Pelé fez milagre também na Terra Santa e adiou guerra civil libanesa?

Por DIOGO BERCITO/Folhapress em 30/12/2022 às 16:35

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Pelé fez um milagre na Terra Santa e adiou a guerra civil libanesa? Esse é um episódio pouco conhecido -e não confirmado- da biografia do tricampeão mundial, morto nesta quinta-feira (29).


Conta o historiador brasileiro Murilo Meihy que a guerra era iminente no Líbano. O país estava dividido quanto à presença de grupos palestinos, expulsos por Israel. A sociedade libanesa se rachava em facções armadas, ligadas a diferentes comunidades religiosas.


O conflito poderia começar a qualquer instante. O tal instante, porém, foi adiado em abril de 1975, quando Pelé jogou uma partida amistosa no time libanês Nejmeh, conta Meihy. A notícia, o historiador escreve em “Os Libaneses” (ed. Contexto), “serviu como trégua aos grupos armados que disputavam o poder”.


Em uma reportagem veiculada anos depois, a TV Globo sugere que o brasileiro foi tido como um profeta da paz no país dos cedros. “Judeus, cristãos e muçulmanos esqueceram as diferenças para aplaudir e comemorar a entrada de Pelé em campo com a camisa da estrela vermelha de Beirute”, segundo o canal. “Seguidores de Maomé e de Jesus juntos em um só coro gritavam para Pelé: Deus da bola.”


Não há muitos registros do jogo nem testemunhos de grupos armados que corroborem a ideia de que o conflito foi adiado para ver o rei jogar. Há suspeitas sobre esse tipo de história. Especialistas contestam, aliás, outro dos tantos milagres do brasileiro -que ele tenha interrompido uma guerra na Nigéria em 1969.


No caso libanês, o suposto milagre nem foi muito duradouro. Poucos dias depois do amistoso do Nejmeh, homens armados ligados ao grupo Falange dispararam em um ônibus que transportava refugiados palestinos em um subúrbio de Beirute, deixando ao menos 27 mortos. Foi o estopim da guerra civil, travada de 1975 a 1990, com saldo estimado de 150 mil mortos. Remonta a esse período uma importante leva de imigração libanesa ao Brasil, em especial de muçulmanos rumo à fronteira com a Argentina.

Quanto à veracidade -ou mesmo à popularidade- do milagre de Pelé na Terra Santa, é notável o fato de que o importante jornal libanês L’Orient-Le Jour não o tenha mencionado ao descrever a visita do jogador a Beirute em 1975.

Em texto publicado em novembro e atualizado após a morte de Pelé, o periódico diz que a passagem do brasileiro era parte de uma turnê internacional mais ampla. O New York Cosmos, onde Pelé jogava naquele momento, estava levando seus jogadores para o exterior, promovendo assim o time.


Pelé jogou contra um time de futebolistas de universidades de língua francesa no Líbano. Segundo relatos da imprensa veiculados à época, 35 mil pessoas assistiram à partida. O L’Orient-Le Jour conta que Pelé começou jogando como goleiro. Esteve em campo durante os primeiros 45 minutos, sem fazer nenhum gol. Depois que deixou o campo, o Nejmeh marcou duas vezes: com Youssef Ghoul e Ahmed Chatila.


Ainda segundo o jornal, a visita de Pelé durou cerca de uma semana, durante a qual ele também treinou jogadores locais no campo da prestigiosa Universidade Americana de Beirute.


Introduzido no século 19 por estrangeiros e pela elite local, o futebol se tornou rapidamente um dos esportes mais queridos dos libaneses. O Nejmeh, time com o qual Pelé jogou, data de 1945.


A seleção libanesa nunca participou de uma Copa, mas o país torce mesmo assim de maneira intensa durante a competição mundial. As bandeiras brasileiras espalhadas por Beirute -e pela estrada que une a cidade a Damasco, na vizinha Síria– são um indício claro de qual é o time favorito dos libaneses, hoje.

Pode até ser que o amistoso que Pelé jogou em 1975 tenha dissuadido o início da guerra, que os grupos armados começaram de toda maneira dias depois. É um dos mitos que, mesmo se desmentidos, vão continuar a circular. Fazem parte da biografia do rei cuja morte foi sentida também no Líbano.

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