15/12/2024

Homem negro acusa PMs de racismo ao ser agredido e preso em Santos: "É o sistema"

Por Santa Portal em 15/12/2024 às 06:00

Reprodução/Arquivo Pessoal
Reprodução/Arquivo Pessoal

Um homem negro, de 34 anos, teria sido violentamente agredido por policiais militares na madrugada da última segunda-feira (9), em frente a uma farmácia, em Santos.

O administrador Ueslei Abreu da Neves passeava com os seus gatos, por volta das 2h da última segunda, quando foi abordado pelos PMs em frente à Droga Raia, localizada no bairro Gonzaga.

A vítima havia levado os dois gatos de estimação para passear livremente, pois no dia seguinte pretendia fazer uma viagem. No entanto, minutos depois de chegar ao local, dois policiais chegaram em uma viatura e o abordaram. O alarme da farmácia teria disparado momentos antes da chegada dos agentes.

“Tenho dois gatos, um macho e uma fêmea, costumo sair de madrugada com eles para passear. Os gatos são muito agitados, então como de dia ou mais cedo à noite tem muita gente e muitos carros, o passeio tem que ser de madrugada, sem ninguém na rua. Só eu e eles. A meta era passear uns 40 minutos com eles e voltar para casa. De repente, parou um carro da polícia e eles saíram com a arma em punho, mandaram eu parar. Não sei porque me mandaram parar, já que eu estava sentado. Começaram a me xingar, como se eu fosse um bandido. Eu lembro de tentar perguntar alguma coisa para eles, mas já tomei logo um tapão na cara, sem conseguir falar nada. Não perguntarem meu nome, profissão, onde eu morava, nem nada. Foi ridícula a abordagem”, disse Ueslei, em entrevista ao Santa Portal.

Derrubado no chão e algemado à força, o homem foi atirado no porta-malas da viatura da PM e levado à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Central, na Vila Mathias, onde foi atendido sob escolta dos policiais.

“Foi só o tempo de pegar os gatos e colocá-los na bolsa de transporte deles que começaram novamente as agressões. Tomei um soco na cara muito forte. Fui jogado no chão com a bolsa e os gatos caíram comigo. Ele deitou em cima de mim, me algemou e começou a puxar para um lado, para o outro. Já estava algemado, para que essa truculência toda? É para mostrar serviço, mostrar que é ‘macho’, não sei o que é. Aliás sei: é racismo puro. A gente sabe como é o sistema”, afirmou.

Na unidade de saúde, Ueslei também teria recebido tratamento hostil por parte de um médico plantonista naquela madrugada.

“Encontrei um médico que não me atendeu, não me examinou. Não consegui denunciar, reclamar dele na ouvidoria do SUS ainda. Ele não me analisou, não me examinou. Falei que estava cuspindo sangue, que ele olhasse o meu rosto pelo menos, pois estava sentindo um inchaço no rosto. Perguntei se ele iria me analisar e ele disse que não, balançou a cabeça negativamente. Depois fui puxado para fora do consultório pelos policiais”, contou o administrador, que ainda seria vítima de novas agressões.

“Fui jogado para dentro da viatura novamente. Tomei um soco forte de outro policial, bati com a cabeça na viatura. Depois fui jogado de novo para dentro do carro e levado para o 7º DP. Fui puxado para fora do carro pelo braço com muita truculência, eu fui arrastado. Os policiais da Civil estavam vendo a violência e ninguém percebeu que não precisava usar essa força toda, ainda por cima eu estava passeando com os meus gatos. Fui empurrado para dentro da delegacia e começou a sessão de tortura psicológica. Falaram que eu era bandido, que eu ia para a cadeia. Eu estava tentando ligar para a minha chefe, quando um policial deu um soco na minha mão com força e quebrou meu celular. Me algemaram lá atrás e fiquei até 6h lá. A algema estava super apertada, deixou uma marca muito forte de corte”, desabafou.


Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Após a série de agressões, Ueslei decidiu procurar uma advogada. Ele também fez exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) na mesma segunda-feira em que tudo ocorreu, para comprovar a gravidade das lesões sofridas.

No entanto, além das marcas físicas, o administrador está abalado emocionalmente e afirma ter sido alvo de racismo por parte dos policiais.

“Foi tanta porrada que cheguei em casa na segunda-feira estava tonto, não sabia o que fazer. Me sinto vítima de racismo. Foi racismo mesmo. Tinham duas pessoas brancas passando ali na calçada, no mesmo horário, e não vi a polícia abordá-los, só eu mesmo. Colocaram no Boletim que acionou o alarme da loja. Pode ter sido, mas era só falar para eu sair, tinha que ir para cima? Não sei se eles pensaram que eu jogaria o gato para quebrar o vidro da drogaria e roubar as coisas lá dentro. Sou morador do Gonzaga, eu moro aqui do lado. Eu tenho condições de morar aqui, sou administrador concursado, fiz concurso público. Eu pago Imposto de Renda abusivo de alto para andar na rua e tomar porrada. Eles nem perguntaram o meu nome. Em nenhum momento foram perguntar o meu nome. Só foram perguntar o meu nome às 6h. Uma situação ridícula. Fiquei sem conseguir mexer o braço por causa da dor. Só consigo pensar em racismo mesmo”, concluiu.


Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

A advogada criminalista Anna Fernandes Marques, que representa Ueslei, está acompanhando o caso e busca esclarecimentos sobre a postura dos policiais que abordaram o seu cliente.

“A defesa procura as imagens das câmeras de monitoramento junto a farmácia, Prefeitura, comércios ao redor e UPA da Zona Leste para comprovar as alegações de Ueslei. Irá representar os policiais pelas lesões corporais e defendê-lo no processo de desacato, provando a sua inocência e demonstrando a violência policial por ele sofrida. Espera a apuração e punição dos policias, e deseja o afastamento dos mesmos das ruas, por total despreparo em lidar com a população”, diz a advogada por meio de nota.

O que diz a SSP

O Santa Portal entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo. O órgão informou que o caso foi registrado como desacato e lesão corporal durante intervenção policial e está sendo investigado pelo 7º Distrito Policial de Santos.

De acordo com a SSP, a “ocorrência teve início na madrugada de segunda-feira (9), na Avenida Marechal Floriano Peixoto, em Santos, quando policiais militares foram acionados devido ao disparo de um alarme. No local, um homem de 34 anos foi encontrado próximo à porta de ferro de um estabelecimento. Durante a abordagem, ele teria ofendido um dos policiais, que precisou contê-lo. Ambos receberam atendimento médico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central e, depois, foram encaminhados à delegacia”, acrescenta a nota da pasta.

Por fim, a SSP destaca que a Polícia Militar também apura o caso por meio de um inquérito da corporação.

O que diz a Prefeitura

A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Santos para obter um posicionamento sobre a conduta do médico plantonista relatada por Ueslei.

“A Prefeitura de Santos esclarece que todas as unidades geridas por organizações sociais passam por avaliação periódica em relação ao cumprimento de metas quantitativas e qualitativas e que o caso mencionado será apurado pela Secretaria de Saúde junto à InSaúde. No entanto, esclarece que o canal oficial para a apuração de denúncias é a Ouvidoria Municipal, pelo telefone 162 ou site www.santos.sp.gov.br/ouvidoria. Até o momento, a secretaria não foi informada de oficialização de denúncia via Ouvidoria”, diz a nota enviada pela Administração Municipal.

O que diz a InSaúde

Procurada pelo Santa Portal, a InSaúde, organização social responsável pela gestão da UPA Central, reforçou seu compromisso por um “atendimento humanizado e técnico”.

“O paciente foi acolhido pela equipe de enfermagem por volta das 02h50, apresentando
hematomas e escoriações em face, segundo ele, provenientes de uma briga. Após ser classificado e
encaminhado ao atendimento médico, foi realizado um exame físico que não constatou nenhuma
gravidade, apenas lesões superficiais. Dessa forma, o paciente foi liberado com medicações sintomáticas
para uso domiciliar”, descreve.

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