Praias públicas têm acesso restrito em loteamentos privados no litoral de SP

Por Clayton Castelani e Adriano Vizoni/Folha Press em 08/06/2024 às 13:00

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Na primeira tentativa de acessar a praia de Tijucopava, em Guarujá, o segurança do loteamento residencial particular não abriu a cancela porque a estrada está interditada desde fevereiro para reparos.

O caminho possível ficava adiante, no loteamento vizinho, onde outro funcionário perguntou qual quadra e lote seriam visitados. Ao saber que o destino era a faixa de areia, pediu o RG do motorista e contou quantas pessoas estavam no carro antes de entregar um crachá com o número de uma das 65 vagas do estacionamento.

A entrada é gratuita nessas praias acessíveis apenas por grandes áreas privadas pontilhadas por mansões no meio da mata atlântica. Mas as frequentes abordagens de seguranças e as restrições à circulação lembram ao visitante que aquele é um lugar ao qual ele não pertence.

No momento em que a chamada PEC das Praias inflama debates sobre o direito de uso de terras próximas ao litoral, a reportagem visitou quatro empreendimentos imobiliários no litoral de São Paulo nos quais a vigilância de proprietários é legalizada e se apresenta de forma ostensiva. Modelos semelhantes também existem em outros pontos da costa brasileira.

Praias são um bem de uso comum e o acesso a elas é livre, garantido pelo Código Civil, e o texto da Proposta de Emenda à Constituição relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) não pode mudar isso, diz o advogado Godofredo de Souza Dantas Neto, especialista em direito constitucional e urbanístico.

O que o projeto pretende é transferir os chamados terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados, municípios ou proprietários privados.

Essas áreas ocupam uma faixa de 33 metros a partir da linha de influência das marés (medida em 1831) e a aprovação da proposta está relacionada à garantia patrimonial para quem já tem imóvel nesses locais, além de tirar dos cofres da União o dinheiro arrecadado com a cobrança de impostos.

Quando a questão envolve o acesso por áreas privadas, porém, essa liberdade garantida pela legislação civil brasileira encontra uma combinação de obstáculos criados por normas municipais.

No caso de quatro loteamentos no Guarujá, o controle de acesso é delegado aos proprietários e esse poder tem respaldo em legislações ambientais, informou a prefeitura.

Nos dias de calor, quando já nas primeiras horas da manhã há o esgotamento do número de vagas nos estacionamentos públicos próximos às praias, só carros de proprietários e convidados passam pelas cancelas que dão acesso às sinuosas estradas com ótimo calçamento de blocos de cimento.

Distâncias de até cinco quilômetros até o mar por vias íngremes desencorajam o percurso a pé. Além disso, o carro é a melhor forma de chegar à entrada e, para continuar o percurso sem o automóvel, é preciso deixá-lo perto ou no próprio acostamento da rodovia, onde estará sujeito a multas.

Quem consegue avançar se depara com um trajeto sombreado pela floresta preservada de onde é possível espiar casarões com quadras de tênis, campos de futebol e piscinas, alguns com acesso direto às praias de areias claras e finas. Os mais distantes têm quadriciclos nas garagens. Imóveis que podem passar dos R$ 40 milhões em anúncios na internet.

Na areia estão proibidas tendas, barracas e a circulação de bicicletas. Placas pedem que não se faça barulho, tudo respaldado por leis municipais, diz a prefeitura.

Restrições compensadas por vantagens como banheiros limpos e chuveiros de água doce de uso livre, afirma o motoboy Marcelo Montes, 42. Surfista e frequentador da região há 20 anos, ele havia partido de Diadema, na região metropolitana de São Paulo, na manhã da última quarta (5) com a prancha presa ao teto do seu Volkswagen Gol para aproveitar as ondas de Tijucopava.

“É chato [haver restrição], mas a segurança e a infraestrutura compensam”, diz Montes. “Acho que isso aqui não tem nada a ver com privatização das praias, que eu sou totalmente contra.”

A infraestrutura é ainda mais impressionante no Iporanga, o mais conhecido entre os loteamentos da região. Criado em 1983, possui cerca de 400 casas distribuídas por 248 hectares -cerca de 2,5 quilômetros quadrados. Os estacionamentos públicos têm 95 vagas para acesso a três praias: São Pedro, das Conchas e Iporanga. O crachá colocado no carro determina para qual delas o visitante deve se dirigir e não é permitido ir com o veículo para o estacionamento de outra praia.

O relatório de impacto ambiental da Associação de Proprietários de Iporanga diz que 150 funcionários zelam pela área, entre os quais há 95 seguranças. Para chegar às praias, a reportagem foi questionada por três deles, em diferentes pontos, sobre o destino e a intenção da circulação no local. A administração também poderia conferir a movimentação pelas câmeras.

Todos os serviços, como o tratamento de resíduos, são custeados pelos proprietários, afirma o biólogo Ronaldo Justo, gerente de meio ambiente do loteamento Iporanga. “As restrições são para garantir a sustentabilidade”, diz.

Embora as regras ambientais confiram autoridade para as associações de proprietários controlarem os acessos, em ao menos um ponto, que diz respeito ao horário de permanência nas praias, a prefeitura diz que as entidades podem estar extrapolando sua autonomia.

Em linhas gerais, os condomínios liberam o acesso às praias enquanto o dia está claro. Apesar de afirmarem que a permanência noturna não é proibida, orientam aos visitantes que saiam à noite devido à ausência de salva-vidas, correnteza mais forte e pouca ou nenhuma iluminação nas vias.

A administração municipal afirma que a restrição de horários de permanência nas praias não é autorizada, mas recomenda aos frequentadores que evitem utilizar as praias ao anoitecer.

Em Bertioga, cidade vizinha a Guarujá, o loteamento Riviera de São Lourenço é o que mais chama a atenção pela quantidade de edifícios à beira-mar. Diferente da primeira impressão, porém, a entrada não possui restrições, o carro pode ser estacionado na rua, e o acesso à faixa de areia é livre.

A Secretaria de Patrimônio da União não tem dados sobre a demarcação de terrenos de marinha no estado de São Paulo, embora diversos proprietários paguem impostos federais que caracterizam esse tipo de imóvel.

Independentemente de qual ente é o responsável pela gestão do espaço, prefeituras, governos estaduais e federal têm autoridade para desapropriar áreas para melhorar o acesso ao mar, afirma o advogado Godofredo Dantas Neto. “Basta declarar a área de interesse público para a construção de uma passagem”, diz.

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