A ficção (muito) científica do seriado americano Star Trek
Por Gustavo Klein /Santaportal em 17/02/2016 às 18:44
FICÇÃO CIENTÍFICA – Se há um gênero marginalizado no cinema e na literatura, este é a ficção científica. Não falo de sucesso de público e nem mesmo de crítica, mas sim da credibilidade com que ele é encarado. A ficção científica está longe de ser apenas diversão descompromissada. Ela propõe, ao contrário, um exercício de criatividade muito calcado na observação rigorosa do mundo que vivemos e para onde ele caminha.
Escrever ficção científica é imaginar como o mundo que está aí será em 20, 50, 100 anos. Não apenas tecnologicamente, mas como sociedade, também. É por isso que alguns livros escritos nas décadas de 20, 30 e 40, à sombra da União Soviética e do nazismo, refletem o sentimento de seus autores a respeito do totalitarismo e do hipercontrole do cidadão.
Aldous Huxley, em seu genial Admirável Mundo Novo (de 1931) é o exemplo mais bem acabado. Orwell e seu 1984 (escrito em 1948) também. Livros assim criaram todo um subgênero literário, a distopia, sobre o qual ainda vamos falar por aqui algum dia.
O que importa neste texto é o futuro imaginado por um sujeito em particular – Gene Roddenberry, criador do seriado Star Trek – e como, neste caso específico, tanto a série refletiu o momento vivido pela humanidade (os primeiros anos da corrida espacial e o que isso representava), projetou esse futuro décadas à frente. Neste aspecto, é um caso único.
É claro que um seriado assim atrairia muita gente das áreas de ciências e tecnologia. Esse pessoal, trabalhando na indústria, buscou a concretização de muitos conceitos imaginados pelo seriado, invertendo a lógica, ajudando não apenas a imaginar o futuro mas também a moldá-lo.
É claro que a tecnologia mais evidente e chamativa do show – o teletransporte – está muito longe de virar realidade, se é que um dia será possível, mas são vários os exemplos positivos.
Celulares
O mais óbvio são os telefones celulares. As equipes de descida da Enterprise, quando estavam em um planeta inóspito, sempre carregavam seus comunicadores, aparelhos que de qualquer lugar lhes permitia falar com a nave. Eram aparelhos de Flip mais próximos de um rádio Nextel do que de um celular, propriamente, mas inspiraram a indústria.Uma curiosidade: o primeiro telefone de flip da Motorola se chamava Star Tac em homenagem ao seriado. Aliás, o logotipo da Motorola, empresa que hoje pertence ao Google, são duas insígnias de Star Trek viradas uma de frente para a outra, formando um ‘M’.
Medicina
Na área da saúde as tecnologias que aparecem em Star Trek são espetaculares. Quando o Dr. MacCoy precisava cuidar de algum paciente, não usava injeções e sim um inoculador que não provocava dor. Ele já existe e se chama hipospray, ou pistola de vacinação pressurizada.Também chamava a atenção como, no seriado, as doenças eram detectadas em poucos minutos por um aparelho que ficava logo acima da cama do paciente. Havia também uma versão portátil, que escaneava o paciente. O Pet Scan é o que há de mais moderno na detecção de diversas doenças, como cânceres, problemas neurológicos e doenças do coração. A tecnologia permite uma visualização impressionante do metabolismo do indivíduo. O que muda, ainda, é o tempo do exame: no seriado durava poucos segundos. Na ‘vida real’ são necessárias três horas.
Direitos humanos
Interessante de fato é perceber que a série foi muito mais revolucionária pelas discussões que provocou na área dos direitos humanos e da inclusão social do que pela tecnologia. A série estreou na tevê americana em 1966, auge dos movimentos civis pelos direitos dos negros por lá, com Martin Luther King à frente. Nichelle Nichols, mulher, negra, fez história ao ocupar, no seriado, um papel de liderança (era a quarta em comando) e protagonizar o primeiro beijo inter-racial da tevê americana. Pelos problemas que enfrentava no show (algumas afiliadas do canal no Sul dos Estados Unidos, por exemplo, não exibiam o show em protesto), Nichelle pensou em desistir após a primeira temporada. Mas encontrou-se com o próprio Martin Luther King, que a convenceu a permanecer ressaltando a importância que tinha uma mulher negra ocupar aquele espaço. A Primeira Diretriz da Federação dizia: “é proibido interferir com o desenvolvimento normal de uma cultura ou sociedade. Essa diretiva é mais importantes do que a proteção das naves ou membros da Frota Estelar. Perdas são toleradas ao longo forem necessárias para a observação dessa diretiva”. Ou seja: o respeito a outras crenças e culturas era fundamental e mais importante do que qualquer “imperialismo” da Federação.
Utópico? Star Trek propunha um futuro em que a humanidade já havia superado seus problemas internos. Se tecnologicamente a humanidade já se aproximou de alguns conceitos do visionário show, em matéria de humanidade ainda temos muito a evoluir.