PGR pede arquivamento de inquérito contra Bolsonaro por interferência na PF
Por Paulo Roberto Netto e Gabriela Vinhal/Folhapress em 19/09/2022 às 21:38
A PGR (Procuradoria Geral da República) pediu o arquivamento do inquérito instaurado em 2020 para apurar suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Polícia Federal. Em manifestação enviada nesta segunda-feira (19) ao STF (Supremo Tribunal Federal), a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo aponta que não há justa causa para a apresentação de uma denúncia no caso.
A investigação foi instaurada após a ruidosa saída do ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo acusando Bolsonaro de pressioná-lo para substituir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que foi demitido dias antes. Valeixo inicialmente seria substituído por Alexandre Ramagem, nome de confiança de Bolsonaro, mas a nomeação foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes.
Hoje, Ramagem é candidato a deputado federal pelo PL, partido do presidente.
O pedido de arquivamento ocorreu há menos de duas semanas para o primeiro turno das eleições e é uma vitória de Bolsonaro no STF. Por praxe, cabe à Corte acatar o pedido da Procuradoria e encerrar a apuração.
Na manifestação de 142 páginas, a PGR diz que após “análise criteriosa” das provas colhidas na investigação, não há como atribuir a Bolsonaro ou Moro os crimes em que eram investigados. Apesar de ter acusado o presidente, Moro também era alvo do inquérito por possível crime de calúnia e denunciação caluniosa.
“Os fatos foram exaustivamente apreciados e deles não se extrai lastro probatório mínimo quanto a possíveis materialidades e autorias delitivas. Outrossim, não se vislumbra qualquer outra diligência adicional que possa complementar o arcabouço já existente, que, ao contrário, revela-se suficiente, neste momento, para um juízo de atipicidade das condutas e de ausência de justa causa para a persecução penal em juízo”, diz trecho do pedido de arquivamento de inquérito enviado pela PGR ao STF.
O pedido foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes, que assumiu a relatoria do caso após a aposentadoria do ministro Celso de Mello, em 2020.
Em março, a PF concluiu a investigação sobre o episódio afirmando que Bolsonaro não cometeu crime. Em relatório, a Polícia Federal afirmou que o próprio Moro “declarou não haver qualquer pedido de informações ou ingerência por parte do Presidente da República em investigações conduzidas pela PF”.
Dois anos atrás, Moro falou sobre a exoneração do então diretor-geral da PF, Maurício Leite Valeixo, dizendo que “houve essa insistência” da parte de Bolsonaro para trocar a liderança do órgão. “Falei que seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo […] O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações”, afirmou.
Em depoimento prestado em novembro do ano passado, Bolsonaro negou que tivesse algum interesse político na interferência e que quis substituir Valeixo por Ramagem por uma questão de “falta de interlocução” e que seu escolhido era um nome de sua confiança.
Segundo a PF, 18 pessoas envolvidas no caso foram ouvidas, incluindo Moro e Bolsonaro, além de ter realizado diversas perícias nos materiais coletados no processo. “Nenhuma prova consistente para a subsunção penal foi encontrada. Muito pelo contrário, todas as testemunhas ouvidas foram assertivas em dizer que não receberam orientação ou qualquer pedido, mesmo que velado, para interferir ou influenciar investigações conduzidas na Polícia Federal”, disse a PF.
Na manifestação ao STF enviada hoje, a PGR diz que as declarações tanto de Moro quanto de Bolsonaro “não se amoldam” aos crimes investigados no inquérito.
Lindôra relembra ainda que o histórico da relação entre o presidente e o ex-ministro demonstra que ambos já tinham divergido sobre outros temas no passado, como a nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó de Carvalho, contestada por Bolsonaro em 2019, e as críticas de Moro aos decretos cobrados pelo presidente para facilitar o acesso a armas.
“Tais discordâncias políticas não podem, por si só, corresponder à criminalização de condutas. Em outras palavras, os antagonismos que despontam da condução da gestão estatal, de nítidos contornos políticos, não podem ser transferidos da arena governamental para a penal sem que existam indícios efetivos da ocorrência de práticas ilícitas sob a perspectiva criminal”, disse Lindôra Araújo.
Mudança no Rio de Janeiro
Instaurado em 2020 a pedido da PGR, o inquérito mirava principalmente o presidente Jair Bolsonaro por suposta interferência na Polícia Federal. O mandatário era acusado de tentar substituir o diretor-geral da corporação por um nome de sua confiança e também o superintendente do órgão no Rio de Janeiro, berço político da família.
Durante reunião ministerial em abril de 2020, tornada pública por ordem do ministro Celso de Mello, Bolsonaro chegou a pressionar Moro para trocar o comando da PF fluminense. No ano anterior, o presidente e o ex-ministro tiveram divergências sobre a mudança na gestão local.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Bolsonaro.
Em depoimento à PF no ano passado, Bolsonaro minimizou a fala e disse que queria trocar o comando da Polícia Federal no Rio por considerar o Estado “muito complicado” e que demandava um superintendente com “maior liberdade de trabalho”.
Ao ser questionado sobre a fala “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro”, o presidente afirmou que se referia não à Polícia Federal, mas a um “pequeno núcleo” do GSI responsável pela segurança da família presidencial.
O que a PGR disse sobre cada crime
Prevaricação: Na manifestação enviada ao STF, Lindôra diz que não é possível vislumbrar o crime, caracterizado quando um funcionário público deixa de praticar um ato de ofício para obter algum benefício próprio. Segundo a PGR, ficou demonstrado que os atos de exoneração de Maurício Valeixo da direção da PF e eventual substituição por Alexandre Ramagem foram praticados no âmbito da autonomia do presidente para indicar nomes para o posto.
“Não há, no conjunto informativo-probatório coletado, substrato indiciário mínimo de que os atos funcionais de nomeação e exoneração para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, notadamente envolvendo o Delegado de Polícia Federal Alexandre Ramagem Rodrigues, foram materializados pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro para a satisfação de interesse ou sentimento pessoal relacionado a possíveis interferências em investigações envolvendo seus familiares e aliados políticos”, disse Lindôra.
Advocacia administrativa: Em relação ao segundo crime, a PGR diz que “não há indicativo concreto” de que pedido ilícito a funcionário público feito por Bolsonaro para beneficiar a si próprio ou alguém de sua família ao substituir o comando da PF. O crime é configurado pelo uso da máquina pública para obter vantagens.
Corrupção passiva: No crime de corrupção passiva, Lindôra Araújo alega que o relatório da PF diz que não foi confirmada “qualquer informação acerca da relação entre o presidente da República e o delegado da PF Alexandre Ragagem senão a estritamente profissional”. Por isso, não há indícios de crime de corrupção.
Coação no curso do processo: Lindôra afirmou ainda que não foram identificados nenhum indício de que Bolsonaro, no contexto da substituição do comando da PF, tenha usado de violência ou grave ameaça para buscar satisfazer um interesse próprio, elementos que configurariam o crime.
Falsificação: Este caso se refere à alegação de Moro de que não assinou o decreto de exoneração de Maurício Valeixo da PF. O documento inicialmente divulgado pelo Planalto constava a assinatura do ex-ministro e dizia que o diretor-geral saía “a pedido”. Para a PGR, em depoimento, Valeixo deixou claro que tinha interesse em pedir demissão.
“Resta claro que a formalização da exoneração a pedido contou com anuência expressa de Maurício Leite Valeixo, não se vislumbrando qualquer tipo de declaração falsa a respeito e com o escopo de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, afirmou.
Em relação à fala de Moro, a PGR afirmou que, de acordo com informações enviadas pelo setor competente da Presidência da República, atos de nomeação e exoneração “dependem exclusivamente da assinatura do presidente da República” e que a prática administrativa era de que ministros assinassem o documento físico em momento posterior à publicação do ato.
Embaraço às investigações: Segundo a PGR, nenhuma das investigações desenvolvidas pela PF e “identificadas como potencialmente de interesse do Bolsonaro” apurou crime de constituição de organização criminosa.
Denunciação caluniosa: Na manifestação, Lindôra afirmou que a conduta de Moro não imputou crime nenhum ao presidente e citou a declaração do ex-ministro em depoimento à autoridade policial: “Que reitera que em seu pronunciamento narrou fatos verdadeiros, mas em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes.”
Além disso, a procuradora disse que a substituição do diretor-geral da PF “por critérios técnicos e de confiança”, foram confirmados pelo próprio chefe do Executivo, durante oitiva.