Noite e chuva viram gatilho para população desabrigada pela tragédia em São Sebastião
Por Isabella Menon/Folhapres em 27/02/2023 às 11:00
É na frente do restaurante Pimenta Rosa, dentro da Barra do Sahy, que placas com a inscrição “saúde mental” indicam o posto improvisado. O estabelecimento tem fornecido alimentação desde o início da semana para os desalojados em decorrência das chuvas históricas que atingiram o litoral norte de São Paulo no último final de semana.
A tragédia, que matou ao menos 59 pessoas, deixou milhares de desabrigados e trouxe diversos traumas para a população de São Sebastião. Não à toa, é comum ver pessoas com os olhos marejados em busca de uma ajuda psicológica que procuram atendimento psicológico.
Nesta sexta-feira (24), o psiquiatra do SUS Pedro Henrique Novaes e a colega e psicóloga Cátia Mellao decidiram abrir um posto para atender apenas pacientes que precisam de apoio relacionado à saúde mental -separando, assim, aqueles pacientes que precisam de assistência médica por outros motivos.
Dentro da escola, há um grande volume de pessoas que entram e saem, por isso o atendimento psiquiátrico não era ideal para acontecer por lá. “Não dá para ter uma estrutura para atender demanda de saúde mental em um espaço confuso”, analisa Novaes.
Nos primeiros dias, diz o psiquiatra, os esforços foram voltados para os resgates de corpos e o tratamento de feridos. Agora, mais de sete dias após as fortes chuvas, é preciso que a atenção à saúde mental da população seja retomada.
Primeiro, explica Novaes, há urgência pelos pacientes que lidam com pós-trauma. Depois, há quem já tinha acompanhamento psíquico e ficou desestabilizado. Em meio a este cenário, há os remédios e as receitas que se foram em meio à lama e o medo dos pacientes de não conseguirem os medicamentos de uso contínuo.
O psiquiatra afirma que já trabalha na região há seis anos. Por isso, conhece uma parte dos moradores locais que estão desalojados. “No início, está todo mundo preocupado em ter comida, colchão e água. Porém, essa sensação de que está tudo bem é falsa porque daqui a pouco as pessoas vão entendendo aos poucos [o que aconteceu].”
Os especialistas em saúde mental notam há necessidade de a população por apoio emocional enquanto caminham na rua. “É comum que, enquanto a gente anda na rua, parem [para falar conosco]”, diz Novaes.
A psicóloga Cátia Mellao nota ainda que é durante o período noturno que os gatilhos do desastre acometem os desalojados, uma vez que a tragédia aconteceu no meio da noite e muitos deles foram acordados com o alto volume de água levando suas casas. Por isso, dificuldade para dormir e insônia são comuns.
As crianças também já demonstram traumas do episódio, diz ela. É comum que algumas apresentem um pensamento repetitivo, com um garoto que os especialistas atenderam que dizia sem parar sobre uma “onda grande”. Somado a isso, os pequenos ainda presenciaram os pais em estado de choque.
Além disso, as chuvas que voltaram a atingir o litoral após o desastre também relembram a todos o que aconteceu há poucos dias. “Infelizmente, no primeiro momento o tratamento é na base de medicação e acolhimento afetuoso”, diz o psiquiatra, que admite que ainda é cedo é muito difícil falar em resultado porque é uma tragédia sem precedentes.
“É um município focado no turismo, que pode agora sofrer com um retrocesso”, diz o psiquiatra, que prevê que muitos dos trabalhadores terão que se reinventar em meio ao cenário pós-tragédia ou se reinventar.
Após sete dias de buscas por corpos, 65 mortes foram confirmadas, sendo 64 em São Sebastião e uma em Ubatuba. A procura foi encerrada neste domingo na Barra do Sahy, que agora terá a dura missão de tentar se reerguer, enquanto lida com o luto e o medo.