Gestão Doria/Rodrigo multiplica verba política, e tribunal vê descontrole de gastos

Por Artur Rodrigues e Carolina Linhares/Folha Press em 06/07/2022 às 12:10

Divulgação/Governo de SP
Divulgação/Governo de SP

A administração João Doria/Rodrigo Garcia (PSDB) no Governo de São Paulo multiplicou a liberação de verbas políticas indicadas por parlamentares e realizadas sem transparência.

A explosão das chamadas emendas voluntárias chamou a atenção do TCE (Tribunal de Contas do Estado), que citou indícios de distribuição dos valores com caráter político e também a falta de controle em relação aos repasses.

A avaliação consta do relatório das contas do governo paulista de 2021, que foram aprovadas pelos conselheiros do TCE com ressalvas na última semana.

De acordo com os dados, até julho do ano passado, as emendas voluntárias atingiram quase R$ 1,3 bilhão, um aumento de 595% em relação ao total do ano anterior.

Os dados foram contabilizados pelo tribunal por meio do conjunto dos ofícios enviados aos parlamentares, avisando sobre a liberação pelo governador do processamento das indicações.

Questionado, o governo afirmou que as contas de 2021 foram aprovadas pelo tribunal e que as solicitações feitas ao governo são submetidas às secretarias.

As chamadas emendas voluntárias ou demandas parlamentares são repasses feitos pelo governo paulista a pedido de algum parlamentar para irrigar as cidades que compõem sua base política com obras de infraestrutura, gastos com saúde, financiamento de entidades etc.

O pagamento dessas demandas não é obrigatório e ocorre conforme a conveniência do governo -por isso a distribuição acaba sendo desigual entre aliados e opositores. Na prática, essa verba serve como moeda de troca para atrair deputados para a base do governo e garantir a aprovação de projetos.

É algo diferente das emendas ao Orçamento, que são impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório. Por meio das emendas impositivas, os deputados também indicam prefeituras e entidades para receber obras e melhorias.

As emendas impositivas devem ser pagas aos deputados estaduais independentemente de seu partido. Em 2021, cada deputado teve direito a indicar cerca de R$ 5,1 milhões -valor abaixo da média das emendas voluntárias apontada pelo TCE, de R$ 13,4 milhões.

A multiplicação da verba política ocorreu num contexto em que João Doria se preparava para concorrer à Presidência da República e Rodrigo Garcia ao Governo de São Paulo. Ambos estavam em busca de formar alianças com partidos e de aumentar sua popularidade no estado.

Em maio passado, porém, isolado no seu próprio partido, Doria desistiu de concorrer. Rodrigo, por sua vez, está em segundo lugar, com 13%, empatado com Tarcísio de Freitas (Republicanos) e atrás de Fernando Haddad (PT), com 34%, segundo pesquisa Datafolha.

O expressivo aumento nos repasses de verba para atender a pedidos de parlamentares já havia sido revelado pela Folha de S. Paulo, em agosto de 2021, e foi comprovado pelo tribunal de contas.

Na época, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem sistematizou os dados fornecidos pelo governo e chegou aos montantes de R$ 182,9 milhões em todo o ano de 2020 e de R$ 1,05 bilhão até julho de 2021.

Valores redondos encontrados pela reportagem indicaram que Doria ofereceu pacotes fechados de verbas a alguns parlamentares, o que foi confirmado por políticos de diferentes legendas.

Os recursos eram liberados não só para deputados estaduais, mas também para deputados federais e senadores, sendo que parlamentares de partidos aliados foram mais contemplados do que os de oposição, algo também indicado pelo TCE.

Por meio da apuração do TCE, houve a constatação de que partidos da base são privilegiados. A cada R$ 3 em emendas, R$ 1 foi para o PSDB e o DEM (que se fundiu com PSL e formou o União Brasil), principais partidos de sustentação do governo.

Sete partidos, que representavam 54% dos membros da Assembleia Legislativa de São Paulo, foram beneficiários de quase 74% dos valores contabilizados, diz o relatório do tribunal, presente no voto do conselheiro Sidney Estanislau Beraldo.

“De acordo com a fiscalização, tal desproporção constitui indício da suposta sujeição do processamento das demandas parlamentares e do desenvolvimento dos programas e ações governamentais a critérios eminentemente político-partidários, favorecendo os integrantes das siglas que asseguram sustentação política ao governo”, afirma o TCE.

O TCE havia recebido representações de parlamentares sobre o tema e cobrou os dados do governo. Os relatórios com as emendas foram entregues ao tribunal sem sistematização, em 5.299 arquivos em formato PDF, que foram tabulados por técnicos.

A falta de transparência verificada pelo TCE em relação a essas verbas também foi apontada pela Folha. A reportagem obteve os dados após sete pedidos via LAI e, ainda assim, o governo do PSDB disponibilizou apenas o material físico em caixas de papelão -foi necessário fotografar e sistematizar mais de 5.000 folhas de papel.

O relatório ainda destaca que o “governo do estado não dispõe de controles confiáveis sobre o encaminhamento das indicações parlamentares”. A administração não soube informar de maneira completa o que aconteceu após as indicações dos parlamentares serem liberadas -se elas de fato foram concretizadas e se os gastos foram executados.

Questionado pelo tribunal sobre o detalhamento das emendas, o governo se limitou a enviar ao órgão planilha com a realização de transferências que totalizavam R$ 307 milhões nos anos de 2020 e 2021 -sendo R$ 168 milhões de janeiro a julho do último ano. Portanto, a maior parte dos valores liberados não foi detalhada.

“As informações disponíveis permitem concluir, de maneira segura, apenas o crescimento exponencial do número de demandas parlamentares apresentadas no primeiro semestre do exercício analisado [2021] -possivelmente em decorrência de alterações nas premissas e dinâmicas que orientavam, até então, as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo- e a ausência de transparência com que a matéria é processada pelos órgãos envolvidos”, diz o relatório.

O tribunal recomenda ao governo a implementação de medidas que permitam acompanhamento das emendas, com divulgação ampla em plataformas oficiais com objetivo de submetê-las a controles técnicos, sociais e políticos.

O governo afirmou à Folha de S. Paulo que as contas foram aprovadas pelo TCE e citou que enxugamento da máquina ampliou a capacidade de investimentos.

“Em meio à realização dos investimentos necessários, o governo recebe e avalia sugestões, sejam elas feitas diretamente pelo cidadão, por entidades da sociedade civil organizada ou por intermédio de representantes democraticamente eleitos -como prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais. Todas as solicitações feitas ao governo são submetidas a avaliação técnica das respectivas secretarias, que administram e controlam a verba de seus programas e projetos”, diz a nota.

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