28/02/2025

Trump e Zelenski batem boca, cancelam entrevista, e ucraniano deixa a Casa Branca

Por Igor Gielow em 28/02/2025 às 17:59

Reprodução/South China Morning Post
Reprodução/South China Morning Post

Em uma cena nunca vista em público no Salão Oval da Casa Branca, Donald Trump e Volodymyr Zelensky bateram boca sobre os rumos da Guerra da Ucrânia, levando o visitante a deixar o encontro sem a prevista entrevista coletiva.

“Ele pode voltar quando estiver pronto para a paz”, escreveu na rede Truth Social Trump enquanto Zelensky ainda estava na sede do governo, onde ficou apenas 2h20min nesta sexta (28). Segundo funcionários da Casa Branca vazaram à imprensa americana, Trump ordenou a saída do colega.

Ao vivo, o americano ameaçou o ucraniano, dizendo que os EUA “estarão fora” se ele não aceitar uma trégua com Vladimir Putin, que invadiu o vizinho há três anos.

O encontro foi um desastre de grandes proporções para Kiev, e jogou fora o esforço de líderes europeus de aproximar os presidentes, nove dias depois de Trump ter chamado Zelensky de ditador. O republicano, por sua vez, corroborou sua posição de alinhamento à visão de Putin sobre o conflito.

Zelensky chegou com sangue nos olhos ao começo do encontro, que foi aberto à imprensa. “Você disse que chega de guerra. Eu acho que é muito importante dizer essas palavras para Putin lá no começo, porque ele é um assassino e um terrorista”, disparou Zelensky em sua introdução.

“Eu sou a favor da Ucrânia e da Rússia”, disse um assustado Trump, que depois foi ao ataque, dizendo que Zelensky estava “jogando com a Terceira Guerra Mundial” ao buscar opor os EUA e o Ocidente à Rússia. “O que você está dizendo é desrespeitoso com esse país”, afirmou, com dedo em riste.

A temperatura subiu ainda mais com a intervenção do vice de Trump, J.D. Vance, que cobrou o visitante: “Você já disse obrigado?”. “Eu acho desrespeitoso você vir aqui no Salão Oval e dizer essas coisas em frente à mídia americana”, completou. A embaixadora ucraniana nos EUA, Oksana Markarova, afundou a cabeça entre as mãos na plateia.

“O seu país está em apuros. Você não está ganhando”, disse. “Nós demos US$ 350 bilhões a vocês, se vocês não tivessem nosso material militar, teriam perdido em duas semanas. Vocês têm de mostrar gratidão”, disse o presidente americano, cobrando um cessar-fogo e exagerando em três vezes o apoio dado pelos EUA a Kiev.

Trump disse que “eu empoderei você para ser um valentão, mas você não acha que pode ser um valentão sem os EUA”. “Seu povo é muito corajoso, mas você ou fará um acordo ou nós estamos fora. E se nós estivermos fora, você vai perder”, disse.

“Você não está em posição de ditar como nós vamos nos sentir”, afirmou o americano, retrucando uma admoestação de Zelensky sobre o resultado do desengajamento americano. “Você não tem cartas agora, você está jogando com a vida de milhões, com a Terceira Guerra Mundial”, disse.

Ao fechar a reunião a jornalistas, inclusive um repórter da agência russa Tass que foi expulso por não ter credenciamento para estar lá, Trump ainda tripudiou: “Isso vai dar boa televisão, hein?”.

Mais tarde, Zelensky foi ao X “agradecer Trump, o Congresso e o povo americano”. “A Ucrânia necessita de uma paz justa e duradoura, e nós estamos trabalhando exatamente nisso”, escreveu.

Na Rússia, a porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova, disse que foi um “milagre de contenção” Trump e Vance não terem batido em Zelensky. Já o ex-presidente Dmitri Medvedev qualificou o episódio como “uma bela palmada” no ucraniano.

“Bate-boca” entre os políticos

Antes do bate-boca, o clima estava tenso, mas com momentos de descontração. “Olhem, ele está todo arrumado!”, disse Trump ao receber às 11h23 (13h23 em Brasília) o homólogo em sua quinta visita à sede do governo americano.

Zelensky usava a roupa de inspiração militar, que visa emprestar-lhe uma aura de líder em guerra, que adotou desde o início do conflito -se o americano estava sendo irônico, é incerto. Depois, o repórter do canal de direita Real America’s Voice Brian Glenn ainda estocou o ucraniano, questionando “quando ele ia usar um terno”, para receber de volta um “quando a guerra acabar, talvez um melhor que o seu”.

Na fala inicial, Zelensky buscou explicitar seus pontos. “Putin começou essa guerra. Ele tem de pagar”, afirmou, retrucando a afirmação de Trump anterior de que Kiev iniciou o conflito ao buscar ingressar na aliança militar ocidental, a Otan, uma linha vermelha geopolítica para o Kremlin.

“Queremos saber o que os EUA estão dispostos a fazer”, disse. Trump foi evasivo, dizendo que “não é alinhado a Putin, e sim aos interesses dos Estados Unidos e do bem do mundo”. Ele não se encontrava pessoalmente com Zelensky desde dezembro, quando ainda era apenas presidente eleito.
Ao mesmo tempo, o americano sinalizou manter a proximidade que deseja com o russo, dizendo que “Putin quer o acordo” de paz. Depois, o clima desandou de vez.

Como pano de fundo do encontro está o acordo para a exploração de minerais estratégicos da Ucrânia, que Trump usou como um artifício para pressionar Kiev a conversar em seus termos. De uma tomada de meio trilhão de dólares das riquezas ucranianas, o texto virou algo vago sobre parcerias e a montagem de fundo para a reconstrução local.

Agora, subiu no telhado de forma indefinida, embora integrantes da equipe de Trump tenham dito que ele ainda poderá ser assinado.

Como já havia ficado claro, o texto que não foi assinado não trazia garantias de segurança americanas para bancar a paz. Trump, contudo, sinalizou na abertura do encontro que “vamos continuar enviando armas para a Ucrânia”. Só que, afirmou, “espero não precisar de muito”.

A reunião foi marcada após o tumulto geopolítico causado por Trump quando ligou para Putin e iniciou negociações bilaterais sobre a Guerra da Ucrânia e a normalização da relação entre Rússia e EUA, invertendo o sinal da política americana para a crise.

Nessas duas semanas, russos e americanos se encontraram duas vezes ao vivo, Trump chamou Zelensky de ditador sem eleições e o considerou dispensável por atrapalhar acordos, além de pressionar pelo acordo de exploração mineral sem embutir garantias de segurança pós-trégua a Kiev.

Mordeu, mas assoprou também, ao receber o francês Emmanuel Macron e o britânico Keir Starmer, moderando um pouco sua retórica -mas mantendo os pontos essenciais, e ainda buscando vantagens do acesso a minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia, como terras raras.

Zelensky ficou encurralado, e recebeu dos parceiros europeus promessas de uma elevação substancial da ajuda e a oferta de uma força de paz em caso de cessar-fogo. É o desejo de Trump em curso: o americano quer se desengajar da Europa.

O problema é que Putin não aceita a presença de forças de países da Otan na Ucrânia, aliás seu “casus belli” central em 2022. Nesse quesito, Trump concorda que Kiev não deve ser admitida no clube. Em relação à ajuda, a coisa complica no detalhamento dos números.

Usando o rastreador mais acurado da praça, do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a União Europeia e países do continente deram -132 bilhões a Kiev, mas o grosso disso é dinheiro. Já os EUA enviaram -114 bilhões, 56% do volume em ajuda militar.

Os europeus simplesmente não têm indústria bélica capaz de suprir toda a necessidade da Ucrânia no caso de a guerra continuar, mas podem fazê-lo num cenário de trégua. Poderiam, claro, comprar produtos americanos, mas essas triangulações são legalmente complexas.

Em relação ao acordo mineral, Trump desistiu de sua fantasia de US$ 500 bilhões do subsolo ucraniano para compensar o valor dado, sem prometer nada no futuro. E descartou garantias americanas. Agora, tudo isso fica também em suspenso com a debacle da cúpula.

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