19/02/2025

Como a PM-SP treina seus cães para encontrar o impossível

Por Rafaela Polo/Folhapress em 19/02/2025 às 17:24

Reprodução/Freepik
Reprodução/Freepik

“O que os olhos não veem, os cachorros sentem”. O Departamento de Cães do 5º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo é responsável pelo treinamento dos K9, cachorros da raça pastor belga malinois que ajudam em operações a localizar drogas, explosivos e pessoas desaparecidas.

Cabo Modesto, policial militar, explica o procedimento: “Existem três formas de aquisição dos cães pela polícia: compra, doação ou criação própria. Quando fazemos os cruzamentos aqui, a seleção começa em uma análise entre os cachorros que temos, baseado em suas habilidades”.

A equipe de veterinários auxilia na escolha de quais cães vão cruzar, fazendo também uma análise genética para entender quais duplas têm mais potencial de gerar um policial canino com alto nível de atuação. Tudo é muito planejado.

Treinamento começa na maternidade

Os treinamentos são divididos em quatro fases e os estímulos aos animais começam antes mesmo que eles abram os olhos, com três dias de vida.

“Fazemos estimulações neurológicas precoces nos filhotes. São estímulos táteis, com algumas movimentações, como segurá-lo fora do colo da mãe por alguns segundos, movimentos mais bruscos, passar uma haste flexível no meio das patas, tirá-lo do quente da ninhada e colocá-lo em contato com um pano congelado”, explica o policial.

O 1º tenente Thiago Pires está trabalhando com um cachorro pela primeira vez. Seu binômio (nome dado a dupla de policial com cão) é a Olly, de apenas quatro meses. Ele treina com ela todos os dias, pela manhã e à tarde.

Quando chega ao canil, é notória a animação de Olly ao vê-lo. Ainda filhote, ela está aprendendo tarefas básicas, como farejar para encontrar o brinquedo e andar de guia. Usar coleira, inclusive, é um desafio: ela gosta mais de mastigá-la do que ser conduzida por ela.

Além dos petiscos, os cães ouvem um clique como reforço positivo quando acertam alguma atividade. “Você não pode perder o tempo. É muito rápido. Se demorar muito para apertar o clique pode acabar reforçando o próximo comportamento, com risco de ser o errado”, explica o tenente.

Avaliação dos cães

Os cachorros não fazem provas, mas são avaliados ao final das três últimas fases de treinamento, para os policiais saberem se eles têm condições de atuar no campo. Na primeira etapa, quando são filhotes, eles treinam proteção e obediência. Nessa não há reprovações.

“É com essa observação do animal que percebemos quais as suas características mais fortes para determinar qual função exercerá. Existem quatro e o cão não faz mais que uma: busca em mata, explosivos, entorpecente e intervenção tática”, disse cabo Modesto.

E o que acontece com o cão que não nasceu para ser policial? Eles são doados para a sociedade civil. O canil tem cadastros e uma fila de espera de pessoas que se disponibilizam a receber os animais.

Até os nove meses ainda é muito cedo para dizer se um cachorro conseguirá ser um K9. No segundo ciclo, os cães podem ser reprovados por mau comportamento. No terceiro e no quarto ciclos, nas avaliações técnicas por falharem na função.

O trabalho prático, e em campo, só acontece a partir da segunda fase, quando o cachorro já tem as vacinas e pode ser exposto à rua. Começam com voltas no quarteirão até serem capazes de frequentar locais de trabalho, como as rodoviárias.

Quando filhote, os cães treinam todos os dias. Mais velhos, no mesmo ciclo de trabalho de seus binômios: um dia sim e outro não. Em operações em campo, eles podem trabalhar por seis horas seguidas e depois descansam.

Faro poderoso

Se nós dependemos dos olhos, os cães dependem do olfato. Aqueles treinados para detectar drogas, por exemplo, associam o cheiro do entorpecente aos seus brinquedos, por isso buscam com tanta animação cargas ilícitas.

Modesto menciona que há um sistema de treinamento aos animais: “Nós os ensinamos pelo sistema de associação. Todo o tempo eles estão procurando os brinquedos de borracha que usamos nos treinamentos. Colocamos o aroma das drogas no brinquedo. E é isso que ele localiza. O animal nunca usou drogas, ele sabe apenas o cheiro do material”.

Segundo o policial, eles são “viciados” em caçar, é instintivo da raça. O que querem é o brinquedo para ganhar o reforço positivo de sua dupla.

O 2º sargento PM Torres trabalha com Gladios há pouco mais de três anos. Como é um cão adulto, ele está pronto para ajudar em operações de localização de drogas e treina em dias alternados com seu binômio.

Eles aprendem a identificar o cheiro na terceira fase dos treinamentos – e de forma muito rápida. “Com a primeira fragrância demora um pouco mais, são necessárias pelo menos 30 ou 40 indicações positivas. Dessa forma, sabemos que já está bem segmentado na cabeça do cão. Em dois ou três meses já é capaz de identificar tudo”, explica Modesto.

Quando ele localiza aquilo que foi indicado, senta ou deita, para que seu condutor saiba o que encontrou. O rabo sempre balançando, deixando claro que para ele tudo não passa de uma brincadeira. Mas cachorro tem margem de erro? A PM diz que não.

“Sua mochila pode estar dentro de um ônibus encostada em uma mala com drogas. Só isso é o suficiente para contaminá-la. Por isso temos um binômio, porque precisamos também da visão do policial, que vai analisar. Mas o cachorro pode sentir cheiro de pequenos filetes de droga, algo que nossos olhos não veem”, explica Cabo.

Daí a parceria de sucesso humano – cão.

Carreira e aposentadoria

Um cachorro pode levar de 18 a 24 meses para ficar pronto para trabalhar. “Quando começa, é como se ele fosse um estagiário que está aprendendo. Para receber, digamos, um diploma de faculdade, pode levar dois anos. Se for um cão de proteção, essa formação pode levar mais tempo. Depende do animal e do seu tipo de amadurecimento”, destaca o policial militar Modesto.

Os animais podem trabalhar até os 10 anos antes de se aposentarem, mas para garantir a saúde e bem-estar deles, os cães passam por avaliações veterinária todos os dias, com pesagem, no canil. Há uma equipe veterinária à disposição 24 horas por dia.

“As avaliações sobre as condições de trabalho começam a partir dos seis anos do animal”, menciona o tenente Torres.

E, não, eles não são descartados. Cães tão bem treinados, e extremamente sociáveis, podem ter dois caminhos após o trabalho na PM: viver com o seu condutor, o que é recorrente, ou ser doado para algum civil que se candidatou para recebê-lo.

O que a gente sabe é que, depois de tanto trabalho duro, eles merecem apenas petisco, ossinho, água fresca e muito carinho.

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