Júri afasta tentativa de homicídio a facadas contra motorista dentro de ônibus
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 23/01/2025 às 20:00
Sem o elemento subjetivo do tipo, caracterizado pela intenção do agente, não há o crime inicialmente cogitado, sem prejuízo de existir um delito mais brando na chamada desclassificação. Isso ocorreu no júri popular de um homem que atacou a golpes de faca um motorista de ônibus no coletivo. Os jurados acolheram a tese da defesa de que o réu não quis matar a vítima e o juiz presidente da sessão o condenou por lesão corporal leve.
Durante os debates, que tiveram réplica e tréplica, o promotor Lucas de Mello Schaefer postulou a condenação do acusado pelo crime de tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil, o que resultaria, na hipótese de condenação, em uma pena de quatro a até 20 anos de reclusão. A defesa, por sua vez, pediu a absolvição por legítima defesa ou, de modo subsidiário, a desclassificação do delito para o de lesão corporal.
Nos dois primeiros quesitos, o conselho de sentença reconheceu a materialidade e a autoria do crime. Em seguida, os jurados votaram contra a absolvição por legítima defesa e, quando indagados se o réu tentou matar a vítima, responderam “não”. A partir daí, operou-se a desclassificação e a competência constitucional dos julgadores leigos em apreciar a causa se esgotou, porque ela se restringe aos crimes intencionais contra a vida.
“Restou negado pelos jurados a existência de um crime doloso contra vida, e, portanto, não sendo o crime de competência de julgamento do conselho de sentença, encerrou-se a votação e passou-se à feitura da sentença pelo juiz presidente, nos termos do artigo 492, parágrafo 1º do Código de Processo Penal (CPP)”, anotou o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, da 1ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Foto: Reprodução
Com base no laudo de exame de corpo de delito, que concluiu pela ocorrência de lesões corporais de natureza leve, Souza condenou o réu pelo delito descrito no artigo 129, caput, do Código Penal. O magistrado fixou a pena em três meses de detenção a ser cumprida em regime aberto, razão pela qual expediu alvará de soltura. O acusado havia sido autuado em flagrante e já estava preso preventivamente há mais de um ano.
Segundo o laudo, o motorista do coletivo foi golpeado uma vez na região torácica, uma no braço esquerdo e duas na região do quadril esquerdo. Exame radiográfico no peito não exibiu alterações decorrentes da facada. Após receber pontos nos ferimentos e permanecer em observação por algumas horas, a vítima recebeu alta hospitalar, não sofrendo perigo de vida ou incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias.
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Entenda o caso
O episódio aconteceu na tarde do dia 12 de janeiro de 2024, na Mooca, Zona Leste de São Paulo, em um ônibus da Linha 513L – Terminal Sacomã/Parque Belém. Consta da denúncia do Ministério Público (MP) que o réu tentou embarcar no coletivo, fora do ponto, quando ele estava parado em um semáforo. O motorista não abriu a porta do veículo e seguiu viagem.
Ainda conforme o MP, o acusado se posicionou em um ponto na Rua da Mooca para embarcar no mesmo ônibus, cerca de uma hora depois, quando ele fazia o percurso contrário. Logo após ingressar no coletivo, o réu sacou uma faca e atacou a vítima, que estava sentada ao volante. Ela reagiu e conseguiu desarmá-lo com a ajuda do cobrador. Posteriormente, policiais militares conduziram o passageiro ao 56º DP (Vila Alpina).
Em seu interrogatório policial, o réu alegou que se sentiu desrespeitado porque o motorista lhe “mostrou o dedo do meio” ao se recusar a abrir a porta do veículo no semáforo. Na instrução processual, se manteve calado. No júri, disse que foi coincidência ter embarcado no mesmo ônibus dirigido pela vítima e a acusou de agredi-lo ao ser questionada sobre o gesto obsceno, motivando a reação para se defender.
Para o MP, o acusado agiu “imbuído de ânimo homicida, com emprego de recurso que dificultou a defesa do ofendido e por motivo fútil”. As duas qualificadoras foram mantidas na decisão que determinou a submissão do caso ao júri popular, realizado na última segunda-feira (21). Porém, em plenário, o promotor Schaefer pediu o afastamento da qualificadora de natureza objetiva (recurso que dificultou a defesa).
“Este caso nos fez refletir desde o início e enxergar como o cidadão, muitas vezes invisível e marginalizado por sua aparência simples, pode ser tratado com indiferença pela sociedade. Mas na busca pela justiça, tivemos a chance de resgatar a sua dignidade e garantir que a sua voz fosse ouvida de forma justa e humana”, afirmaram as advogadas Miriam Godoi Marques Antunes e Aline Malta Maia Araújo.
O advogado Mário Badures destacou que a prova pericial atestou lesões apenas no lado esquerdo da vítima. “Isso derrubou a versão do ofendido de que foi golpeado sentado no banco do motorista, bem como a tese acusatória de que houve animus necandi (intenção de matar)”. A advogada Cinthia Souza acrescentou que o tribunal do júri é “palco da democracia”, onde a defesa pode esclarecer com plenitude a dinâmica dos fatos.
* Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News