Cinco anos após lockdown, paulistas lembram dos eventos cancelados
Por Laiz Menezes/Folhapress em 21/03/2025 às 10:38

Em abril de 2020, Beatriz Sanches, 30, esperava se casar em uma festa com cerca de cem convidados, mas o lockdown imposto pelo governo de São Paulo devido ao avanço da Covid-19 levou ao cancelamento da cerimônia. Entre adiamentos, luto e crise financeira, o casamento nunca aconteceu -e o relacionamento também não resistiu. O então governador de São Paulo, João Doria, anunciou em 21 de março de 2020 o estado de quarentena por 15 dias como medida de combate à pandemia da Covid-19. O isolamento começou no dia 24, numa terça-feira.
Eventos adiados e cancelados
Na época, brasileiros que viram as infecções crescerem de forma desenfreada ainda não imaginavam que a doença levaria o país a registrar 715 mil mortos em cinco anos. Sanches, que trabalha como cabeleireira, teve um custo de R$ 38 mil para que o buffet realizasse o casamento com a então companheira, em 11 de abril, mas a cerimônia teve que ser adiada para setembro.
Cinco anos depois, ela recorda a incerteza da pandemia. Inicialmente, achou que a quarentena duraria somente 15 dias. “As restrições aumentavam, e a gente não tinha certeza de nada. Chegou setembro e o casamento não aconteceu. Parecia que todas as certezas sobre o relacionamento estavam indo por água abaixo”, diz.
A quarentena imposta pelo governo de São Paulo foi prorrogada diversas vezes em 2020. Ao decorrer do ano, foram criados planos para que o comércio e atividades essenciais não deixassem de funcionar. Em junho, por exemplo, os estabelecimentos comerciais podiam receber até 40% do total da capacidade de clientes.
Em agosto, foram autorizados eventos como formaturas e casamentos. No entanto, Sanches lembra que perdeu um avô e uma tia-avó, internados com comorbidades e que testaram positivo para a Covid no hospital. Além deles, outras pessoas próximas também morreram após infecção.
“Esse avô que faleceu era como um pai para mim. Fiquei muito abalada. Foi difícil pensar em celebrar alguma coisa, sorrindo enquanto eu queria chorar”, relata.
Após um ano de incertezas, ela decidiu terminar a relação. “Já não tínhamos nem vontade de falar sobre, entramos em uma depressão profunda, com muitos conflitos. Eu disse: ‘Criamos tanta expectativa e decepção que não quero mais casar’.”
Impactos na saúde mental
Psicóloga especialista em relacionamentos, Andressa Taketa explica que o casamento é um marco na vida de uma pessoa, e seu cancelamento vai além da mudança de data.
“A frustração afeta em vários níveis: há o luto pela experiência planejada, a perda do controle sobre o futuro e a ansiedade diante da incerteza sobre quando os planos poderão ser retomados”, afirma.
Essa combinação de emoções -frustração, luto, impotência e ansiedade- gera o que especialistas chamam de tempestade emocional, um estado de intensa agitação em que sentimentos como raiva, tristeza e confusão se misturam.
Taketa destaca que muitas pessoas desenvolveram estresse agudo durante a pandemia, e, em alguns casos, o quadro evoluiu para transtornos mais graves, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.
Durante as consultas, a especialista diz que muitas pessoas relatam terem desenvolvido uma relação mais consciente com o dinheiro e com as celebrações após a experiência traumática da pandemia. Foi o que aconteceu com Sanches, que não tem mais a intenção de realizar uma grande festa de casamento.
“Eu percebi que talvez seja mais seguro comemorar e contemplar o amor com a galera e com a pessoa com quem você está namorando em um ambiente que você mesma tenha controle”, diz.
Prejuízos financeiros
A professora Silvana Muniz, 56, também lembra do impacto do lockdown em uma viagem que planejava para Portugal, em junho. Durante a pandemia, o Brasil não impôs uma suspensão total dos voos internacionais, mas diversas companhias aéreas reduziram ou interromperam suas operações devido à queda na demanda e às restrições globais de viagens.
Muniz e outros cinco parentes se programaram para visitar parentes que moram no país europeu. Cada um pagou cerca de R$ 6 mil nas passagens de ida e volta. Precisaram adiar e, quando pediram uma nova data para a empresa, foi cobrado mais uma vez o mesmo valor.
“Eles queriam cobrar uma nova passagem. Nós entramos com um processo na Justiça e até hoje ainda não recebemos esse valor de volta. Tivemos que comprar outras passagens em outra companhia para conseguir viajar em 2022”, lembra.
A professora faria a primeira viagem internacional com a família. “A gente não sabia como lidar com a situação, porque tínhamos investido. E além de lidar com o medo da pandemia, ainda tivemos que buscar advogado para conseguir resolver esse problema com a companhia aérea.”
A crise gerada pela pandemia também afetou a analista de performance Beatriz Sabino, 26, que, assim como muitos, viu os planos de 2020 sendo interrompidos. A festa de recepção dos calouros da atlética da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo), marcada para 20 de março, com mais de mil ingressos vendidos, foi cancelada às vésperas do evento.
Na semana anterior, a situação da Covid-19 no Brasil começou a se agravar rapidamente. “Foi menos de um mês depois do Carnaval, e tudo aconteceu muito rápido”, conta a analista.
O prefeito em exercício de São Paulo na época, Eduardo Tuma, determinou no dia 13 de março o cancelamento de todos os eventos de massa com mais de 500 pessoas após aumento de casos de coronavírus na cidade.
No dia, enquanto acompanhava as notícias, já estava claro para a equipe da atlética que a festa não poderia acontecer. O impacto financeiro foi significativo, já que o evento representava uma fonte de receita importante para a entidade ao longo do ano.