Família acusada de manter idosa como escrava por 50 anos em Santos responde a dois processos

Por Rodrigo Martins em 07/04/2022 às 16:49

Rafael Batalha/Santa Cecília TV
Rafael Batalha/Santa Cecília TV

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rodrigo Lestrade, disse que a família da idosa de 89 anos que foi mantida em um apartamento em Santos em situação análoga à escravidão durante 50 anos recusou entrar em um acordo com os seus antigos patrões. Por isso, o MPT entrou com um pedido de indenização por dano moral coletivo formulado na ação civil pública. A família da vítima, por sua vez, ajuizou uma ação individual.

“A situação foi denunciada para a polícia por uma vizinha, em agosto de 2020. O inquérito correu pelo 7º DP de Santos, antes de ser concluído pela Delegacia de Proteção ao Idoso de Santos e encaminhado para o Ministério Público do Trabalho. Depois que essa senhora foi resgatada, a família entrou com uma ação individual querendo o reconhecimento da relação de trabalho. Nós colhemos depoimentos e, como a família se recusou a fazer um acordo, ajuizamos a ação pelo dano moral coletivo. A senhora pode pedir uma ação individualizada, mas eu não posso comentar sobre isso, pois corre em segredo de Justiça”, explicou Lestrade em entrevista exclusiva ao Santa Portal.

Os dois processos correm em segredo de justiça. Não foi divulgado o valor pedido pela família da trabalhadora.

Na ação trabalhista apresentada à 2ª Vara do Trabalho de Santos, a trabalhadora contou ter sido admitida como empregada doméstica nos anos 1970. A vítima, que havia acabado de chegar de Mogi das Cruzes após se separar do marido, morou na rua. Naquela época, a família ofereceu moradia e comida, mas ela teria que fazer todos os trabalhos domésticos da casa. Porém, ela não recebeu salário e nenhum benefício.

A idosa contou ainda que perdeu sua carteira de identidade e recebeu dos patrões a promessa de que a ajudariam a providenciar um novo RG, mas isso nunca aconteceu.

“Não é necessário que a pessoa viva acorrentada para que se configure o trabalho escravo. O fato de a pessoa não receber salário, só comida e moradia já caracteriza isso. Além do que, ela era impedida de ter uma vida social fora do ambiente de trabalho”, comentou o procurador do MPT.

Ela também contou que era ameaçada todas as vezes em que pedia autorização para procurar sua família – tinha duas filhas – e ouvia dos patrões que perderia o abrigo e alimentação que recebia. Segundo a vítima, ela era constante alvo de humilhações, pois ouvia xingamentos das três filhas da patroa e chegou a tomar socos e tapas.

Com todas essas situações narradas pela idosa, o MPT solicitou o bloqueio de bens móveis e imóveis no valor de R$ 1 milhão e a condenação por danos morais coletivos, também em R$ 1 milhão, que deverão ser revertidos em ações de combate ao trabalho escravo.

“Não é uma família de poucas posses, por isso pedimos o bloqueio de bens para que eventualmente sejam levados à penhora e seja satisfeito o crédito da sociedade. Desta forma, garantimos que haverá o pagamento da indenização, caso assim seja decidido (pela Justiça)”, afirmou Rodrigo Lestrade.

A ex-patroa e uma das três filhas morreu em 2021, outra morreu anos antes. Para o MPT, todas se beneficiaram diretamente da situação de degradação da empregada, uma vez que também administravam a casa e davam ordens.
Enquanto as duas ações não são julgadas, a trabalhadora doméstica vem recebendo uma pensão no valor de um salário mínimo e o custeio integral de um plano de saúde, ambos bancados pela família que a submeteu à condição de escravidão.

Para Lestrade, a situação espanta pelo longo período de maus-tratos. “(O caso) nos assustou, causou indignação. É uma surpresa quando nos deparamos com uma situação como essa, (50 anos) é muito tempo. Foram décadas sem ter o reconhecimento dos seus direitos”, concluiu o procurador.

Entenda o caso

Uma mulher de 89 anos foi resgatada pela Polícia Civil em um apartamento na Avenida Ana Costa, no bairro do Gonzaga, em Santos, após denúncia de situação de escravidão .

Segundo a investigação, ela trabalhou por quase 50 anos como empregada doméstica de uma família sem registro em carteira, sem salário ou qualquer tipo de pagamento; só podia sair de casa para afazeres ligados ao trabalho.

A denúncia à polícia foi feita por uma vizinha, que gravou ofensas contra a idosa; desde agosto de 2020, a empregada está sob os cuidados de familiares, entre eles, uma neta, que mora em Peruíbe.

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