada autor, acima de seus textos. A capa desse livro, aliás, tem a foto da primeira posse dos acadêmicos. Além disso, foi elaborado um catálogo de divulgação com todas as obras individuais dos acadêmicos. Este catálogo está disponível, em formato PDF, no blog da APLetras.
A organização já está planejando o lançamento da próxima coletânea, que não terá mais o mesmo nome. O título ainda não foi escolhido, mas “Ofícios e Artíficos” se encerrou com os dez anos, e é considerado como um ciclo fechado.
Ofícios e Artifícios
A coletânea publicada a cada dois anos tem no título uma brincadeira sonora. Ofícios, porque são trabalhos, e artifícios porque “pra você escrever, você precisa de um pouco de artimanhas. Precisa colocar algum tempero pra que seja alguma coisa literária, um texto gostoso”, explica Eugenia Flavian.
O início/ SEMAC
Nos primeiros três anos, a APLetras, na semana de 21 de novembro, data do aniversário, promovia a Semana de Artes e Cultura (SEMAC). Todas as noites, diversas atividades culturais eram realizadas, como teatro, dança, exposição de arte, jograis, palestras, música, entre outros. No entanto, após esse período, a entidade desistiu de realizar o evento, pois toda a logística que o envolvia gerava muito trabalho.
A presidente Eugenia Flavian relembra que, frequentemente, pessoas convidadas para se apresentar não apareciam e era necessário improvisar. Outro problema é que a Academia não possuía um local próprio, uma sede onde pudesse ser realizado o encontro. Ela dependia de que alguém emprestasse o espaço ou, caso isso não ocorresse, teria que alugar, o que era difícil, já que a APLetras não dispunha de muitos recursos financeiros.
Outro problema que não permitiu a continuidade da SEMAC foi o trabalho pesado, de ter que montar toda a estrutura do evento. Quem organizava tudo eram os próprios acadêmicos e, levando em consideração que já não são pessoas tão jovens, era complicado ter de fazer tanto esforço.
Eugenia Flavian conta que estes três anos foram muito marcantes, porém extremamente trabalhosos. “Era muito legal, mas dava tanto trabalho que acabamos dizendo ‘chega’”.
Atualmente, na semana do aniversário, a APLetras só realiza a festa para a comemoração, que é aberta ao público e onde são lidos alguns textos dos acadêmicos, realizadas apresentações de teatro, entre outros. A APLetras tem uma acadêmica que é dramaturga, Ecilla Bezerra, que faz pequenos textos que todos os autores lêem no encontro. Ou seja, sempre alguma apresentação é feita, “para enriquecer a festa”.
A presidente relembra a comemoração aos dez anos de APLetras. Para ela, foi um momento marcante, pois foi uma festa realizada na Câmara Municipal de Peruíbe. Na ocasião, os acadêmicos receberam uma placa comemorativa, que para Eugenia “é um sinal de reconhecimento”, além de “abraços, beijos e muito obrigado.” Ela ainda ressalta, “foi a Festa”.
Oficina Cultural Tom Jobim
Em 1995 foi criada, por um grupo de cinco pessoas, a Oficina Cultural Tom Jobim, que durante cinco anos promoveu diversos eventos e atividades culturais em Peruíbe. Como ressalta Eugenia Flavian, eram pessoas “sonhadoras, idealistas e sem recursos.” Contudo, após este período de atividades, o projeto teve de ser encerrado, e segundo Eugenia, justamente pelo fato de que “não é possível sobreviver de sonhos.”.
Porém, nos encontros deste trabalho, e observando que muitos escritores possuíam “obras engavetadas”, sempre se cogitou a possibilidade de um dia fundar uma Academia de Letras de Peruíbe.
Inicialmente, a ideia não se desenvolveu. Porém, após um período de aproximadamente cinco anos, “aquelas mesmas pessoas (ou quase as mesmas) encararam a nova empreitada que foi a criação da APLetras”. Agora, mais fortificada, convidava escritores e literatos, visando “formar um grupo maior, com mais participação”.
A primeira reunião para a formação da APLetras se deu em 16 de outubro de 2004, com 17 assistentes. A segunda ocorreu em 7 de novembro, e a terceira, em que foi fundada a Academia Peruibense de Letras, realizou-se em 21 de novembro de 2004, tendo sido ratificada em 5 de dezembro por 26 participantes, considerados seus membros fundadores.
A partir daí, a APLetras, concentrou-se nos trabalhos que antes parte de seus membros, em outra condição, já realizavam, como exposições de artes plásticas, obras de teatro, saraus, entre outros.
Sede
Logo no início de seus trabalhos, a APLetras fazia suas reuniões em uma pizzaria da cidade, a Firenze. A academia se sustenta com a mensalidade paga pelos acadêmicos, de R$ 25,00. Dada a escassez de recursos, até ano passado a instituição não possuía sede própria.
Hoje a instituição já tem uma sede. É uma sala cedida pela TV local, a Vale das Artes. A academia também está trabalhando na elaboração de seu acervo de livros, a sala tem agora uma estante, onde serão colocados os trabalhos dos acadêmicos.
“Agora nós temos essa sede, precária por enquanto, porque é uma sala com cadeiras. Tem uma estante também. Pouco a pouco, com os escassos recursos, vamos equipando a sala. Que, por sinal, é cedida, porque se tivesse que pagar aluguel não ia ter como”.
A sede da APLetras fica localizada na Av. Padre Anchieta, nº 4297, Peruíbe.
O futuro
Quanto ao futuro, ainda são planejados muitos trabalhos, dentre eles o lançamento da nova antologia, que já está sendo elaborada. O diretor cultural Jorge Braga da Silva também conta que planeja promover um concurso de literatura.
A fundadora e presidente, Eugenia Flavian, almeja que a academia “cresça e se fortaleça, e que tenha mais reconhecimento”. Contudo, ela alerta: “O reconhecimento também depende de que a gente continue divulgando”.
Ela lembra que até há alguns anos atrás, a APLetras pouco era conhecida na cidade: “Não faz muito tempo, a gente andava pela rua e dizia: ‘Eu sou da Academia Peruibense de Letras.’ E respondiam: ‘O quê? Tem academia aqui na cidade?’ ‘Sim faz cinco anos que tem.’ ‘Ah! Não sabia. Onde que é, o que faz?’”.
Eugenia acredita que o crescimento da cidade nos últimos anos “contribuiu” para que a academia fosse pouco conhecida, pois a população aumentou e parte desse número são pessoas que vieram de outras cidades, que não conhecem Peruíbe, nem sua história.
Moradora de Peruíbe desde 1985, Eugenia conta que as pessoas se conheciam mais. “Quando eu vim pra cá, você parava a cada cinco metros pra cumprimentar alguém. Todo mundo se conhecia. Agora não, você anda e não conhece mais ninguém”.
Ela também relembra que nas primeiras reuniões da APLetras, na pizzaria, todos os acadêmicos paravam para cumprimentar as pessoas. “Eu brinco porque no começo da academia a gente, pra entrar lá e sentar, levava meia hora porque tinha que parar de mesa em mesa. A cidade cresceu e as pessoas não se conhecem mais. Infelizmente”.
Membros da Academia Peruibense de Letras
Atualizada em 25 de maio de 2015
EFETIVOS |
||
NOME |
PATRONO |
CADEIRA |
Beny Soares |
Aluísio de Azevedo |
01 |
Carmen Lúcia S. da Costa |
Vinicius de Moraes |
40 |
Christa Rieswick |
Clarice Lispector |
10 |
Dora Pereira Lima |
Rubem Braga |
38 |
Ecilla Bezerra |
Oswaldo Herrera |
36 |
Edwaldo C. Rodrigues |
Manuel Bandeira |
28 |
Esmeralda R. R. Castellán |
Rui Barbosa |
39 |
Esther Felicidade R. Romano |
Cora Coralina |
13 |
Eugenia Flavian |
Hélio Thruler |
25 |
Henrique Natividade |
Gilberto Freyre |
20 |
José Augusto Melo |
Gonçalves Dias |
21 |
Jorge Braga da Silva |
Dalmar Americano dos Santos |
15 |
Marcos Caramico |
Mário Quintana |
31 |
Maria Aparecida Almeida |
Carlos Drummond Andrade |
06 |
Martha Z. Z. Fujita |
Érico Veríssimo |
18 |
Mirtes Palhares |
Oswald de Andrade |
35 |
Ricardo Rose |
Darcy Ribeiro |
16 |
Scheila M. L. Braga |
Guimarães Rosa |
24 |
Thereza Costa |
Benedito Calixto |
05 |
Vera A. Motta |
Machado de Assis |
27 |
Wanda Regina Laguna |
Mariajosé de Carvalho |
29 |
Yolanda de Sanctis Bello |
Maya Alice Ekman (*) |
33 |
CORRESPONDENTES |
||
Arthur Meucci |
Otto Diringer (*) |
37 |
Carolina Ramos |
Cruz e Souza |
14 |
Dalmir Martins |
Castro Alves |
08 |
Elizabeth C. B. Watanabe |
Olavo Bilac |
34 |
Lina de Lima |
Cláudio Manuel da Costa |
11 |
Lydia Gonçalves |
Álvares de Azevedo |
02 |
Marilena Corsetti |
Gregório de Mattos |
23 |
Therezaqa A. B. Tavares |
Fernando Sabino |
19 |
(*) Acadêmicos falecidos: Cleyde S. Silva e Carlos A. Berman