Juiz autoriza operação de "navio-bomba" no Porto de Santos e MP recorre
Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News em 21/02/2024 às 06:00
Não cabe ao Poder Público determinar a forma de execução de negócios particulares, que já cumpriram os requisitos legais estabelecidos pela legislação, “sob pena de caos administrativo, insegurança jurídica e prejuízos inestimáveis tanto ao empreendedor quanto à sociedade, em face dos impactos econômicos e sociais ao empreendimento”.
O juiz André Luís Maciel Carneiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos, adotou esse entendimento ao julgar improcedente ação civil pública na qual o Ministério Público pede a decretação da nulidade dos licenciamentos e autorizações dados a um terminal de regaseificação de GNL (gás natural liquefeito) no porto santista. O MP recorreu.
“O Estado não é o empreendedor, não lhe sendo dado o papel de substituir o agente privado na definição de suas estratégias de negócio, tampouco tomar para si a prerrogativa de decidir sobre o emprego de recursos, destacando que os riscos econômicos do empreendimento não são compartilhados”, destacou o magistrado.
Conforme a sentença, é “incontroverso” que o projeto cumpriu as exigências legais administrativas à sua implantação, de acordo com os termos preconizados pela Resolução Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) 237/1997 e demais normas aplicáveis à espécie, obtendo as autorizações dos órgãos responsáveis.
O empreendimento objeto da demanda contempla um terminal marítimo para o recebimento, estocagem e regaseificação (vaporização) de GNL na região do estuário de Santos e gasoduto marítimo e terrestre destinado ao transporte do gás natural gaseificado ao City Gate, localizado em Cubatão, para a sua distribuição.
Na ação ajuizada contra o Terminal de Regaseificação de GNL de São Paulo (TRSP), o município de Santos e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), o MP pediu tutela de urgência em face do Poder Público municipal pela imediata suspensão da autorização ao empreendimento.
Em relação à Cetesb, o autor requereu a suspensão do licenciamento do terminal e das autorizações de desmatamento e licenças ambientais, bem como abstenção de emissão de novas licenças ou autorizações. Contra o TRSP foi pedida a proibição ao início das obras ou a sua paralisação, caso já iniciadas.
Por meio do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), o MP pediu no mérito a confirmação das tutelas de urgência e a condenação dos réus por danos materiais e morais coletivos. À causa foi dado o valor de R$ 1 bilhão (sendo R$ 350 milhões o custo aproximado da obra e R$ 700 milhões o pedido do dano moral coletivo).
Segundo a inicial, os prejuízos ambientais decorrem das intervenções realizadas, enquanto os danos morais coletivos derivam da perda de qualidade de vida da população vizinha ao empreendimento e da tensão gerada à população da Baixada Santista em geral pelos riscos da plena operação, rotulada pelo MP de “navio-bomba”.
Estudos em xeque
O MP apontou supostas irregularidades nos atos administrativos de aprovação do EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), dentre as quais a falta de estudo adequado das alternativas locacionais de instalação do terminal, que está projetado para funcionar na região do estuário de Santos.
O autor acrescentou que foram ignorados vários riscos ambientais e sociais com os gasodutos passando por ecossistemas vitais para a região. A inicial também alertou sobre o risco de mortes em larga escala na hipótese de eventual acidente ou falha operacional no terminal ou em alguma atividade relacionada, como colisão entre embarcações.
O TRSP alegou, preliminarmente, a impossibilidade de revisão dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. No mérito, defendeu as análises que embasaram a aprovação do EIA/Rima, porque elas contemplaram várias outras alternativas locacionais para instalação do terminal e gasoduto.
Segundo a empresa, a escolha de instalação do terminal nas águas abrigadas do Porto de Santos decorreu da avaliação de diversos critérios. O TRSP informou que os estudos concluíram pela inviabilidade de o empreendido operar em alto-mar, afastado da área urbana, por causa das condições adversas no oceano, como grandes e contínuas ondas.
Em recurso de agravo de instrumento interposto pelo MP, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu os efeitos das licenças prévia e de instalação concedidas pela Cetesb ao empreendimento, com a consequente suspensão do início das obras. No entanto, essa decisão foi cassada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para o ministro Humberto Martins, houve indevida interferência da corte paulista na seara administrativa, ao desconsiderar a presunção de legitimidade do ato administrativo referente à política pública de produção energética mais limpa e sustentável por meio da disponibilização de gás natural pelo empreendimento privado.
Obra continua
A decisão de Martins garante a instalação e operação do projeto até o trânsito em julgado da sentença de mérito da ação principal. Ao julgar improcedente a demanda, o juiz André Carneiro destacou que o laudo do perito nomeado pelo juízo ratificou a regularidade formal e material do empreendimento.
Sobre a suposta inobservância do dever de apresentação de alternativas locacionais citada pelo MP, o magistrado ponderou que isso não procede, cabendo ainda a escolha ao próprio empreendedor, desde que seja acompanhada da fiscalização e constatação de viabilidade técnica pelos órgãos competentes.
“A alternativa eleita pelo empreendedor recebeu a análise técnica exigida por lei e restou aprovada, com destaque à rejeição motivada da solução almejada pelo Ministério Público, na esteira da recomendação de seu setor técnico, o CAEx (Centro de Apoio à Execução)”, observou Carneiro.
A sentença foi prolatada no dia 22 de janeiro. Em 68 laudas, o MP apresentou as suas razões recursais em 1º de fevereiro. De acordo com a promotora Almachia Zwarg Acerbi e o promotor Carlos Cabral Cabrera, as licenças ambientais não são intocáveis e nem se sobrepõem à realidade fática.
Conforme os representantes do MP, no caso dos autos, “descuidou-se dos pilares fundamentais do Direito Ambiental Constitucional – os princípios da prevenção e precaução – e, por consequência, das regras infraconstitucionais que neles buscam seus fundamentos de validade, cuja violação macula o processo de licenciamento”.
Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News