Ribeirinhos, quilombolas e indígenas poderão votar mais perto de casa em SP
Por Tatiana Cavalcanti/Folhapress em 20/08/2022 às 09:35
Em 2016, Cátia Aparecida Dantas, 32, aguardava o ônibus da prefeitura que a levaria para votar em Iporanga (SP). Da porta de casa, no quilombo Porto Velho, onde mora, próximo à divisa com o Paraná, até a seção eleitoral eram cerca de 72 km em uma estrada de terra tortuosa. Ela estava grávida de sete meses e levava também o outro filho, então com sete anos, que não tinha com quem ficar.
Como o transporte não chegou até a área isolada, a agricultora e a criança tiveram de subir a pé uma ladeira íngreme. Foi um trajeto de 2 km para pegar carona e, após longa viagem, exercer o direito ao voto.
Em outubro deste ano, a situação será outra, e Cátia poderá escolher seus candidatos em seção eleitoral na cidade de Itaoca, a cerca de 58 km do quilombo. Ainda que a distância geográfica continue grande, a logística de acesso até a seção em Iporanga é ainda mais complexa para alguns moradores.
A mudança será possível após o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) realizar audiências públicas e rodas de conversa em 12 regiões isoladas do estado, como comunidades quilombolas, ribeirinhas e aldeias indígenas, para facilitar o acesso às urnas.
“É uma revolução. É bom e importante votar. Nunca deixei de fazê-lo devido à distância. Não podia perder as eleições, por isso não desisti naquele dia”, diz Dantas, que se beneficiará da transferência temporária.
O objetivo do tribunal é que, em 2024, nas eleições municipais, Cátia e seus vizinhos votem na própria comunidade quilombola, assim como os habitantes de outras regiões isoladas.
Regina Rufino, secretária de planejamento estratégico e eleições do TRE-SP, explica que, para o pleito deste ano, quatro áreas vão receber as urnas pela primeira vez: as praias do Bonete e de Castelhanos, ambas em Ilhabela, o assentamento Che Guevara, em Mirante do Paranapanema, e o Quilombo Pedro Cubas, em Eldorado.
No caso de Ilhabela, foram 169 eleitores inscritos na nova zona eleitoral no Bonete e outros 137 em Castelhanos, áreas de preservação ambiental com difícil acesso. Antes, alguns desses votantes andavam durante quatro horas a pé ou cerca de 18 km em mata fechada para poder participar das eleições.
Outro problema era perder o dia mais vantajoso de trabalho, o domingo, quando o turismo é mais intenso nesses locais, além do gasto de até R$ 100 em uma embarcação para poder votar em Ilhabela.
Rufino conta que levar as urnas a lugares remotos é um processo complexo que pode mobilizar helicópteros, prefeituras e até a Fundação Florestal, órgão vinculado à Secretaria do Meio Ambiente.
Para facilitar ainda mais o acesso ao voto, nas visitas às comunidades o TRE-SP ofereceu transferências permanente e temporária do local de votação -neste último caso, apenas para 2022-, regularização da situação eleitoral e do alistamento militar, além de emissão do RG, com o apoio do Poupatempo.
Desde março, os funcionários do tribunal efetivaram 909 atendimentos, 773 dos quais de eleitores das quatro regiões com novas zonas eleitorais.
O projeto teve início em 2021, quando a corte decidiu fazer um mapeamento para identificar a situação nessas áreas mais isoladas. Nas eleições de 2020, o TRE-SP sentiu que precisava entender na prática os desafios que essas populações enfrentavam para votar.
“Refizemos o trajeto deles com todos os obstáculos, como estradas ruins e tortuosas. Temos feito esse trabalho para aperfeiçoar o atendimento ao cidadão”, diz a secretária Rufino.
Líder do quilombo Porto Velho, o agricultor familiar Osvaldo dos Santos, 54, afirma que o direito de votar é fundamental. “Esse projeto impacta muito a nossa realidade. [O fato de a cabine de votação] estar mais próxima significa que você estará perto de casa e vai economizar tempo no exercício da votação.”
O quilombo fica em Iporanga, mas sem acesso por rodovias, destaca Santos. O caminho para votar era feito, segundo ele, por estradas perigosas em péssimas condições.
“Saíamos às 7h. Depois só dava tempo de votar, comer algo rápido e retornar. Essa é a caminhada que a gente fazia, o dia inteiro. Geralmente, quando chegávamos em casa, de volta, o resultado das eleições já tinha saído”, diz.
Consciência política Rosana Rufino, presidente estadual da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil, da OAB de São Paulo, afirma que “tirar essas comunidades da invisibilidade é imprescindível”.
“Elas podem eleger políticos que vão fazer diferença em outras áreas ao pensar políticas públicas eficientes para eles. Por isso, cada voto importa”, afirma Rosana, que também esteve com o TRE-SP em visita aos quilombos.
O auxiliar administrativo Adilson Laurindo, 48, concorda. Membro da aldeia indígena Tekoa Pyau Jaraguá, na zona norte de SP, ele acompanhou a visita à comunidade da qual faz parte, na qual o tribunal levou urnas eletrônicas para a população conhecer como funciona a votação.
“Foi ótimo ver o interesse das pessoas mexendo na urna, principalmente os mais jovens, que vão votar pela primeira vez”, diz ele.
Para o desembargador Paulo Galizia, presidente do TRE-SP, o projeto é importante para ampliar o acesso desses povos às eleições. “Cabe à Justiça Eleitoral detectar os problemas que afastam essas pessoas das urnas. São iniciativas para resgatar o eleitor e aumentar a consciência política dessas comunidades.”