TJ-SP considera usuário condenado por tráfico de 550g de maconha e o absolve
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 01/04/2025 às 10:00

A atipicidade da conduta daquele que porta até 40 gramas de maconha é exemplificativa, sendo presumida a sua condição de usuário, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, isso não impede que ele seja processado por tráfico, se houver elementos desse crime, independentemente da quantidade da droga. Ao contrário, sem essas provas, também pode ser enquadrado como consumidor aquele que é flagrado com o entorpecente além do limite fixado pelo STF no Tema 506, com repercussão geral.
Com essa fundamentação, o 6º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deferiu pedido de revisão criminal e absolveu um homem que havia sido condenado por tráfico a cinco anos e dez meses de reclusão, em regime inicial fechado. No dia 2 de junho de 2020, durante fiscalização de trânsito, policiais militares surpreenderam o revisionando com 550 gramas de maconha (13,7 vezes o limite do Tema 506) no carro que dirigia pela Rodovia Cônego Domênico Rangoni, em Guarujá.
“O peticionário é primário e não há, concretamente, qualquer evidência de informações prévias acerca de seu envolvimento com o comércio espúrio. Não há qualquer informação acerca de ato de mercancia por parte do revisionando na data dos fatos”, constatou o desembargador Amable Lopez Soto, relator da revisão Ele reconheceu as alegações dos advogados Nelson Machado Reis e Raquel de Lima Reis de que os policiais rodoviários não localizaram petrechos relacionados ao tráfico.

A defesa sustentou que o cliente é primário, possui ocupação lícita e a maconha foi achada na forma de meio tijolo e mais um pequeno pedaço, ou seja, não estava fracionada em centenas de porções individualmente embaladas que sugerissem a destinação para a venda a terceiros. Os advogados embasaram o pleito de revisão criminal no artigo 621, inciso I, segunda parte, do Código de Processo Penal, que a prevê nos processos findos, quando a sentença condenatória for contrária à evidência dos autos.
“Embora a quantidade de 40 gramas seja a presumida para a maconha, a determinar a atipicidade da conduta, nada impede que, apesar da quantidade ser maior do que a exemplificativamente estabelecida, também se conclua pelo uso pessoal, desde que não haja nos autos outras evidências configuradoras do intuito de tráfico”, observou Lopez Soto. Mais nove desembargadores participaram do julgamento da revisão criminal. Todos acompanharam o voto do relator para absolver o acusado.
Com o reconhecimento da atipicidade da conduta (porte de maconha para uso pessoal), o colegiado destacou que caberá ao juízo de primeiro grau a eventual aplicação de medidas de cunho administrativo, mediante provocação do Ministério Público (MP), conforme os parâmetros determinados pelo STF. Sem gerar repercussão penal, elas constam nos incisos I e II do artigo de 28 da Lei 11.343/2006 e são as seguintes: advertência sobre os efeitos da droga e comparecimento a programa ou curso educativo.
Marcha processual
Autuado em flagrante por tráfico, o acusado teve a liberdade provisória concedida na audiência de custódia realizada no dia seguinte. Ele respondeu à ação penal solto e o juízo da 3ª Vara Criminal de Guarujá acolheu a tese defensiva de desclassificação, condenando o réu a cumprir dois meses de prestação de serviços à comunidade por porte de droga para uso próprio (art. 28, caput, da Lei 11.343). A sentença foi anterior à edição do Tema 506, que é de 26 de junho de 2024 e descriminalizou a posse de maconha para consumo.
O MP recorreu e a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu provimento à apelação, por considerar a apreensão dos 550 gramas de maconha prova suficiente do tráfico. A defesa interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas ele não foi admitido. Os advogados, então, interpuseram agravo em recurso especial, que não foi conhecido. O acórdão transitou em julgado, o réu teve mandado de prisão expedido e os defensores ajuizaram o pedido de revisão criminal.
Os advogados juntaram documentos comprobatórios de que o revisionando se submete a tratamento contra a dependência química. Eles também expuseram que a maconha apreendida foi por ele comprada no início da pandemia do novo coronavírus. “Com medo de não conseguir conter a sua dependência, ele adquiriu uma quantidade maior da droga para armazenamento e o seu próprio uso em meio ao isolamento social”, alegou Nelson Reis. Com o deferimento da revisão, após cinco meses preso, o acusado foi solto.
* Eduardo Velozo Fuccia / Vade News