Rússia e Ucrânia se atacam após aceitar cessar-fogo parcial
Por Igor Gielow/Folhapress em 19/03/2025 às 09:11

Horas após Vladimir Putin e Volodimir Zelenski concordarem com um cessar-fogo parcial de 30 dias na Guerra da Ucrânia que envolvesse apenas a pausa nos ataques à infraestrutura energética, ambos os lados se atacaram.
Os primeiros relatos foram de ações russas, com explosões relatadas em Kiev enquanto o presidente ucraniano falava em rede social a partir da Finlândia que os termos concordados por Putin em telefonema com o americano Donald Trump eram aceitáveis, na noite de terça (18).
Madrugada de quarta-feira (19)
Ao longo da noite e madrugada de quarta (19), contudo, a linha foi borrada. Houve uma grande troca de ataques com drones. Kiev disse ter destruído 72 de 145 lançados pelos russos, enquanto Moscou relatou apenas ter abatido 57 aviões-robôs, 35 deles sobre a região meridional de Kursk.
São números compatíveis com as médias recentes e embutem uma sinalização: não houve emprego de mísseis de cruzeiro ou balísticos, mais mortíferos. Foram atingidos, de todo modo, alvos que deveriam ser poupados a depreender do que foi divulgado na terça: uma estação de distribuição de energia para a rede ferroviária e um hospital de Sumi (nordeste ucraniano), um depósito de petróleo de Krasnodar (sul russo).
Como seria previsível ante sua posição escanteada nas conversas e a degradação avançada de sua rede enegética, Kiev gritou mais alto. Zelenski afirmou nesta quarta que os ataques provavam que os russos seguem na ofensiva.
Ao mesmo tempo, ao lado presidente finlandês, Alexander Stubb, afirmou “esperar que eventualmente haja um cessar-fogo”. O ucraniano deverá falar nesta quarta com Trump.
Aliados europeus de Kiev também saíram em defesa dos ucranianos. “Putin está jogando um jogo aqui e eu tenho certeza de que o presidente americano não poderá ficar sentado observando isso por muito mais tempo”, disse o ministro alemão Boris Pistorius (Defesa), à TV ZDF.
“Falta de comprometimento à trégua”
O Kremlin foi na mesma linha. Nesta quarta, o porta-voz Dmitri Peskov afirmou que a Ucrânia não está comprometida com a trégua. Ele chegou a dizer que os militares russos até abortaram um ataque, derrubando sete de seus próprios drones, após a conversa entre os líderes.
Se isso ocorreu, não mudou a figura da noite. Peskov também descreveu a relação entre seu chefe e Trump como “de confiança”. “Eles se compreendem”, afirmou o porta-voz, que voltou a falar no potencial de negócios entre russos e americanos com o relaxamento das relações entre os rivais.
O problema para o ucraniano e seus apoiadores é que Trump não só pode, como está trabalhando no ritmo imposto por Putin. A questão central acerca do cessar-fogo parcial é que nenhuma regra de fato foi colocada na mesa de forma clara.
Fiel ao seu estilo de querer cantar vitória sempre, o presidente americano cometeu a temeridade de dizer que o arranjo já estava valendo em uma postagem após a conversa com Putin. Faltou combinar com russos e ucranianos como isso se daria, aparentemente, e a continuidade previsível dos ataques deu munição retórica gratuita para ambos os lados.
Trump não conseguiu de Putin o que havia conseguido de Zelenski uma semana antes: um cessar-fogo de 30 dias total, sem nenhuma ação militar após mais de três anos da invasão russa.
O russo já havia dito que isso não aconteceria sem que seus termos para a paz fossem colocados à mesa: muito em resumo, cessão territorial dos 20% que domina do vizinho, neutralidade e desmilitarização de Kiev.
Na visão do americano, aceita por Kiev após uma brutal campanha de bullying político por parte de Trump que incluiu a humilhação pública de Zelenski na Casa Branca, é possível negociar tudo isso com um cessar-fogo em efeito.
O Kremlin discorda, naquilo que é visto por críticos como uma forma de prolongar o conflito em um momento militarmente favorável a Moscou no caso mais extremo, ou como uma forma de tentar extrair o máximo de concessões, na interpretação mais branda.
Mesmo Kiev se mexe nesse sentido. Após ver uma tentativa de invadir a região vizinha a Kursk, Belgorodo, fracassada na terça, os ucranianos voltaram a bombardear com artilharia de forma mais pesada cidades junto à fronteira.
“A situação é difícil”, disse o governador local, Viacheslav Gladkov. Em Kursk, por outro lado, as forças de Kiev foram praticamente expulsas da ocupação territorial que haviam promovido de forma surpreendente em agosto passado, estando concentradas numa faixa fronteiriça exígua.
Os russos, por sua vez, avançam de forma ameaçadora rumo a Zaporíjia, a capital da província homônima que está 70% ocupada por Moscou. A primeira linha de defesa foi rompida na terça pela primeira vez desde 2022.