Intervenção artística é retirada das ações da Conferência das Cidades Criativas da Unesco
Por Laila Aguiar em 26/07/2022 às 11:04
A artista Yanaina Mella teve a sua intervenção cultural retirada das ações que aconteciam em paralelo a Conferência das Cidades Criativas da Unesco, realizada em Santos. A ação foi retirada após a alegação de que não estava autorizada para acontecer.
Para as ações culturais foram selecionados 15 locais pré-selecionados e 15 artistas para realizar as intervenções. Yanaima Mella, designer de interiores e cenógrafa, foi uma dessas artistas, ela conta que foi contratada pelo curador dez dias antes das ações.
O curador passou o local onde ela faria a intervenção. Logo depois, a artista fez o planejamento cenográfico e comentou com o curador sobre como seria.

Na terça-feira (19), ela começou a fazer a intervenção, que consistia em duas bonecas com sangue nos braços e um “x” na boca em referência ao silêncio feminino. A artista relata que foi abordada diversas vezes durante a montagem.
“Desde quando cheguei fui abordada várias vezes pelo pessoal do museu, mas sempre com relação a temática, e dizendo que não tinham conhecimento sobre a instalação”.
Após diversas abordagens ela ligou para o curador do evento. “Falei para ele, olha eles estão aqui me abordando, perguntando da temática, perguntando o que está acontecendo e dizendo que não tem conhecimento”.
Yanaina relata que na ligação o organizador reiterou que estava tudo pré-autorizado e que poderia continuar. Após uma ligação do curador para um representante da Prefeitura, o responsável pelo museu veio até ela pedir desculpas pelo transtorno e autorizou a instalação.

A artista continuou a montagem até 1h da manhã. No outro dia, no período da tarde, ela voltou ao local e não encontrou os objetos que teria deixado no local na madrugada.
“Para a minha surpresa não havia mais nada lá, foi tudo retirado, e aí começou o pesadelo”. Ela contou que foi atrás do museu, mas que os responsáveis não queriam devolver as bonecas. Após um tempo ela conseguiu a devolução das bonecas, uma delas destruída, a outra danificada, e que precisou ser recuperada. Depois disso, ela foi informada que não poderia fazer a intervenção artística no local, somente colar os lambe-lambes.
Todo esse problema levou aproximadamente um dia. No domingo (24), a artista voltou ao local e fez a colagem dos lambe-lambes. “Colei, mas para a minha surpresa duas horas depois tudo tinha sido arrancado”.
As colagens também tinham frases de ação com relação ao feminismo. “Nesse dia eu fiquei muito revoltada, porque entendi que não se tratava do local que estava fazendo e sim do tema”, relembra.

Após esse fato, a artista colocou a história nas redes sociais e o assunto viralizou em nível nacional. Yanaina relatou em entrevista que, após essa repercussão, a Prefeitura de Santos pressionou ela para abafar o caso.
“O pessoal da Prefeitura começou a me pressionar. Eles fizeram uma nota e começaram a me pressionar que emitisse essa nota, abafando a situação e me responsabilizando por ela”. A artista relata que a Prefeitura também ofereceu um novo local para fazer essa instalação.
Ela conta que impôs uma condição para voltar a fazer a intervenção. “Aceito fazer em outro lugar, porém vocês têm que se posicionar perante a mídia dizendo que havia autorização por parte da organização e que foi um erro comunicação de vocês”
A artista acabou não tendo a intervenção realizada, mas fez algumas fotos com a boneca no Centro e também colocou nas redes sociais.
“Estou péssima, com uma sensação de injustiça horrível. Acredito que isso foi mais uma violência, porque a organização do evento, muito curiosamente, composta por homens, se silenciou diante da possibilidade de que a culpada fui eu por ter feito uma intervenção sem autorização em um local que é patrimônio público”, conta a artista.
Em nota, o curador afirmou que conversou com os proprietários dos locais selecionados e que receberam autorização para as intervenções e que o coletivo de artistas jamais removeria a arte ou instalações de um artista.
Confira o que diz a Prefeitura de Santos
A artista foi convidada pela Prefeitura de Santos, por meio de um coletivo que reuniu 15 artistas, que recebeu cachê para realizar uma série de intervenções no percurso do bonde turístico, como parte da programação cultural que ocorreu no final de semana, no Centro.
O curador da exposição é o artista Léo Preo, responsável por convidar os participantes e selecionar os locais, bem como conseguir as autorizações de exploração dos espaços. O caso relatado pela artista Yanaina Mella ocorreu após a instalação de sua obra na fachada de um imóvel administrado pelo Museu do Café.
O curador da mostra afirma que a exploração do espaço havia sido previamente autorizada pelos responsáveis pelo imóvel, que pertence ao Governo do Estado e é administrado por uma organização social.
No entanto, em nota oficial, a assessoria de imprensa do Museu do Café afirmou que a instalação não havia recebido autorização prévia e que a retirada da obra ocorreu porque parte dela ocupava a parede do imóvel protegido pela lei de tombamento.
A prefeitura, em apoio à manifestação, se colocou à disposição da artista para encontrar um outro espaço para que ela realizasse a mesma intervenção.
A Prefeitura de Santos repudia qualquer ato de censura e ressalta que nenhum funcionário da Administração Municipal se envolveu com o ato relatado pela artista. O conteúdo da obra está inteiramente de acordo com o posicionamento institucional da Prefeitura, presente em diversas campanhas de conscientização promovidas para combate a todas as violências contra as mulheres.
O objetivo da exposição, que ocorreu por iniciativa da própria Prefeitura de Santos, é destacar o talento e a criatividade dos artistas da Cidade.