16/01/2022

Veja o que está em jogo na renegociação de dívidas de empresas do Simples

Por Folha Press em 16/01/2022 às 12:49

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A semana dos empreendedores brasileiros, que começou com o veto de Jair Bolsonaro (PL) ao projeto de renegociação de débitos, termina com novas possibilidades de refinanciamento, insegurança jurídica e movimentações em busca de apoio no Congresso para derrubar a decisão presidencial.

O que está em jogo é a permanência em um regime tributário mais amigável, o Simples. Quem deve ao Fisco aguardava pela aprovação do Relp (Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional) para regularizar a situação.

A não quitação da dívida pode bloquear o acesso à taxação diferenciada ou até resultar na desativação do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas).

“Se alguém está querendo o parcelamento, é porque deseja trabalhar na regularidade, e se deixou de pagar, não foi porque quis”, diz Joseph Couri, presidente do Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias).

Ele explica que, caso uma empresa perca o acesso ao Simples, terá a alíquota de impostos elevada de aproximadamente 4% para cerca de 34% sobre o faturamento. Esse problema, diz Couri, pode empurrar milhões de negócios para a informalidade.

“Se falarmos que 5.000 empresas têm débitos tributários vencidos, podemos dizer que se trata de uma questão de gestão. Mas se o governo diz que 1,8 milhão de empresas estão inclusas na dívida ativa do Simples, além de 160 mil MEIs (microempreendedores individuais), aí o problema é do próprio governo.”

O Simpi acredita que o cálculo do governo está defasado. Para o sindicato, cerca de 3 milhões de empreendedores têm dívidas tributárias. O governo calcula que o valor a ser refinanciado pode chegar a R$ 50 bilhões.

A proposta barrada por Bolsonaro previa o pagamento em até 180 meses. O Relp estipulou parcelas mínimas de R$ 300 a quem aderisse, com exceção dos MEIs, que poderiam pagar, no mínimo, R$ 50 por mês.

A entidade espera que o veto seja integralmente derrubado no Congresso, e Couri diz que o trabalho de convencimento já teve início, apesar do período de recesso parlamentar.

“Enviamos e-mails paras todos os presidentes de partidos e para o relator do Refis do Simples na Câmara [Marco Bertaiolli, PSD-SP]. Vamos continuar acompanhando de perto.”

Para contornar a impopularidade do veto -resultado de uma longa disputa entre o Palácio do Planalto e o Ministério da Economia-, o governo federal publicou duas medidas nesta terça-feira (11) por meio de portaria da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).

Foram lançados o Programa de Regularização do Simples Nacional e o edital de Transação do Contencioso de Pequeno Valor do Simples Nacional.

Contudo, Renato Tardioli, sócio do escritório Tardioli Lima Advogados, explica que há diferenças importantes entre o Relp e as propostas de renegociação de dívidas que constam na portaria.

“Temos um emaranhado de situações. Os objetivos são muito parecidos, mas as regras não são exatamente similares”, diz o advogado. “Foi uma resposta para tentar apaziguar os ânimos, mas pode gerar mais insegurança jurídica.”
Tardioli explica que o Relp previa a concessão de descontos sobre juros, multas e encargos calculados com base na queda do faturamento no período de março a dezembro de 2020.

Já o Programa de Regularização do Simples Nacional prevê uma entrada equivalente a 1% total do débito, e esse valor pode ser parcelado em oito vezes.

O saldo restante é dividido em até 137 meses, com possibilidade de desconto de até 100% de juros, multas e encargos legais. O abatimento, porém, não pode ser maior que 70% do valor total da dívida (principal mais as correções).
No caso do edital de Transação do Contencioso de Pequeno Valor, a entrada também é de 1% do total da dívida -valor que pode ser pago em três vezes-, e há diferentes condições de parcelamento e desconto.

Tardioli afirma que os empresários devem aguardar até o fim do recesso parlamentar, no dia 2 de fevereiro, para saber como ficará a situação. Após a retomada das atividades, o Congresso terá até 30 dias para analisar o veto presidencial.
“A partir daí saberemos como ficará o contexto e quais serão as possibilidades para quitar os débitos tributários, e então entenderemos qual programa é mais interessante para cada caso”, diz o advogado.

Há, contudo, muitas questões em aberto, diz o advogado. “Qual será a consequência para quem optar por um ou por outro sistema? E, lá na frente, quem escolheu A poderá trocar por B? Quais seriam as consequências dessa escolha? Ainda não sabemos.”

O empresário Marcelo Lima Belmont, sócio do restaurante carioca Grão Raro Café, diz que o parcelamento dos tributos em atraso tem sido o momento mais esperado pelos pequenos empresários brasileiros desde a crise que antecedeu a pandemia.

“Parcelar é o procedimento padrão, principalmente no setor de restaurantes. Se o dono do negócio não pagar a conta de luz ou o aluguel, terá de deixar o estabelecimento, e também não pode atrasar os salários. No fim, o imposto fica para depois”, diz Belmont.

O empresário já utilizou o parcelamento em dois momentos, ambos em meio à crise econômica que teve início em 2014.

Na segunda vez em que recorreu ao crédito, em 2018, Belmont havia reorganizado o negócio e via a retomada do movimento. Mas pouco mais de um ano depois, veio a pandemia. “Cheguei a atrasar três parcelas do Refis, mas conversei com o meu contador e consegui colocá-las em dia.”

Para o Sebrae, as novas opções de parcelamento não são suficientes.

“A nova portaria auxilia muito os pequenos negócios que estão com seus débitos já inscritos em dívida ativa da União, mas não resolve a situação dos débitos que ainda estão na Receita Federal, portanto é necessário que senadores e deputados derrubem, assim que os trabalhos forem retomados, o veto”, diz Carlos Melles, presidente do Sebrae, em nota.

A entidade calcula que as micro e pequenas empresas geraram 2 milhões de empregos durante a pandemia de Covid-19.


Sandro Alencar Fernandes, diretor de PME da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais), lembra que a causa do não pagamento de tributos é justamente a crise sanitária, que afetou principalmente o setor de serviços.

Pequenas empresas da área de tecnologia até conseguiram se manter na ativa no último ano, com casos de crescimento. Mas há outros impactos envolvidos, como a mudança para o home office e os custos com questões trabalhistas, além de investimentos que foram feitos.”

Fernandes diz que a impossibilidade de quitar dívidas afeta também as empresas que não estão inadimplentes, pois há um prejuízo em cadeia aos negócios.

“É um cenário preocupante por ser uma economia bem globalizada. Presto serviço para restaurantes, pequenas indústrias e outros setores da área de serviços, todos acabam afetados.”

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