Empreendedora negra supera violência doméstica e inspira outras mulheres na Baixada Santista
Por Santa Portal em 25/07/2024 às 06:00
Negra, nordestina, periférica e vítima de violência doméstica. Deise Guerra poderia ser só mais um número nas estatísticas, mas conseguiu dar a volta por cima e construir uma vida onde passou a ser protagonista da própria história. A soteropolitana radicada na Baixada Santista vive para motivar mulheres a se posicionarem dentro de suas identidades usando a trajetória vitoriosa de sua própria vida em meio às adversidades que tentaram bloquear o caminho.
Com um largo sorriso, Deise encanta a todos com seu otimismo e força de vontade. “Sou uma baiana arretada que vim para o litoral paulista para ser vencedora. Compartilho a minha história mostrando que ser mulher é, por si só, um ato de resistência e força. Porque saí de todas as minhas batalhas mais forte”.
De acordo com dados do relatório elaborado pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), as mulheres negras são o maior grupo populacional, 60,6 milhões, sendo 11,30 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de mulheres pardas que respondem por mais de 28% da população total. Aliás, esta quinta-feira, dia 25 de julho, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Deise chegou ao Guarujá em 2009, acompanhada do ex-marido e dos dois filhos, e teve seu terceiro filho já na Baixada Santista. Deixou de atuar como enfermeira – sua primeira formação – e foi distribuir currículo pelas ruas da cidade. Seu primeiro emprego no litoral foi na rua mais popular de Vicente de Carvalho, onde, mesmo sendo freela, encantou as clientes que só queriam comprar
com a baiana.
Durante os cinco anos que esteve na loja, conseguiu estudar e conquistou mais formação, dessa vez na área comercial. “Fiz Gestão Comercial, me formei como Tecnóloga de Varejo e um curso na consultoria Seattle Brasil”. Depois foi chamada para entrar para o time da loja de vestuário feminino Barreds, que por muitos anos foi um sucesso de venda na região, e também passou pela Magazine Luiza antes de
empreender. Chegou a ter uma loja no bairro Morrinhos, em Guarujá, mas que ainda não seria a que a impulsionaria para a nova vida.
Em meio às conquistas da vida profissional, Deise também enfrentava uma guerra pessoal. A violência doméstica foi mais um desafio por qual a baiana passou antes de se tornar uma mulher empoderada. “Nunca me vitimizei, apesar de ter sido vítima. Enfrentei preconceito, misoginia e até violência doméstica. Chorei, mas pensei que a dor agora não será em mim, e sim nos meus filhos. E quem é mãe sabe muito bem o que isso representa”, relembra. “Apesar de toda essa guerra, sou da paz”, completa.
Deise mudou para outra cidade da Baixada, Praia Grande, e lá mais uma vez recomeçou. Abriu uma nova loja, agora com seu nome, e teve muito sucesso até a pandemia abreviou a história. Durante o período de isolamento, a baiana voltou a trabalhar prestando serviço, mas sempre com a meta de empreender assim que reconquistasse sua autonomia financeira.
Em 2019 ela abriu a marca, agora firmada Deise Guerra, e empregou diversas mulheres na loja que levava em um dos shoppings mais sofisticados de Santos. Eram vendedoras, costureiras e outras profissionais que passaram pela boutique.
Após encerrar a etapa na área comercial, a baiana então virou mais uma chave e agora atua como palestrante para inspirar mulheres a ganharem autonomia. “De tudo que faço, o que mais me orgulha é ser um farol para as mulheres que ainda não se reconhecem com a sua própria força guerreira.
Uma frase que Deise leva como guia é da filósofa negra Angela Davis. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. E é assim que a baiana guia os seus passos para o sucesso dela e de todos ao seu redor.
Dados de mulheres negras pelo Brasil
Gênero e raça são fatores marcantes da precarização no mundo do trabalho, como revela o levantamento Brasil: a inserção da população negra no mercado de trabalho, realizado pelo Dieese, em 2022. Empregabilidade, rendimento e ocupação em postos desprotegidos, assim como em cargos de gerência são investigados no estudo, que foi baseado nos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022.
A pesquisa destaca que as mulheres negras ocupam em maior presença o setor de serviços domésticos: Dos quase seis milhões de trabalhadores domésticos, mais de 67% são mulheres negras que trabalham sem carteira assinada (75,3%) e sem contribuição para a previdência social (64,7%) cujos rendimentos do trabalho as colocam em situação de pobreza (26,2%) ou de extrema pobreza (13,4%).
Em 2018, segundo o IBGE, o rendimento médio das mulheres negras foi de menos de 60% do rendimento das mulheres brancas. Quando comparadas aos homens brancos, esse indicador é inferior a 45%.