Casal santista é condenado por lesar artista em R$ 1,4 mi com sonho de morar na Áustria
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 23/12/2024 às 10:55
O desconhecimento do rastro e, consequentemente, do paradeiro do dinheiro produto de estelionato não impede a responsabilização dos acusados do crime, se ficar demonstrado que eles participaram do engodo para obtê-lo. Essa observação foi feita pela juíza Fernanda Helena Benevides Dias, da 10ª Vara do Fórum Criminal de São Paulo, ao condenar três pessoas por lesar um artista plástico e a sua mulher em R$ 1,4 milhão.
“Há prova nos autos de que ele recebeu o dinheiro, porém, não há informações precisas acerca do destino que ele deu aos valores, de modo que a simples ausência de depósito em uma de suas contas bancárias não pode ser entendida como comprovação de que não tenha recebido o dinheiro da fraude”, frisou a juíza. Os réus negam o crime. As suas penas foram fixadas em três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. Cabe recurso.
Com o sonho de se mudar para a Áustria e lá expor os quadros pintados pelo artista plástico, o casal lesado realizou entre os meses de julho e outubro de 2017, em São Paulo, quatro aportes financeiros para os réus depositarem em conta que eles prometeram abrir em nome das vítimas naquele país europeu. A primeira quantia entregue foi de R$ 800 mil, sendo as outras três de R$ 200 mil cada.
Ex-sócios da empresa que à época dos fatos prestou a pretensa assessoria às vítimas na suposta operação financeira, Tiago Carvalho Siqueira e Pedro Rodrigues de Melo Junior são dois dos acusados. A terceira ré é Fabíola de Almeida Freire, mulher de Tiago, cuja atuação teria sido voltada a convencer o casal de que o negócio feito era seguro e que investimentos na Áustria poderia lhe render cerca de 30% de juros a cada seis meses.
Autoria e materialidade
O Ministério Público (MP) postulou em alegações finais a condenação apenas de Tiago. A defesa desse réu e de Fabíola requereu a absolvição de ambos por ausência de prova. Além de sustentar que o cliente é inocente, o advogado de Pedro pediu que os demais réus fossem condenados pelo estelionato e, ainda, à obrigação de divulgar publicamente que ele não participou da fraude, sob pena de multa diária pelo descumprimento.
“A materialidade delitiva foi demonstrada por meio dos documentos juntados nos autos, especialmente do contrato de investimentos de fls. 17/25, recibo falso de fl. 21 e recibos de fls. 809/810, os quais comprovaram a fraude sofrida, bem como pela prova oral colhida em juízo, sob o crivo do contraditório, que também comprovou a autoria dos acusados Tiago, Fabíola e Pedro”, concluiu a magistrada.
Sobre a participação específica de Fabíola no esquema, a juíza salientou que ela teve “papel essencial” na fraude para ludibriar as vítimas. A ré foi a responsável por fazer o artista acreditar que poderia expor as suas telas em uma galeria de artes que ela inauguraria em Viena, capital austríaca, “de modo que as vítimas foram ao país europeu e levaram diversas obras de arte para uma exposição que nunca ocorreu”.
Segundo a mulher do artista, a ré foi quem lhe disse sobre a elevada rentabilidade dos investimentos na Áustria. “Considerando que Fabíola ludibriou as vítimas, seja fazendo-as crer que seu dinheiro estava na Áustria e poderia render altos valores ou se comprometendo a devolver os valores, porém sem nunca o fazer, mostra-se inequívoco que ela tinha ciência e concorreu dolosamente para a fraude”, destacou Fernanda Dias.
Dosimetria
Na fixação das penas de cada réu em três anos de reclusão e no estabelecimento do regime semiaberto para o início de seu cumprimento, a magistrada apontou circunstâncias judiciais “bastante desfavoráveis, eis que o golpe acarretou grande prejuízo da ordem de R$ 1,4 milhão”. Pelas mesmas razões, ela considerou insuficiente a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direito.
A única diferença nas penas dos acusados diz respeito ao valor dos dias-multa aplicados aos acusados. Fabíola e Tiago foram condenados ao pagamento de 30 dias-multa, cada um de três salários mínimos vigente à época dos fatos, porque a ré afirmou em juízo possuir patrimônio de R$ 17 milhões, indicativo de “alta capacidade financeira”, conforme fundamentou a juíza.
A julgadora também condenou Pedro ao pagamento de 30 dias-multa, mas de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos cada um, diante da falta de maiores elementos sobre a capacidade financeira do réu. Por terem os três acusados respondido ao processo em liberdade e não havendo motivos para decretar a sua preventiva, a juíza lhes concedeu o direito de recorrerem soltos.
No entanto, em relação a Tiago e Fabíola, Fernanda Dias manteve as medidas cautelares de apreensão de seus passaportes e de proibição de sair do País impostas no curso da ação penal. Atualmente, o casal reside em Santos, mas demorou quase três anos para ele ser citado, porque a sua defesa indicou nos autos endereços na Eslovênia e na Áustria, frustrando o regular andamento da marcha processual.
Prejuízo continua
Em caso de condenação, o MP havia pedido a fixação de valor para reparação, “no montante do prejuízo experimentado pelas vítimas, acrescido dos devidos acréscimos legais, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal”. Porém, a juíza deixou de fixar verba indenizatória aos lesados, sob a justificativa de que, “tratando-se de danos materiais, o Ministério Público deixou de indicar valor exato para indenização”.
O artista plástico e a sua mulher chegaram a ter real expectativa de serem ressarcidos durante a ação, porque Tiago e Fabíola aceitaram acordo de não persecução penal (ANPP) proposto pelo MP. O juízo homologou o ajuste, que tem na confissão do crime um dos seus pressupostos e na reparação do dano uma de suas condições, conforme dispõe o artigo 28-A do CPP.
Contudo, superado em 21 de agosto de 2023 o prazo definido para os réus repararem integralmente o dano causado às vítimas, calculado em R$ 1.929.000,00 com a devida correção monetária, o MP requereu a rescisão do ANPP. O juízo deferiu o pedido e determinou a retomada do processo. Do valor que os acusados se comprometeram a devolver, nada chegou a ser depositado na conta bancária indicada pelo artista plástico.
A Justiça também determinou o bloqueio de bens em nome dos três réus até o valor do golpe, mas não foi localizado saldo suficiente. Segundo o MP, a vida das vítimas foi “devastada”, porque elas perderam tudo o que pouparam e tornaram-se inadimplentes. Para o piorar, o artista sofreu um acidente vascular cerebral devido ao estresse causado pela fraude e ficou impossibilitado de pintar, tornando-se totalmente dependente da mulher.
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News