YouTube privilegia vídeos pró-Bolsonaro em recomendações a usuários, diz estudo

Por Patricia Campos Melo / Folha Press em 13/09/2022 às 09:51

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O algoritmo do YouTube privilegia a Jovem Pan e vídeos a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) em suas recomendações, indica estudo do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em 18 visitas-teste à plataforma durante o levantamento, os canais do grupo Jovem Pan foram indicados 14 vezes na página inicial do YouTube, com um ou mais vídeos sugeridos. O mais recomendado aos usuários foi o da participação de Bolsonaro no programa Pânico, no dia 26 de agosto.

A entrevista foi recomendada em oito visitas-teste, em cinco versões (cortes), que juntas somam 9,6 milhões de visualizações. No vídeo, o presidente faz alegações infundadas sobre o processo eleitoral, como a de que as Forças Armadas descobriram “centenas de vulnerabilidades” nas urnas eletrônicas.

Para o experimento, o NetLab criou 18 novos perfis, que acessaram a plataforma em diferentes datas e horários usando uma aba anônima do navegador e VPN, ferramenta que ocultou o verdadeiro endereço IP do usuário e simulou uma localização geográfica aleatória dentro do Brasil a cada teste.

O objetivo era identificar quais os canais e os conteúdos noticiosos tiveram visibilidade destacada pelo algoritmo de recomendação do YouTube durante o período de 23 a 30 de agosto.

Assim, o usuário era “virgem” -não tinha histórico de interação com determinados conteúdos que pudesse alimentar o algoritmo e influenciar as recomendações. Mesmo sem curtidas ou visualizações em canais de direita, o YouTube recomendou vídeos da Jovem Pan e pró-Bolsonaro na maior parte das vezes.

Conteúdos dos canais da emissora apareceram como a primeira recomendação em 55% das visitas (10 de 18), bem à frente de outros canais de notícias como UOL (5) -que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que publica a Folha-, CNN Brasil (1) e Band Jornalismo (1).

Na página inicial, os mais recomendados, por grupo de comunicação, foram Jovem Pan (25), UOL (16), Grupo Bandeirantes (9), CNN (8), Correio do Povo (7), SBT (6), Metrópoles (5) e Fundação Padre Anchieta (5).

Outros vídeos da Jovem Pan sugeridos no teste apresentam Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como “chefe de quadrilha” e “doente mental”, dizem que o petista estaria atrás de Bolsonaro em pesquisa de intenção de voto do Ibope e afirmam que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem uma aliança com o ex-presidente.

“É muito grave o YouTube, uma plataforma com mais de 130 milhões de usuários no Brasil, privilegiar um veículo de mídia no seu sistema de recomendação, diante de tantas outras fontes. Ainda mais por [a Jovem Pan] ser um veículo hiperpartidário, claramente bolsonarista, que não dá isonomia aos candidatos”, afirma Marie Santini, diretora do Netlab.

“Essa situação cria um desequilíbrio nas eleições, faz propaganda com o uso do algoritmo, pois a recomendação é uma forma de moderação de conteúdo.”

Procurada, a Jovem Pan não respondeu até a publicação desta reportagem. O YouTube afirma que não teve acesso à pesquisa e, portanto, não iria comentar os resultados.

“Nosso sistema de recomendação busca ajudar as pessoas a encontrarem vídeos que lhes ofereçam algo útil e interessante”, diz a assessoria da empresa. “Para tal, nós nos baseamos em vários tipos de ‘sinais’, ou seja, dados que alimentam o sistema. Esses sinais incluem cliques, tempo de visualização, respostas a pesquisas, número de compartilhamentos, números de cliques em “gostei” e “não gostei”, entre outros.”

A plataforma também afirma que desde 2019 vem realizando uma série de atualizações no sistema de recomendação para reduzir o alcance de conteúdo que está no limite das diretrizes do YouTube e que, hoje, o consumo de produções do tipo que chegam por meio das sugestões é inferior a 0,5%.

“Nossas diretrizes definem as regras usadas no YouTube e abrem espaço para diversas opiniões. Nossos revisores estão espalhados pelo mundo, e aplicamos nossas políticas de conteúdo com consistência, independentemente de porta-voz, ponto de vista político, histórico, posição ou afiliações”, diz a empresa.

Embora o YouTube tenha anunciado a iniciativa #AntesDoSeuPlay, em que diz recomendar “conteúdos informativos de fontes confiáveis e plurais sobre as eleições”, a Jovem Pan tem 13 conteúdos rotulados como “falso” pelas agências de checagem Lupa, Aos Fatos e Projeto Comprova, as principais do país.

“A Jovem Pan é frequentemente identificada disseminando desinformação. É preciso que o YouTube abra a caixa preta do algoritmo de recomendação, mostre como funciona, quais são os critérios de recomendação utilizados para entendermos o que está acontecendo”, afirma Santini.

Os conteúdos de teor extremista ou com teorias da conspiração, que despertam emoções fortes, como revolta ou raiva, geram mais engajamento e, em geral, são amplificados pelos algoritmos de redes sociais.

O YouTube e o WhatsApp são as plataformas que mais preocupam o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O aplicativo de mensagens gera apreensão devido à velocidade de viralização de boatos, apesar dos mecanismos de restrição de encaminhamentos implementados pela empresa.

A plataforma de vídeos, por sua vez, gera temores pela falta de transparência na moderação e porque há incentivos financeiros para produtores de conteúdo extremista –desinformação dá audiência.

Ao longo dos meses, houve diversas reuniões entre integrantes do TSE e representantes do YouTube em razão da multiplicação de vídeos com alegações falsas sobre o processo eleitoral e teor golpista.

No mês passado, a relação com a plataforma melhorou e, segundo monitoramentos acompanhados pelo tribunal, houve uma grande redução no número de vídeos de negacionismo eleitoral na plataforma. A desinformação contra candidatos, algo que não é o foco prioritário do TSE, porém, continua muito alta.

De acordo com Alexandre Basílio, professor de direito eleitoral e digital em 25 escolas judiciárias eleitorais, se os autores do estudo conseguirem provar que o YouTube não apresenta isonomia no tratamento dos candidatos, será possível entrar com uma representação eleitoral.

Ainda que a isonomia, por lei, só seja exigida a TVs e rádios de concessão pública, essa interpretação vem mudando, afirma ele.

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