ONG entra na Justiça para suspender leilão de térmicas da Eletrobras
Por ALEXA SALOMÃO/FOLHAPRESS em 28/09/2022 às 06:00
O Instituto Internacional Arayara entrou com ação civil na Justiça Federal em Brasília pedindo a suspensão do leilão de térmicas a gás, marcado para esta sexta-feira (30). A entidade questiona os custos financeiros e ambientais dessas usinas.
O leilão faz parte de uma série que deve instalar no Brasil 8 GW (gigawatts) de empreendimentos movidos a gás natural. A exigência foi incluída no projeto de lei de privatização da Eletrobras por meio de emendas que ficaram conhecidas como “jabutis da Eletrobras”.
Os jabutis receberam forte oposição do mercado e de órgãos públicos do setor de energia. O questionamento geral é que a lei não segue a lógica técnica ao determinar a instalação dos projetos onde não há gasodutos para levar gás ou redes para transmitir a energia aos centros consumidores. No entanto, a construção dessas térmicas se tornou uma exigência por força de lobby no Congresso.
“O leilão atende a interesses de poucos em detrimento de prejuízos para muitos”, diz o diretor da Arayara, Juliano Bueno Araújo.
Essas usinas a gás vão atuar como reserva de capacidade e vão ficar ligadas quase que em tempo integral, emitindo gases de efeito estufa e gerando despesa para os consumidores, mesmo quando os reservatórios das hidrelétricas estiverem cheios.
Nesta sexta, ocorre a disputa entre investidores interessados na primeira leva desse projetos, que somam 2 GW (gigawatts), sendo 1 GW na região Norte, 700 MW (megawatts) no Piauí e 300 MW no Maranhão.
Araújo destaca que essas usinas têm vários problemas que precisam ser reavaliados pelo órgão regulador, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
De um lado, afirma ele, vão elevar a conta de luz no momento em que os custos da energia no Brasil se tornaram proibitivos para uma parcela grande da população. Segundo levantamento da entidade, cerca de 1,5 milhão de brasileiros tiveram a energia cortada por falta de pagamento e estão no escuro. Outros 9 milhões estão com contas atrasadas.
A ação civil inclui uma simulação de custos, coordenada pelo professor Dorel Soares Ramos, da USP (Universidade de São Paulo), detalhando que a operação e manutenção desses projetos acrescentariam R$ 111 bilhões às contas de energia entre 2022 e 2036.
Considerando o cenário de referência do Plano Decenal Energético em curso, os valores saltariam de R$ 90 bilhões para 201 bilhões.
A tarifa de energia, por sua vez, teria uma alta de 10% com as térmicas inflexíveis.
De outro lado, afirmam, essas usinas vão sujar a matriz de energia do Brasil, no momento em que o mundo precisa investir numa transição energética limpa.
A ação civil destaca que as emissões dessas térmicas, entre 2026, quando entra em operação o primeiro projeto, e 2044, com o último, têm potencial para gerar um total acumulado de 340 milhões de toneladas de tCO2e (sigla para toneladas de CO2 equivalente, que inclui não apenas o dióxido de carbono como também outros gases de efeito estufa).
Por ano, as emissões poderiam chegar a 22,63 milhões de toneladas, o que equivaleria a um acréscimo de 39% em relação às emissões do setor elétrico em 2021, segundo um mapeamento realizado pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).
A ONG tem se destacado nos movimentos que questionam projetos de porte no setor de energia. A Arayara também atuou na Justiça contra a ANP (Agência Nacional de Petróleo) para limitar a exploração na região de Abrolhos. No fim, graças à mobilização, os próprios investidores desistiram de explorar as regiões mais críticas.
Até a conclusão deste texto, a Justiça não havia se manifestado sobre o pedido.
A Arayara integra a Coalizão Gás e Energia, que também conta com ClimaInfo, Idec, Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) e Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).