Cuca quer reconquistar carinho e construir trabalho longo no Atlético-MG
Por Klaus Richmond/Folhapress em 02/01/2025 às 08:32
Anunciado para suceder o argentino Gabriel Milito, demitido após os vice-campeonatos da Copa do Brasil e Copa Libertadores, o técnico Cuca, 61, terá em sua quarta passagem pelo Atlético Mineiro desafios que vão além do campo: reconstruir a própria imagem e superar desconfianças.
“Esse convite do Atlético mexeu comigo. Enxerguei nele a chance de assumir um trabalho logo no início, no lugar que mais conheço, com o que mais me identifiquei e onde alcancei minha maior longevidade. Tem tudo para dar certo”, disse à reportagem.
O paranaense é apontado por parte da torcida como o maior treinador da história centenária do clube pela conquista de cinco títulos -dois estaduais, um Brasileiro, uma Copa do Brasil e uma Libertadores-, mas nem tudo são flores na relação.
Uma porção considerável dos atleticanos e das atleticanas não gostaria de ver em seu time um profissional que foi julgado e condenado por estupro -ainda que a sentença, quase quatro décadas depois, tenha sido anulada, há um ano. E pesa contra o técnico um histórico de, por motivos alheios ao desempenho, pedir para deixar o comando de suas equipes.
Em 2021, após ter levantado três taças, uma delas a do Brasileiro, que não vinha havia 50 anos, Cuca saiu do Atlético apontando problemas familiares. Voltou no ano seguinte, após sete meses, mas nem de longe a relação parecia ser a mesma.
Saiu em novembro de 2022, após a sétima colocação no Brasileiro, garantindo vaga na pré-Libertadores em um desligamento em “comum acordo”.
O vínculo firmado agora até o fim de 2026 resume um desejo pessoal de sossegar no lugar que aprendeu a chamar de lar.
“Eu pedi [um contrato maior], e a diretoria também entendeu que era um bom caminho. No futebol, ninguém sabe, mas a minha ideia é ficar por muito tempo no Galo, porque é a minha casa. E, quando ficamos um tempinho parados, vem um desejo enorme de trabalhar de novo. Nunca pensei em aposentadoria, estou cheio de fome”, afirmou.
Cuca deixou o Athletico Paranaense em junho -de novo, irritando um clube por pedir para sair. De lá para cá, disse que conversou com diversos times, mas não se sentiu atraído a assumir nenhum deles.
“Estive presente em muitos jogos, fiz muitas viagens, conheci muitos países neste período. Vi treinos e jogos na Europa, não preciso especificar onde. Foi de forma discreta, mas busquei me modernizar para essa volta”, disse.
Será seu segundo trabalho desde uma conturbada e brevíssima passagem de dois jogos pelo Corinthians, em abril de 2023, quando voltou à tona o caso de estupro coletivo de uma garota de 13 anos em 1987, em Berna, na Suíça.
O advogado da vítima na ocasião disse que ela reconheceu Cuca como um dos agressores, e a situação no clube paulista se tornou insustentável. Logo após a saída, a Justiça da Suíça exibiu ao site ge documento do processo que apontava sêmen do paranaense, então jogador do Grêmio, no corpo da menina.
Em 22 de novembro de 2023, a juíza Bettina Bochsler acatou a argumentação da defesa de Cuca de que o treinador foi condenado sem a devida representação legal. Como já havia ocorrido a prescrição penal, ela concluiu que não havia necessidade de novo julgamento e determinou a anulação da pena e a extinção do processo.
Em seus primeiros dias de Athletico Paranaense, o treinador leu um texto dizendo que “o mundo é um lugar muito diferente para homens e mulheres”. “Quero e me comprometo a fazer parte da transformação”, afirmou na ocasião. “O que vocês vão ver de mim daqui para frente não serão palavras, serão atitudes. Podem me cobrar.”
De acordo com Cuca, ele tem cumprido o compromisso.
“Tenho feito o que prometi daquela vez, só que não tenho falado. Paguei curso de arbitragem para 15 alunas que se formaram agora no fim do ano. Fiz uma reunião com os três times femininos de Curitiba e todas as bases, dentro do CT do Athletico-PR. Tivemos palestras com pessoas capacitadas falando sobre violência, pondo as meninas para falar. Fiz doações para jogadoras que precisavam de materiais e outras coisas dentro do meu próprio instituto. Quero continuar melhorando como ser humano”, disse.
“Daquele momento em diante pus na cabeça que faria coisas positivas, que principalmente recuperariam o carinho de pessoas, que tinha e que não tenho mais.”