26/07/2021

Prefeito é condenado por ‘chover dinheiro’ e decretar ‘feriado da ressaca’

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 26/07/2021 às 10:20

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“Para a configuração dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública é dispensável a comprovação de efetivo prejuízo aos cofres públicos”.  Com esta observação, a desembargadora Regina Helena Ramos Reis, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), confirmou a condenação de prefeito por realizar “chuva de dinheiro” e decretar o “feriado da ressaca” em festa religiosa.

Ao contrário da ficcional Sucupira do prefeito Odorico Paraguaçu, que foi imortalizada na obra O Bem-Amado, do célebre soteropolitano Dias Gomes (1922-1999), a história levada ao TJ-BA é bem real. O seu primeiro capítulo começou a ser escrito em inquérito civil. Ele deu base a ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público (MP) e distribuída à 1ª Vara da Fazenda Pública de Jacobina.

Personagem de carne, osso e alma, José Muniz Barbosa, o Branco, foi denunciado sob a acusação de, na condição de prefeito de Umburanas, jogar várias cédulas de R$ 10,00 durante evento em comemoração a Nossa Senhora da Assunção, padroeira da cidade. Para o MP, o réu se valeu do cargo para realizar, com verba pública, “promoção pessoal” violando o princípio da impessoalidade, bem como o da moralidade pela falta de decoro.

O episódio aconteceu no dia 12 de agosto de 2007. Presidente da Câmara Municipal de Umburanas, cidade a 450 quilômetros de Salvador e com cerca de 20 mil habitantes, Branco exercia o cargo de prefeito devido aos afastamentos do titular eleito para comandar o Executivo e do seu vice. Segundo a denúncia do MP, durante um show de forró, o acusado subiu no palco e arremessou as notas ao público.

José Muniz Barbosa, o Branco, praticou “ato altamente reprovável”, conforme destacou a desembargadora Regina Helena Ramos Reis

Acompanhado da sua esposa, a primeira-dama em exercício, Branco também realizou a distribuição de CDs de duas bandas que se exibiam, determinou que os donos das barracas do festejo religioso distribuíssem cerveja ao povo e decretou feriado no dia seguinte, para que a população pudesse aproveitar ao máximo o evento custeado com o dinheiro público e pudesse depois se recompor do cansaço.

“A conduta do réu ao aparecer em evento público, financiado pelo erário, e distribuir cerveja, CDs e dinheiro, para fins de autopromoção, implica, a toda evidência, improbidade administrativa tipificada pela violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade, e ensejando, consequentemente, a aplicação das sanções”, concluiu a desembargadora Regina Helena, da 2ª Câmara Cível do TJ-BA.

Relatora do recurso de Branco, ela teve seu voto acompanhado por unanimidade pelos colegas de câmara para não dar provimento à apelação do político e manter na íntegra a sentença que o condenou. Publicado no último dia 7 de julho, o acórdão destaca que o réu não produziu qualquer prova, mesmo testemunhal, para afastar a “vasta prova” produzida pelo MP. “Não restam dúvidas quanto à materialização dos fatos imputados”.

O apelante alegou inexistir comprovação de dolo ou de imoralidade. Porém, o colegiado frisou que a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) não exige dolo específico de lesar princípio da administração ou má-fé, bastando a atuação deliberada em desrespeito a princípio ou regra, cujo desconhecimento é inescusável. Quando à pena aplicada, 2ª Câmara Cível a considerou condizente com a “gravíssima” conduta do réu.

“Administrador honrado”

Mídia contendo gravação do evento foi degravada pelo MP e reforçou o depoimento de testemunhas. Na transcrição consta que o prefeito em exercício, ao microfone, anunciou ao público: “Outra coisa que eu vou dizer a vocês, eu decretei feriado de hoje, da segunda-feira, pra vocês ficar a vontade, pra vocês dormir, pra vocês se alimentar bem e se reforçar pro dia da terça-feira (sic)”.

O locutor da festa fortaleceu o discurso: “É o prefeito que faz a diferença. É o prefeito do povo. É o prefeito Branco”. Despido de humildade, o chefe do Executivo em exercício acrescentou: “Agora quero que vocês reconheçam que eu sou um administrador honrado. Eu quero que vocês agradeçam isso a Umburanas no geral em peso. A Umburanas tem um prefeito digno, um prefeito honesto (sic)”.

Por fim, Branco disse ser “um prefeito que pega os recursos de vocês e investe dentro do município e eu tô provando e se vocês não tiverem conhecimento ou não se liga nisso, procurem conhecer (sic)”. O recado só não convenceu o MP, o juiz Maurício Alvares Barra, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Jacobina, e os desembargares que apreciaram a sua apelação.

Odorico Paraguaçu, prefeito da ficcional Sucupira, de ‘O Bem-Amado’

Barra frisou na sentença que a conduta atribuída a Branco, “devidamente comprovada, é absurda e demonstra categoricamente o despreparo, falta de decoro, violação ao princípio da impessoalidade e moralidade, agindo o requerido com completa irresponsabilidade, evidentemente se valendo da posição que ocupava”. Conforme o juiz, o réu fez uso de “prática arcaica de apossamento da coisa pública”.

A decisão também não poupa críticas ao fato de Branco se vangloriar com a decretação de feriado municipal, que poderia ser denominado “feriado da ressaca”. De acordo com o magistrado, “é completamente descabido parar a máquina pública, todo o serviço público municipal, para fins de recuperação de farra, deixando os servidores de prestarem serviço, percebendo remuneração, para tal finalidade”.

O juiz condenou o prefeito em exercício com base no Artigo 11 da Lei 8.429/92, impondo-lhe as seguintes sanções: suspensão dos direitos políticos por cinco anos; multa civil de 100 vezes o valor da remuneração percebida à época, devidamente corrigida; proibição de contratar com a Administração Pública ou receber benefícios, ainda que por terceira pessoa, pelo prazo de três anos.

Conforme este artigo, “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. O juiz justificou a aplicação das penas no patamar máximo devido à “gravidade” das condutas do réu ao “transformar o evento público em showmício de campanha para autopromoção”.

A sentença é de 24 de abril de 2019. As penas ainda não foram aplicadas devido ao recurso ao TJ-BA. Nas eleições de 2020, Branco se candidatou a vereador de Umburanas pelo Democratas e se elegeu com 413 votos. O Vade News não conseguiu falar com a defesa do político e com a Câmara. “Este telefone está impossibilitado de receber este tipo de chamada neste momento”, diz gravação no número da casa de leis.

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