Sírio tenta se eleger deputado estadual de São Paulo para representar refugiados
Por DIOGO BERCITO / Folhapress em 22/08/2022 às 06:25
Abdulbaset Jarour chegou ao Brasil há oito anos como refugiado, fugindo da guerra na Síria, onde nasceu. Veio com visto humanitário, sozinho, sem falar português. Agora, aos 32 anos, é um dos estrangeiros naturalizados brasileiros que concorrem às eleições de outubro -ele busca uma vaga de deputado estadual em São Paulo.
Ao menos 35 candidatos, de um total de mais de 28 mil, afirmaram nos seus cadastros que nasceram fora do Brasil e se naturalizaram no país, segundo o banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral. O número é parecido com o das eleições de 2018, quando havia 34 nomes nessas condições. Dez deles concorrem a deputado em São Paulo, o estado com o maior número de casos.
A lei brasileira permite que pessoas naturalizadas se candidatem em pleitos, com exceção feita a alguns cargos, como o de presidente e o de vice-presidente; depois de eleitos, eles tampouco podem presidir a Câmara ou o Senado.
Jarour nasceu em Aleppo, uma das cidades sírias mais afetadas pela guerra civil iniciada em 2011. Foi ferido em 2013 e decidiu fugir para o Líbano. De lá, pensou em cruzar pelo mar para a Itália, a Grécia ou a Espanha. “Mas tinha medo de morrer afogado”, diz. Tentou o visto canadense e o australiano, sem sucesso. “Ouvi falar no visto humanitário brasileiro e procurei a embaixada.”
Um amigo colocou Jarour em contato com um libanês residente em São Paulo, que lhe ofereceu um emprego vendendo CDs nas ruas do Brás. “Não aceitei, não me senti bem”, conta. Acabou trabalhando por um tempo em um albergue e depois como motorista.
Dali, enveredou por organizações da sociedade civil. Hoje é vice-presidente da ONG Pacto Pelo Direito de Migrar – África do Coração e atua em outras entidades. Naturalizou-se brasileiro em 2020, depois de seis anos de residência.
Jarour conta que, nesses oito anos de Brasil, sofreu preconceito e teve dificuldades para fazer sua voz ser ouvida. “Às vezes um professor ou um pesquisador falam em nome dos imigrantes e dos refugiados”, diz. “Nós conseguimos nos expressar em português, que estamos aprendendo. Mesmo assim, as pessoas interrompem a gente, e então perdemos nosso lugar de fala.”
Essa perspectiva norteia sua plataforma, que pede mais protagonismo de imigrantes e de refugiados na formulação das políticas públicas que os afetam. O sírio propõe, por exemplo, a facilitação do acesso a moradia, educação e trabalho. Sugere também que São Paulo incentive a interiorização de imigrantes e refugiados, para que não se concentrem na capital. “Quero que o Estado invista nesse potencial humano.”
Nos últimos anos, o país foi destino de diferentes fluxos de migração -de venezuelanos, haitianos, sírios e, mais recentemente, afegãos e ucranianos, grupos aos quais o governo federal destinou a emissão de vistos humanitários.
Filiado ao PSB, Jarour não poderá, porém, contar diretamente com esses apoios; como imigrantes e refugiados não podem votar até que eventualmente se naturalizem brasileiros, qualquer candidato que inclua a questão migratória em sua plataforma precisa convencer um eleitorado mais amplo. Daí, talvez, a mensagem de que o país tem muito a ganhar com os estrangeiros –que na maioria das vezes têm perfil empreendedor, segundo ele.
Além de Jarour, concorrem em São Paulo ao menos outras nove pessoas que declararam ter nascido fora do Brasil e se naturalizado no país. Para deputado estadual, disputam, segundo o nome de urna protocolado no TSE, Garry do Povo (Haiti, PT), Jaeh Kim (Coreia do Sul, Podemos), Dra. Maria Alice (Portugal, Patriota), e os chineses Dr. Vong (PSDB), Doutor Li (Cidadania) e David Chu (Pros). Para federal, são Dr. Roger Lin (China, Podemos), Henri Esses (Líbano, PV) e Chuks (Nigéria, PSDB).
Não está claro, com base nos dados do TSE, se algum dos candidatos além de Jarour chegou ao Brasil como refugiado. “Nós somos os novos brasileiros”, diz ele. “Mas algumas pessoas acham que são melhores do que a gente, que, porque viemos de fora, nós não temos direitos, que chegamos aqui para roubar empregos, ameaçar a segurança pública, trazer doenças. Só estamos lutando para poder existir.”