COP30 tem shows, cerveja feita com água tratada de esgoto, vinho português e karaokê do clima na zona azul
Por Augusto Liberato/Folhapress em 19/11/2025 às 10:58
Por volta das 17h, quando as pessoas estão acabando de trabalhar na zona azul da COP30, a área dos pavilhões dos países e organizações começa a fervilhar com atrações culturais e distribuição gratuita de vinho, entre outras atividades, promovendo um momento de relaxamento e confraternização entre os participantes após um dia intenso na conferência.
Essas ações também são uma maneira de exercer o chamado “soft power”, que é a capacidade de um país influenciar outros atores internacionais e projetar uma imagem positiva por meio de elementos culturais ou valores ideológicos.
O pavilhão de Portugal virou um dos mais concorridos, com sua oferta de vinho (tinto e branco), pastel de nata e bolinho de bacalhau. A fila, a cada dia maior, começa a se formar meia hora antes da abertura do “bar”, entre 17h e 18h, sempre após as atividades do pavilhão.
As colegas Carol Franco e Oskarina Domke, negociadoras de agricultura da República Dominicana, acharam excelente a iniciativa. “Sempre estamos muito estressadas, e esse momento do vinho nos ajuda a relaxar. A gente também conhece pessoas novas e acaba fazendo networking. Já é a terceira vez que venho”, afirmou Carol, destacando que o vinho do Porto é seu favorito.
O estadunidense Alexander Easdale, diretor-executivo da Scen (Southeast Climate & Energy Network), também elogiou a iniciativa. “Isso pesa muito a favor de Portugal. Depois de um longo dia, com muitas reuniões, todo mundo está cansado. Então oferecer algo acolhedor e gratuito é uma ideia maravilhosa.”
Sobre o pastel de nata, Easdale diz que não costuma comer doces, mas que foi o melhor que experimentou em muitos anos. “E combina com o vinho tinto, acredite ou não.”
Cláudio Jesus, responsável de operações do pavilhão de Portugal, diz que o movimento vem crescendo desde o primeiro dia. “É pelo boca a boca, porque não divulgamos nem nas redes sociais. E há muitas caras repetidas, que fazem questão de voltar porque apreciaram o que oferecemos”, diz.
Já em um palco em frente ao pavilhão da Indonésia, diariamente, são apresentadas danças tradicionais de diferentes lugares do país, um dos mais etnicamente diversos do mundo. No final da apresentação, as bailarinas convidam o público a se unir a elas e a fazer as coreografias.
A paulista Marisa Moretti, gerente de comunicação corporativa da Hitachi Energy, foi uma das pessoas que entrou na dança. “A COP dá essa sensação de que você está no mundo todo ao mesmo tempo. Ter contato com culturas que a gente não conhece é uma experiência incrível”, opina. “Foi fácil acompanhar os passos, as dançarinas são muito pacientes.”
Para ela, além do foco nas questões climáticas, a COP também é uma oportunidade para os países mostrarem “o que tem de melhor”. “Assim as pessoas podem conhecer outros aspectos. Isso promove o turismo, conexão e empatia. Acho que ajuda até nas questões do clima”, opina.
A dançarina Sharah Lynn, representante cultural do pavilhão, diz que é importante mostrar a riqueza do país por meio da dança e também da culinária típica, que sempre é servida ao público que assiste aos painéis apresentados no local.
Já o pavilhão de Singapura está distribuindo sem à tarde, entre os eventos, uma cerveja feita com água de esgoto tratada e purificada pela agência nacional de água do país.
“Quando tomei, eu não sabia como era fabricada. Achei que tinha um pouco de gosto de lúpulo, parecida com uma pilsen. Depois alguém me disse que era feita com água do chuveiro, então acho que o gosto interessante deve ser do xampu”, brincou o estadunidense Matt Evans, cofundador da empresa Up Energy, após provar a cerveja pela primeira vez.
“Na verdade, achei ótimo, porque gosto de coisas diferentes, fica mais interessante e divertido. E é claro que é algo seguro.”
O espaço do Entertainment + Culture Pavilion, organização que usa arte e cultura para enfrentar os desafios climáticos, tem uma programação intensa de performances, shows e até desfiles de moda, além dos painéis. “Tudo o que fazemos tem uma interseção entre cultura e clima. Nosso objetivo é colocar a cultura no centro das ações climáticas”, diz a francesa Julie Mallat, diretora de comunicação da entidade.
Na segunda-feira (17), às 19h45, o pavilhão apresentou um desfile com peças sustentáveis, produzidas com tecidos artesanais, do Thailand Youth Climate Council. No último sábado (15), o grupo Flow, formado por mulheres de diversos países, levou seu hip hop inspirado no som das águas da amazônia para ao pavilhão, pregando a proteção desse recurso.
Já o pavilhão da Suécia inovou com o seu Karaokê do Clima, em que os participantes têm que escolher canções relacionadas a questões climáticas ou ambientais ou que transmitam alguma mensagem para as pessoas.
“Acreditamos que, como nos concentramos tanto nos problemas e em todos os desafios que enfrentamos, também precisamos encontrar uma maneira de se reunir de forma mais informal, encontrando alegria e força juntos”, explicou a organizadora Emma Modéer Wiking, chefe de sustentabilidade da consultoria Business Sweden.
A educadora ambiental francesa Aurore Delaunay, elogiou a iniciativa. “É importante ter algo positivo porque a COP é muito intensa, com tantas coisas acontecendo. E, no final do dia, depois de tanto ‘networking’, é bom para relaxar”, opina.
Na primeira edição do karaokê, no último dia 12, ela fez uma brincadeira com o aquecimento global e cantou “Hot Stuff”, de Donna Summer, que tem mais a ver com desejo do que com temperatura.
Já sua conterrânea, a empreendedora social Hélène de Saint Front, entoou, com amigos, “Heal the World”, de Michael Jackson. “Eu escolhi essa música porque há pessoas do mundo inteiro aqui, para cantarmos juntos que precisamos curar nosso planeta.”
A comitiva da Suécia se uniu para cantar o clássico “Don’t Stop Believin'”, do Journey, com todo mundo dançando e cantando junto.
No pavilhão da Alemanha, uma cafeteria gratuita, que funciona durante todo o dia, também virou ponto de encontro dos participantes.
“Eu venho todos os dias. O café é muito bom e os atendentes são muito simpáticos. Costumo vir pela manhã. A fila é menor que no pavilhão da Austrália, que também serve café”, diz Sirini Jeudy-Hugo, líder de equipe da diretoria de meio ambiente da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Por volta das 16h, a britânica Melanie Coath, da Birdlife International, foi à cafeteria pela primeira vez, por indicação de um colega. “Ele disse que o café era bom, então vim experimentar. Também estava precisando de um pouco de energia depois de dar uma palestra em um evento.”
Ela se diz agradecida aos pavilhões que oferecem bebida ou comida de graça. “Os preços dos quiosques são muito altos. Eu trabalho para uma instituição de caridade, não tenho condições de pagar.”
A organização do espaço diz, em nota, que “o pavilhão da Alemanha foi um dos primeiros a oferecer café nas COPs e ficou muito conhecido por isso”. “Sempre que possível, nos esforçamos para servir café produzido de forma justa e sustentável, muitas vezes no âmbito da cooperação alemã para o desenvolvimento, como neste ano, com um projeto do sul do Brasil, o Amucafé.”