Bolsonaro planejou, atuou e teve domínio de plano para golpe, diz Polícia Federal
Por Cézar Feitoza/Folhapress em 27/11/2024 às 09:57
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou a trama golpista no final de 2022, e a ruptura democrática não foi concretizada por “circunstâncias alheias à sua vontade”, disse a Polícia Federal no relatório final da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.
Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro teve seu papel detalhado pela PF nas conclusões do inquérito entregues ao STF (Supremo Tribunal Federal) e tornadas públicas nesta terça-feira (26) pelo ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, “os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca” que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado democrático de Direito”.
O ex-presidente foi indiciado neste ano pela PF em três inquéritos: sobre as joias, a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19 e, agora, a tentativa de golpe de Estado.
O relatório da PF foi enviado para análise da PGR (Procuradoria-Geral da República), responsável por avaliar as provas e decidir se denuncia ou não os investigados.
Segundo a corporação, os 37 indiciados cometeram três crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, cujas penas somam de 12 a 28 anos de prisão, desconsiderando os agravantes.
O texto do relatório diz que o grupo investigado era “liderado por Jair Bolsonaro” e “criou, desenvolveu e disseminou” desde 2019 a narrativa falsa de vulnerabilidade das urnas eletrônicas para justificar intenções golpistas em caso de derrota do então presidente na tentativa de reeleição.
Após a derrota na eleição de 2022, segundo a PF, Bolsonaro “elaborou um decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse do governo legitimamente eleito”. O então presidente apresentou a minuta do golpe aos comandantes da Forças Armadas, de acordo com a investigação.
A PF diz que uma série de diálogos entre interlocutores, análise da localização de celulares e datas e locais de reuniões indicam que Bolsonaro sabia dos planos do general da reserva Mario Fernandes, ex-chefe dos chamados “kids pretos” do Exército, para matar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes.
“Enquanto as medidas para ‘neutralizar’ o ministro Alexandre de Moraes estavam em andamento, o núcleo jurídico do grupo investigado finalizou o decreto que formalizaria a ruptura institucional, mediante a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral e a instituição da Comissão de Regularidade Eleitoral”, afirma.
Segundo a PF, a ação para prisão e assassinato de Moraes em 15 de dezembro de 2022 foi abortada quando Bolsonaro “não obteve o apoio” do general Freire Gomes, então comandante do Exército, “e da maioria do Alto Comando do Exército”.
Bolsonaro negou na segunda-feira (25) que tivesse conhecimento sobre planos apurados pela PF para matar Lula, Alckmin e Moraes. “Esquece, jamais. Dentro das quatro linhas não tem pena de morte.”
O ex-presidente, porém, confirmou que discutiu com aliados e militares a possibilidade de decretar estado de sítio após a derrota na disputa eleitoral de 2022 -o que, para Bolsonaro, não configuraria golpe nem crime. “A palavra golpe nunca esteve no meu dicionário.”
Nesta terça, após a divulgação do relatório da PF, ele republicou em rede social um vídeo bebendo caldo de cana, acompanhado de uma trilha risadas, mas sem menção direta à investigação.
A investigação da PF mostrou que, no fim de 2022, Bolsonaro, aliados e militares passaram a discutir minutas de decreto golpistas com o objetivo de anular o resultado das eleições presidenciais, sob a falsa alegação de fraudes nas urnas eletrônicas.
Os textos passaram por mudanças ao longo de novembro e dezembro, algumas feitas por ordem de Bolsonaro. Com o texto alinhado entre aliados, o então presidente convocou os chefes das Forças Armadas para sondar o apoio dos militares à proposta golpista.
Em depoimento à PF, o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, disse que o general Freire Gomes, à época comandante do Exército, chegou a dizer que prenderia Bolsonaro se ele avançasse com os intentos golpistas.
“Depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou estado de defesa ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República”, declarou.
Entenda o papel de Bolsonaro na trama golpista, segundo a PF
“Planejou, atuou e teve o domínio de forma direta” dos atos que levariam ao golpe, que não se consumou por “circunstâncias alheias à sua vontade”, entre elas a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Disseminou a narrativa falsa da vulnerabilidade do sistema eleitoral pelo menos desde 2019, para sedimentar na população a ideia de fraude eleitoral: cobrou de ministros a defesa desse discurso em reunião em 5 de julho de 2022 e, através do PL, pediu verificação dos resultados das urnas após o segundo turno.
Tinha pleno conhecimento do plano “Punhal Verde Amarelo”, para matar Lula, Alckmin e Moraes: recebeu Mário Fernandes no Palácio da Alvorada em 9 de novembro de 2022, após ele imprimir o planejamento pela primeira vez. Também estava no palácio em 6 de dezembro de 2022, quando o coronel fez uma segunda impressão e enviou mensagens a Mauro Cid “evidenciando o ajuste de ações”.
Elaborou a minuta do decreto que impediria a posse do governo eleito, estabeleceria o Estado de Defesa e criaria a Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar os resultados da eleição.
Convocou os comandantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada no dia 7 de dezembro de 2022, após realizar pessoalmente ajustes no documento, para apresentar o texto e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano, mas só o comandante da Marinha concordou.
Determinou a elaboração ainda da “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro” em 28 de novembro de 2022, para pressionar o comandante do Exército, conforme mensagens e depoimentos de Mauro Cid e Sérgio Cavaliere.
Diante da recusa, reuniu-se no dia 9 de dezembro com o general Estevam Theófilo, comandante do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), que aceitou executar as ações caso Bolsonaro assinasse o decreto.
Discursou a apoiadores naquela mesma tarde, quebrando silêncio de 40 dias após a vitória de Lula: “Em várias oportunidades em sua fala, vinculou uma ação a ser desencadeada pelos militares para atender aos anseios dos seus seguidores”, diz a PF
O único chefe militar que apoiou os planos de Bolsonaro foi o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos. Segundo a PF, ele colocou as tropas à disposição do ex-presidente para a consumação do golpe. O almirante ficou em silêncio diante da Polícia Federal.
Mesmo após a negativa dos chefes do Exército e da Aeronáutica, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, fez novos apelos para os comandantes das Forças Armadas. O militar foi a peça principal do governo Bolsonaro no ataque às urnas eletrônicas.
O plano do general da reserva Mario Fernandes, que trabalhava no Palácio do Planalto, para matar Lula, Alckmin e Moraes foi descoberto pela PF na reta final do inquérito. O militar conseguiu apoio de outros colegas de farda, que executaram parte do planejamento, segundo a investigação.
O documento com o passo a passo desse plano foi impresso por Fernandes no Planalto com o título “Punhal Verde Amarelo”. Ele previa a participação de seis pessoas, com celulares descartáveis e formatados, e o uso de armamento exclusivo do Exército para o assassinato das autoridades.
Projetava ainda outras possibilidades de execução dos alvos, por exemplo com uso de artefatos explosivos e envenenamento em evento público.
Segundo a PF, no dia em que o golpe seria executado, com a prisão ou assassinato de Moraes, o general Mario Fernandes enviou uma mensagem para o ministro Luiz Eduardo Ramos. “Kid Preto, algumas fontes sinalizaram que o comandante da Força sinalizaria hoje, foi ao Alvorada para sinalizar ao presidente que ele podia dar uma ordem.”
O general Freire Gomes realmente havia conversado com Bolsonaro na manhã do dia 15 de dezembro, no Palácio da Alvorada. Mario pede então a Ramos: “Blinda ele [Bolsonaro] contra qualquer desestímulo, qualquer assessoramento diferente. Isso é importante”.
De acordo com a PF, o plano de execução das autoridades foi abortado já com os militares em campo porque o golpe só seria viável com a participação de “um elemento fundamental, o apoio do braço armado do Estado, em especial a força terrestre, o Exército”.
As investigações apontaram uma estrutura na tentativa de golpe por meio de divisão de tarefas, com a existência dos seguintes grupos:
– Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral
– Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado
– Núcleo jurídico
– Núcleo operacional de apoio às ações golpistas
– Núcleo de inteligência paralela
– Núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas
O lado golpista de Bolsonaro é conhecido de longa data
Saudosista da ditadura militar (1964-1985), ele reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a “um regime de exceção”, afirmando que “através do voto você não vai mudar nada nesse país”.
Na Presidência, deu a entender em 2021 que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos. “Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil.”
Durante seu mandato e após a derrota para Lula em acirrada disputa de segundo turno, o hoje inelegível Bolsonaro acumulou declarações golpistas.
Questionou a legitimidade das urnas, ameaçou não entregar a Presidência ao petista após a derrota eleitoral, atacou instituições como o STF e o TSE e estimulou a população a participar de atos golpistas.