"A saúde vai bem mal em Santos", desabafa pré-candidata Telma de Souza
Por Santa Portal em 02/08/2024 às 15:00
Ex-prefeita de Santos (1989-1992) e pré-candidata à prefeitura, Telma de Souza (PT) lembrou dos feitos do seu governo, criticou a saúde em Santos e prometeu melhor balneabilidade para as praias, em entrevista ao Rumos & Desafios, exibida na última quinta-feira (1º), na Santa Cecília TV.
A pré-candidata, que contará com uma coligação com os partidos PCdoB, PV, PSOL, Rede e PDT, participou do primeiro programa da temporada 2024 do Rumos & Desafios. O programa entrevistará, até 12 de setembro, os candidatos às prefeituras das cidades da Baixada Santista, sendo televisionado todas terças e quintas-feiras, às 21h, também com transmissão simultânea no YouTube do Santa Portal. Confira a entrevista na íntegra abaixo.
O que a Telma de Souza de hoje falaria para a Telma de Souza que foi prefeita?
Puxa, foi bem pesada, hein, garota? Mas conseguimos.
Mudou a forma de fazer a política? Como que você vê essa mudança durante esse período?
Mudou sim, primeiro, por causa das redes sociais. A forma mudou. O conteúdo, eu acho que ficou mais complexo. Até porque, com a entrada das redes sociais, muitos protagonistas da questão política entraram em cena.
Então, hoje, nós temos mais interlocutores. A rede social, muitas vezes, fala mais do que a gente. Mas eu tenho para mim algo que não se pode perder. Você não pode perder, antes de mais nada, o contato mano a mano, olho no olho. Porque é aí que você vê, sinceramente, quem está falando a verdade ou quem está fazendo um papel. Então, eu acho que esse contato mais próximo, que é, eu diria, mais humano, ele não pode nunca ser substituído, a máquina não pode fazer isso.
Mas a política mudou na forma. O conteúdo, como sempre, é a disputa por ideias e ver quem chega lá.
Falando em rede social, olhando a sua rede social, uma questão que vem sendo muito constante é a privatização da Sabesp. Você tem falado bastante sobre isso. Queria que você comentasse com a gente como é que você vê essa questão.
Olha, eu vejo com muita dor no coração. Porque a Sabesp não é uma companhia qualquer. Além de ser uma companhia de excelência, ela é copiada. No Brasil, embora muitos não consigam ter a excelência que ela tem, ela lida com água. Ela não lida com algo de pouco valor. É água. Água é água. Só se compara ao oxigênio.
E quando a Sabesp passa de uma empresa pública para ser privatizada, significa que quem vai tomar conta dela está tendo a visão e a meta de ter lucro. E a água não pode ser tratada dessa maneira.
Durante a sua gestão, houve um trabalho muito forte em relação à balneabilidade das praias. E hoje a gente tem índices muito ruins. O que falta para a cidade ter novamente aqueles bons índices de balneabilidade?
Bom, antes de mais nada, quero dizer que essa é uma pergunta de muita excelência, porque dá oportunidade para nós falarmos sobre a grande marca que a cidade de Santos tem.
Uma cidade turística tem que ter um respeito por toda a natureza, mas especialmente pelo mar. E não dá para você ter uma cidade turística com o mar comprometido, com falta de balneabilidade.
E o que foi que a gente fez naquela época? A gente fez algo muito simples. Fechamos as comportas dos canais. Naquela época nem tinha o Canal 7, era um projeto que depois ia ser executado. Mas fizemos uma ligação a partir do funcionamento das comportas, uma ligação com tubulação ao Emissário Submarino, lá no José Menino.
Este Emissário Submarino, que já estava por lá, fazia um percurso de mais ou menos uns três quilômetros. E os dejetos que eram mandados para lá acabavam indo para o alto-mar, onde eram diluídos, sem nenhum problema por mar em si, aliviando e preservando a nossa cidade desse tipo de contaminação. Então, vontade política. O mar vai ter que estar limpo. As praias vão ter que estar supimpas. E é isso que precisa fazer. Mas isso significa vontade política. Se não tiver, não adianta mais nada.
No fim dos anos 1990, teve um programa de revitalização e desenvolvimento na região central histórica da cidade, o Alegra Centro. Mas hoje a realidade é completamente diferente. Muitos comerciantes reclamam que o centro deu boom e agora não está mais do jeito que eles gostariam que estivesse. Como é que você vê essa questão hoje?
Hoje tem um agravante, as obras do VLT e outras da Sabesp. Então, esse acúmulo de obras fez com que o centro da cidade, hoje, seja um buraco. Quem entra pela João Pessoa, a partir da primeira ou segunda quadra, já não consegue ir adiante.
Tem que dar a volta ou pela João Pessoa ou pela General Câmara. E depois tem esses impactos. Então, acho que tem que haver um profundo respeito pelo que acontece na nossa cidade. Porque, se você não preservar cada espaço, cada lugar, você não vai fazer nenhuma obra que tenha como meta o bem-estar da população. Às vezes, a obra pode ser lá no centro da cidade, mas ela traz conexões com outros espaços.
Por exemplo, essas obras do VLT impactaram toda a cidade e elas estão juntas com outras obras. Então, ficou uma confusão e você fica imobilizado. Se você entra pela General Câmara, e é meu trajeto, porque moro no Canal 5, venho pela Avenida Portuária, depois eu entrava. Não, ainda entro na João Pessoa, mas ando só duas quadras, porque depois já não posso seguir para a Câmara, tenho que dar uma grande volta. Me parece que faltou um planejamento mais acurado, mais delicado em relação às obras que seriam feitas. Elas não são feitas todas de uma vez, então por que não determinar espaços? Esses dois quarteirões são agora.
Vamos para outras obras? É bom? Não é bom? Então, como você pesa essas medidas para que a população não sofra com a falta de mobilidade, que é o que está acontecendo agora. Então, eu vejo com muita preocupação a falta de planejamento. A falta de planejamento cabe aos políticos.
Mas você vê que, de repente, essas obras possam fazer com que o centro pulse novamente?
Olha, eu acho que essas obras estão visando a um futuro melhor, principalmente com o VLT, mas do jeito que elas estão sendo implantadas, as pessoas ficam com raiva. Elas não conseguem chegar no trabalho, elas não conseguem sair do trabalho, elas ficam pressionadas e são jogadas pela Avenida Portuária, que fica congestionada. Acho que governar é planejar com visão ao bem-estar da população. Isso que é governar.
Na região central, muitas pessoas moram em cortiços. Você vê que o centro é uma região própria para ter moradias de interesse popular, de interesse social?
Poderá ser, se for delimitado, porque o centro, tradicionalmente, pode até mudar de perfil. A cidade começou por ali, o Outeiro de Santa Catarina fica ali na beira do mar. O Outeiro é um símbolo de como a cidade nasceu.
Nasceu no centro da cidade. Os comerciantes, principalmente os comerciantes portugueses. É essa a vocação que continua na cidade? Pode ser, mas uma coisa não está desligada da outra.
Você não pode fazer qualquer planejamento, que é a palavra mágica, se você não decidir onde essas pessoas vão morar. Santos não tem estoque de terra, é uma ilha. Tem na parte continental, que é toda ela sagrada para a questão ambiental.
Então, é preciso conversar com a Baixada Santista como um todo. Nós temos, por exemplo, o Tancredo Neves, que fica lá em São Vicente. Mas aí as pessoas são desalojadas, as pessoas, geralmente, que têm mais necessidades materiais, elas são desalojadas para espaços mais distantes, onde tem que tomar mais condução, onde tem que pagar mais caro, são várias condições, e por aí vai.
Então, é planejar. É planejar e ver como uma política pública se agrega ou se dissocia de outra, ou como a gente pode fazer o melhor para o bem-estar, sempre para o bem-estar da população.
Você acredita que essa falta de planejamento se deve à falta de uma Secretaria Municipal de Habitação?
Não, não necessariamente. Uma parte, sim. Mas a Secretaria de Habitação, ela sozinha, no conceito que eu tenho de uma secretaria, ela não teria a função deste planejamento global. Essa é uma secretaria de governo ligada ao prefeito ou alguma com essa finalidade.
Como você planeja? A Secretaria de Planejamento em si, se tivéssemos uma assim, teria que ver essas nuances para fazer políticas públicas para o agora, para outras políticas públicas a médio prazo e outras a longo prazo. Santos nos tem para onde crescer. Nós temos que pensar na Baixada Santista como um todo.
E não ter essa diferença entre a qualidade de vida e o perfil das várias cidades. Santos é profundamente diferente de São Vicente, que é diferente de Cubatão, e por aí vai. Então, que tal um olhar para esse conjunto? Mas isso cabe ao governo do Estado, né? E o governo não faz isso. Lamentavelmente, o governador não faz isso.
Queria falar da área da saúde, um tema de saúde, porque eu acompanhei de perto as mudanças e a referência que Santos foi na questão do HIV, na década de 90. Foi um atendimento de excelência, né? Houve uma mudança que virou referência mundial. Como é que você vê a saúde hoje em Santos? Eu sei que você defende muito a necessidade de uma política direcionada para a população trans também.
Com certeza, para todos, mas principalmente para aqueles que têm sido deserdados do poder, que é o caso da população trans. Eles não podem ser invisíveis, não é possível que seja assim. Estamos no século 21, do que se trata?
Eu acho que a saúde vai bem mal em Santos. Faltam vários itens, capilaridade, estrutura, etc, etc, etc. As policlínicas foram copiadas do modelo cubano. Vocês sabem que eu tive a honra e a sorte de ter um secretário de saúde que foi o David Capistrano, um médico sanitarista da maior qualidade. E uma pessoa profundamente humana, que acabou sendo o meu sucessor.
E quando ele me falou das policlínicas, falando que o modelo era cubano, eu falei: “David, não vamos falar que é cubano, porque, em vez de discutir a questão da saúde, nós vamos deslocar essa questão para a questão de Cuba. Lá em Cuba, para quem conhece Cuba, existem os policlínicos. Era o masculino.
E o médico mora no órgão. Eu fui para Cuba e fiquei mais tempo em Havana do que em Santiago de Cuba. E lá eu vi a alegria de um povo, que é um povo de poucos recursos financeiros, mas de muita humanidade, música o dia inteiro, alegria, o que mostra que é um povo saudável mentalmente, que é o que se quer, não é? Então, eu acho que, a partir desta constatação e a partir de ter uma pessoa como o David Capistrano, a gente fez o nosso melhor.
Vamos combinar, a gente foi vanguarda. Eu não falo de mim não. Eu falo de uma equipe e falo do David e todo o staff que acabou vindo com ele, porque era uma pessoa que já tinha renomado reconhecimento.
Então, a gente fez as policlínicas, nós fizemos toda a estrutura a partir delas. O que são as policlínicas? São grandes consultórios clínicos. A gente fez uma para cada 20 mil. Naquela época, Santos tinha mais ou menos 460 mil habitantes, por aí. E a gente fez 23, que se mantém até agora. Parece que a prefeitura agora vai abrir mais uma ou duas, não tenho certeza, no Morro São Bento, alguma coisa assim.
Mas o que quero dizer é que o conceito da policlínica já está pendurando desde que fui prefeita, em 1988. São 36 anos. Quer dizer, tem que ter um conceito muito forte para estar, desde então, implantado.
Agora, você precisa ter estrutura, você precisa ter remédio, você precisa ter equipe. E você precisa ter, principalmente, a compreensão de que com a saúde não se brinca, porque as pessoas vão a óbito. Educação é importante, segurança é importante, mas saúde é saúde. Você acaba morrendo se você não tiver.
Eu acho que eu fiz bem esta tarefa. Claro, com todo o apoio da retaguarda dirigida pelo David Capistrano e todo o seu staff. Espero que as pessoas continuem concordando comigo.
Na área da saúde, há uma tendência dos municípios terceirizarem esses serviços por meio de organizações sociais, como é o caso aqui de Santos, na gestão das unidades de pronto-atendimento, das UPAs e do Hospital dos Estivadores. Como que você vê esse modelo de gestão?
Com muita preocupação. Porque se o poder público, de uma prefeitura, no caso de Santos, falando de uma cidade, não tiver possibilidade do comando, você comanda aqui, mas na grade toda da estrutura de determinada política pública, você não consegue fazer com que ela se realize, porque ela vai sendo diluída, vai sendo transformada e, quando chega na etapa final, ela já não é mais aquilo que se pretendia. Eu acho que as organizações pecam por isso. São caríssimas, tem mais esse detalhe. São caríssimas. E, muitas vezes, elas não dizem a que vieram.
Então, acho que, se mudar o modelo da implantação delas para que elas tenham algum fio condutor, não sejam autônomas, vou usar essa palavra de uma maneira forte, se elas tiverem livre ação, não dá para ser.
Como é que vai servir ao poder público se você privatizou? Não tem coerência. Então, acho que há que ver com muito cuidado, mudar a forma da relação para que elas possam existir com eficácia e para que o município seja atendido.
O que precisa ser feito para mudar os índices da educação? Hoje, muitas crianças de 9 anos não sabem escrever o próprio nome, é uma realidade nacional, infelizmente. Tem alguma coisa ali que não está encaixando direito?
Bom, sempre começa com quem é cabeça de chapa, quem é prefeito, a prefeita, e por aí vai, claro, essa situação nas várias políticas públicas também passa pelo secretário de então, pelo secretário que está à frente. Eu acho que, e tem outro adendo, as crianças vão, muitas, não sei se a maioria, mas muitas, para comer. Vão para a escola para poder ter um lanche reforçado, um almoço mais reforçado, principalmente nas áreas mais carentes.
Agora, educação é alimentação, é qualidade de ensino, mas é sociabilidade. É ali que as crianças aprendem, são ensinadas, retribuem, como é que elas lidam com outras crianças. Então, para mim, seria interessante que as escolas fossem integrais, mas tem que ser integral com qualidade de ensino, porque não adianta deixar o bichinho lá, a criancinha querida, presa por um tempo enorme sem qualidade das ações a seguir.
Eu tenho duas netas mulheres, uma de 10 para 11 anos e a outra faz 7. A mais velha é a Elis, a mais nova é a Tainá. E eu vejo por elas como é necessária a escola, porque a escola transcende a família, ela te dá outras oportunidades de relações e te dá também a oportunidade do aprendizado formal. Português, Geografia, História, Matemática, Aritmética no primário e por aí vai.
Então eu penso que a escola… Não sou professora à toa, se tivesse que… Você sabe, eu sou formada em Direito, eu tenho OAB, mas eu brinco que eu não clínico, eu não tenho a clínica, porque eu sou mesmo professora. E na política a gente acaba sendo, de algum modo, professor de algum jeito, porque a gente dá alguns comandos que podem ser diretrizes. Então eu acho que a educação é a cerejinha do bolo.
E se a gente não cuidar, a gente não vai estar cuidando das futuras gerações da nossa espécie. Eu penso que é isso.
Uma marca das gestões do PT é o cuidado com a área da assistência social. Normalmente a classe política dá um viés maior para a saúde e a educação. Como você vê a parte da assistência social hoje aqui em Santos? Tem um orçamento adequado para o atendimento?
Ele é até grande, viu? Ele aumentou. Mas é aí que está. Se você não tem a visão, se você não tem a estruturação, se você não tem a retaguarda, as palavras são levadas pelo vento. E vamos combinar que em termos mundiais e aqui em Santos não é diferente, a pobreza aumentou bastante. A gente, que é classe média, todos aqui nessa sala e também os técnicos e técnicas que estão aqui, são classe média.
E a gente tem um padrão de vida. A gente pode morar num kitnet de frente ao mar e a gente mora de frente à praia, por exemplo. Mas isso tem que ser acompanhado com uma visão de mundo que traga a solidariedade, que traga o companheirismo, que traga tudo aquilo que não é uma visão umbilical, todo mundo olhando para o seu umbigo.
E nem sempre isso acontece. Muitas vezes os governantes se centram em certas situações que apostam em políticas públicas que exacerbam ou aumentam a potencialidade do egoísmo, da visão unilateral, em detrimento do coletivo. Eu acho que política, não é à toa, polis vem do grego, polis é cidade. Você tem que pensar na cidade, nesse coletivo, nas pessoas como um todo. Por mais diferentes que sejam as necessidades delas, você tem que…
Eu fazia, hipoteticamente, para cada três atividades na Zona Noroeste e nos morros, uma que na Zona Leste, que tinha a melhor situação de sobrevivência. Eu acho que tem que ser um pouco assim. Tem que dar mais para onde precisa mais.
Você é mãe de dois filhos e avó de duas netas. Como a sua família lida com a sua carreira política?
Coitados, eu nem pergunto. Mas acho que os meninos, já são dois homens feitos, entendem bem, porque foram criados com uma mãe política. Não podemos esquecer que minha mãe foi vereadora por uma gestão, meu pai por quatro. Meu pai morreu muito jovem, com 50 anos, minha mãe com 56, e eu recebi a herança.
Prometi que nunca entraria para a política. Mas em 1980, eu conheci o Lula, acabei fundando o PT de Santos, e o PT de Santos, com uma ironia, começou no sítio Conceiçãozinha, em Guarujá, com a presença do Eduardo Suplicy, esse homem polivalente, e aqui estamos. E eu entrei na política para nunca mais sair.