2024 supera 1,5°C de aquecimento da Terra e acende alerta climático
Por Giuliana Miranda/Folhapress em 31/12/2024 às 14:20
Prestes a ser confirmado como o ano mais quente da história da humanidade, 2024 será também o primeiro a terminar com média de temperatura acima de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Esse limite é considerado pelos cientistas como o teto para impedir as piores consequências do aquecimento global, como o desaparecimento de países insulares, sendo também o valor preferencial pactuado pela comunidade internacional no Acordo de Paris, de 2015.
O resultado escaldante registrado em 2024 significa então que o planeta já rompeu definitivamente a barreira de 1,5°C e as metas do acordo?
Segundo o observatório Copernicus, da União Europeia, ainda não. Para considerar que o limite foi definitivamente violado, seriam necessários vários anos com os termômetros acima desse patamar.
Muitos cientistas, contudo, afirmam abertamente que já não se pode limitar o aquecimento do planeta a esses níveis.
“É mais do que óbvio que segurar o aquecimento em 1,5°C já não é mais possível”, afirma à Folha de S.Paulo o físico Paulo Artaxo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e membro do IPCC (painel de especialistas do clima da ONU).
“Com muito esforço, particularmente dos países desenvolvidos e dos países produtores de petróleo, nós podemos limitar o aquecimento a uma média global de 2°C, o que seria altamente desejável”, avalia ele, chamando a atenção para a importância da próxima conferência do clima da ONU, a COP30, que acontecerá em Belém, no Brasil, em novembro de 2025.
Para conseguirmos isso, diz, a COP30 tem de colocar a agenda de mitigação de emissões de gases de efeito estufa em primeiro lugar. “A diplomacia brasileira vai ter que trabalhar muito nessa direção”, opina.
O último relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) afirmou que ainda é tecnicamente possível cumprir a meta de 1,5°C, embora isso esteja ficando cada vez mais difícil, exigindo um corte expressivo nas emissões nos próximos anos. Nas condições atuais, a Terra se encaminha para um aumento de até 3,1°C.
Na avaliação da pesquisadora Thelma Krug, que foi vice-presidente do IPCC e por 13 anos participou da força-tarefa do órgão sobre gases-estufa, a comunidade internacional ainda pode se mobilizar para manter viva a ambição do Acordo de Paris.
“É importante dizer que o fato de superarmos temporariamente o 1,5°C não significa que já ultrapassamos a barreira do Acordo de Paris. Ainda há esperança de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C até o fim do século. O problema é que as coisas estão ficando muito mais difíceis”, diz.
A cientista destaca que a humanidade ainda está longe de fazer a única coisa que pode garantir a interrupção da trajetória de aquecimento do planeta: derrubar a utilização de combustíveis fósseis, que são responsáveis por cerca de 80% das emissões globais.
“A lógica é simples: aumento de emissões implica aumento de concentração de gases, que, por sua vez, implica aumento de temperatura”, ressalta Krug.
Os dados mais recentes, referentes a 2023, indicam que o planeta bateu um novo recorde de emissões: 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente. Isso representa um aumento de 1,3% em relação a 2022 e um crescimento acima da média na década anterior à pandemia de Covid-19 (2010-2019), que foi de 0,8%.
“A ciência já deixou muito claro, desde antes do Acordo de Paris, que precisamos cortar as emissões de forma rápida e ambiciosa. Infelizmente, essa rapidez não está acontecendo”, afirma Krug.
“É verdade que setores como agricultura e uso da terra, sobretudo o desmatamento, contribuem para as emissões, mas isso nem se compara ao impacto da queima de combustíveis fósseis. E há um agravante: a agricultura e o uso da terra são setores vivos, altamente vulneráveis às mudanças climáticas. Não adianta reduzir o desmatamento ou emissões agrícolas se isso não vier acompanhado de uma redução drástica dos combustíveis fósseis”, completa.
Para Artaxo, nesse sentido, o Brasil, assim como a maior parte dos países, também não está fazendo o seu dever de casa.
“O Brasil precisa de uma política consistente, uma política de Estado, para parar a destruição dos nossos ecossistemas, dos quais dependemos tanto -inclusive para o agronegócio, em termos de serviços ecossistêmicos que produzem a chuva no Brasil central”, diz.
Ainda que o mundo esteja aquecendo a um ritmo mais rápido e, principalmente, com mais eventos extremos do que as simulações previam, os cientistas consideram que isso não significa que os modelos climáticos falharam.
“Os modelos continuam precisos, é um processo natural no desenvolvimento científico. O problema foi a falta de redução nas emissões”, avalia Artaxo. “Tudo está acontecendo mais rápido porque as emissões se aceleraram. Os países desenvolvidos e produtores de petróleo fracassaram em reduzi-las como era esperado há cinco ou há dez anos.”
Essa visão é compartilhada pela pesquisadora Thelma Krug.
“Os modelos climáticos não erraram. Eles estão se tornando progressivamente mais robustos à medida que novos dados surgem. Os modelos são baseados em cenários de emissões futuras, e o que estamos vendo hoje é uma trajetória de emissões muito alta, mais intensa do que se previa há décadas”, afirma.
“Eventos extremos, como as chuvas no Rio Grande do Sul e as secas na amazônia, estão acontecendo com uma frequência e intensidade sem precedentes. Isso era previsto em termos de tendências gerais, mas não é possível determinar o momento exato em que esses eventos ocorrerão”, pontua.