Funcionário de terminal portuário burla sistema para o tráfico internacional

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 29/04/2024 às 06:00

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A causa de diminuição de pena relativa ao tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006) é inaplicável quando as circunstâncias do caso concreto revelarem uma ação própria às desenvolvidas por organizações criminosas. Com essa observação, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal Criminal de Santos, negou a benesse ao condenar um caminhoneiro e um funcionário de um terminal portuário pelo tráfico internacional de 265 quilos de cocaína.

Além de apontar a grande quantidade da droga apreendida, o modo como ele foi ocultada em um contêiner com carga lícita (técnica conhecida como rip on/rip off) e a cooptação de caminhoneiros e de funcionário do centro de controle de terminal portuário, o julgador destacou que o grupo envolvido nessa logística possuía de antemão informações sensíveis de segurança para o comércio exterior e operação portuária (porto de destino da carga, localização do contêiner, posicionamento das câmeras de vigilância etc).

Ainda na fundamentação da sentença que condenou os réus e lhes negou a hipótese de redução da pena prevista na Lei de Drogas, o magistrado concluiu que eles não poderiam, sem contar com o auxílio de terceiros, ingressar com os 265 quilos de cocaína no Brasil e negociar a sua remessa à Europa. Segundo o sentenciante, as provas são mais do que suficientes para formação do convencimento de que os acusados integravam organização criminosa, “devidamente estruturada e de elevada envergadura”.

A droga teria como destino o Porto de Antuérpia, na Bélgica. Porém, antes que fosse embarcada no navio Cap San Males, que estava atracado em um terminal de contêiner na margem esquerda do Porto de Santos, em Guarujá, auditores da Receita Federal a descobriram escondida dentro de um contêiner, vistoriado com o auxílio de escâner. Dividida em tabletes, a cocaína estava no meio de fardos de papel. Na ocasião, ninguém foi preso, mas a Polícia Federal apurou como ocorreu a contaminação do cofre de carga.

Recurso em liberdade

Possuidor de uma condenação por tráfico de droga transitada em julgado, o motorista Alexsandro da Silva foi condenado a 11 anos, quatro meses e três dias de reclusão. A pena aplicada a Cristiano Martins dos Santos Quintas, analista de pátio do terminal, que é primário, foi de nove anos, oito meses e 20 dias. Como ambos responderam à ação penal soltos, eles poderão apelar em liberdade. Um segundo caminhoneiro foi denunciado, mas ele teve a punibilidade extinta porque faleceu de covid-19.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), na noite de 23 de outubro de 2019, em um intervalo de aproximadamente cinco minutos, os caminhoneiros chegaram no terminal dirigindo veículos com um contêiner cada. Após permanecerem por curto período parados próximo à balança, ao invés de serem direcionados ao local onde deveriam entregar os cofres de carga destinados à exportação, os motoristas foram guiados para outra quadra do terminal, onde se encontrava o contêiner a ser contaminado.

O planejamento de entrega dos cofres de carga é realizado de forma automática. Porém, o funcionário do terminal efetuou uma alteração no sistema informatizado para que fosse indicado um novo lugar. Conforme a denúncia, a cocaína estava na cabine do caminhão dirigido por Alexsandro, de onde também saíram alguns homens não identificados para introduzir a droga no contêiner destinado à Bélgica. Enquanto era realizada essa operação, os motoristas tentaram encobrir campo de visão de câmeras de segurança.

Sob o pretexto de verificar eventual falha mecânica, Alexsandro abriu o capô do veículo e a porta do lado do passageiro para reduzir o alcance das câmeras, enquanto o motorista falecido, com o mesmo propósito, estacionou na frente do caminhão do colega. Consumada a colocação da cocaína no contêiner, o operador de pátio usou indevidamente a senha de outro funcionário do terminal para que um guindaste içasse o cofre de carga para outro lugar, a fim de dificultar a fiscalização e desviar de si a autoria.

Os denunciados negaram o crime e pleitearam a absolvição por insuficiência de prova. Porém, caso não fosse esse o entendimento do juízo, requereram a aplicação da minorante do tráfico privilegiado. Roberto Lemos rejeitou tais pedidos, reconhecendo que “as gravações das imagens da ação criminosa perpetrada pelos acusados constituem prova forte o suficiente para impor, por si só, a atribuição da autoria de forma inquestionável aos réus”.

O julgador destacou na sentença que o setor de segurança da empresa, com base nas imagens das suas câmeras, estabeleceu a cronologia da movimentação dos caminhoneiros dentro do terminal. Além disso, a empresa elaborou relatório que “evidencia” que o seu funcionário realizou alterações no sistema automático para redirecionar os motoristas no pátio e depois utilizou de forma indevida a senha do colega para realocar o contêiner contaminado com o entorpecente.

O magistrado concluiu que, “para além do campo do infortúnio das meras coincidências”, ficou comprovado que os destinos dos dois caminhões foram alterados manualmente pelo operador de pátio para o exato local onde se encontrava contêiner no qual foi introduzida a cocaína. Também não restaram dúvidas de que os motoristas posicionaram os veículos para a dificultar o monitoramento das câmeras de vigilância. Com 15 anos de empresa, o funcionário réu foi demitido por justa causa.

* Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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