Não fiz mais por razões legais, por isso quero ajudar na Câmara, diz Ricardo Salles

Por Ana Carolina Amaral / Folha Press em 01/09/2022 às 09:25

foto: agencia brasil
foto: agencia brasil

Ricardo Salles, em sua campanha por uma vaga na Câmara dos Deputados pelo estado de São Paulo, mantém a proposta que ficou conhecida após divulgação da reunião interministerial de 22 de abril de 2020. Nela, então ministro do Meio Ambiente, defendeu que o governo fosse “passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Uma das boiadas -apelido que virou marca da gestão- levou a uma investigação da Polícia Federal por facilitação de tráfico de madeira ilegal. Em junho de 2021, um mês após a PF ter obtido autorização do Supremo Tribunal Federal para quebra de seu sigilo fiscal e bancário, Salles pediu demissão da pasta.

Após sua saída, as taxas de desmatamento da Amazônia -que já haviam saltado no primeiro ano de gestão- continuaram subindo sob o comando do seu sucessor, Joaquim Leite. Para Salles, a explicação é econômica.

“Se a gente não tiver uma política de desenvolvimento econômico para a Amazônia e continuar tendo uma política de mero congelamento do bioma, essas pessoas vão sobreviver como elas podem”, afirma.

“Gostaria de ter feito mais. Mas não foi possível por diversas razões, inclusive legais, por amarras legislativas, razão pela qual na Câmara acho que posso ajudar”, avalia.

Pergunta: Por que o senhor quer entrar para a Câmara dos Deputados?

Ricardo Salles: Temos leis demais no Brasil, de certa forma até contraditórias, às vezes até feitas com boa intenção, mas que tornam a implementação das medidas efetivas de proteção ao meio ambiente quase inviáveis. Falta à Câmara alguém que tenha tido que implementar as leis na prática para dizer: “olha, isso que vocês estão colocando não vai funcionar”.

P.: O senhor pretende levar ao Congresso a proposta de desregulamentação das normas que ficou conhecida como boiada na sua gestão no MMA?

RS: De certa forma. Você pode antever problemas, dizer: “não ponha isso, ou redija de maneira diferente”.
Um exemplo importante é a lei geral do licenciamento ambiental, que tramitou com dificuldade na Câmara e está dormindo em berço esplêndido no Senado. Ela não diminui a proteção ambiental, ao contrário, permite que se pegue os sempre escassos recursos do setor público e direcione para o que mais importa.

P.: Esse projeto de lei é criticado por transformar o licenciamento em exceção em vez de regra. O licenciamento de barragens, por exemplo, seria reduzido a uma autodeclaração. O projeto de lei não agravaria o risco de desastres?

RS: À ANM [Agência Nacional de Mineração] foi atribuída a função de definir os parâmetros de segurança. A ANM, com os episódios de Mariana e Brumadinho, foi forçada a editar uma norma sobre monitoramento. Antes, a ANM acho que tinha sete fiscais para todo o território nacional, então era um monitoramento fictício.

P.: Com isso, o senhor reconhece que é importante ter uma exigência do governo também através de fiscalização?
RS: Claro, deve ter. Isso está previsto na norma da ANM.

P: Como o senhor avalia sua gestão do MMA?

RS: Ser ministro do Meio Ambiente de um governo de direita depois de 22 anos de esquerda governando o país é muito difícil. Porque você tem regras feitas com a visão da esquerda, funcionários treinados para atuar e ter uma perspectiva de realidade de acordo com o que a esquerda tem, em muitos casos. Essa estrutura que veio do governo foi desenhada para uma outra visão de mundo.
Gostaria de ter feito mais. Mas não foi possível por diversas razões, inclusive legais, por amarras legislativas, razão pela qual na Câmara acho que posso ajudar.

P.: Que tipo de amarra quer rever?

RS: O Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação], por exemplo. O Brasil criou centenas de unidades de conservação e não tem nenhuma que tenha tido o cuidado de adaptar para a realidade da região.
No Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná, há uma parte de propriedades rurais bem conservadas que poderiam conviver dentro de uma unidade de conservação de uso sustentável e, por acaso, estão inseridas dentro de uma unidade de conservação de proteção integral. É o pior investimento do dinheiro público desapropriar essas pessoas.

P.: Qual seria sua proposta?

RS: Que a gente abrisse uma janela legislativa para que, dentro de cada unidade de conservação, fosse permitido adequar o perímetro, o tipo de unidade de conservação e, de uma vez só, fazer uma negociação para resolver a questão fundiária, quando for o caso.
A sociedade às vezes imagina que a reclamação é de um grande proprietário que quer plantar soja, mas em muitos lugares são pequenos proprietários, gente pobre, como comunidades de pescadores lá no Ceará impedidos de pescar porque o ICMBio criou uma unidade de conservação onde o cara vivia, onde há pescadores há cem anos.

P.: É possível resolver essas questões com as comunidades tradicionais sem abrir uma brecha para redução das áreas de proteção em favor de usos predatórios, como o avanço de monoculturas ou de mineração?

RS: Primeiro, precisaria ter um procedimento bem estabelecido. Abre consulta pública.
Quem vai compor o grupo de estudos? Tem que ter equidade entre representação da proteção ao meio ambiente, ao setor produtivo, às comunidades locais que estão lá. E colocar o componente econômico como algo fundamental. Se for impor restrição ao direito de propriedade, essa restrição tem que ser paga e tem que ser paga já.
Antigamente as escrituras eram feitas de um outro jeito. Tem que georreferenciar? O cara não tem onde cair morto, como é que vai georreferenciar? Você vai criando impedimentos formais para resolver um problema que é óbvio: “olha, seu fulano, o senhor tem quatro alqueires, estamos pagando X no seu alqueire, tá aqui o cheque, tchau, vai embora”.

P.: A falta de titulação também gera violência e conflitos por território. Na sua campanha para deputado federal de 2018, o senhor sugere em um panfleto resolver com bala de fuzil. O senhor repetiria aquela comunicação hoje?

RS: Não, não propus resolver com bala de fuzil. Eu sugiro votar no meu número.

P.: O panfleto mostra uma seta ligando o termo “bandidagem no campo” a um cartucho de bala de fuzil. Qual outra possível interpretação para aquela seta?

RS: A imagem tem a função de gravar no subconsciente o meu número. Somos um grupo da direita que gosta de armas, então você fazer uma alusão a um número de um calibre é algo que marca as pessoas. Não tinha incitação à violência.

P.: O patamar de desmatamento na Amazônia saltou de uma média de 7.000 km² dos anos anteriores a 2019 para 10 mil km² no seu primeiro ano de gestão. No último ano, chegou a 13 mil km², já sob a gestão de Joaquim Leite. Por que o desmatamento continuou subindo?

RS: Veja, se não melhorar a qualidade de vida das pessoas da região, ter renda, atividade econômica, o que eles têm para fazer naquela região é cortar madeira, fazer garimpo ilegal e pecuária.
Desde 2012, quando começou a reverter aquela tendência de queda e o desmatamento voltou a subir, as pessoas estão buscando uma maneira de ganhar a vida. Se a gente não tiver uma política de desenvolvimento econômico para a Amazônia e continuar tendo uma política de mero congelamento do bioma, essas pessoas vão sobreviver como elas podem.
Nós nunca incentivamos a fazer nada de errado, nunca dissemos: “olha, toca pau aí”.

P.: Mas a gente está no final da gestão Bolsonaro e a gente não viu políticas de controle do desmatamento ilegal. O que a gente viu foi a redução quase total da fiscalização.

RS: Não concordo. Nunca houve ordem do governo para que não fizesse fiscalização. Muito pouco se falou que, historicamente, as operações do Ibama e do ICMBio eram acompanhadas, do ponto de vista da segurança, pelas forças estaduais. E nós não tivemos apoio das forças estaduais policiais em praticamente nenhum estado.

P.: Vocês tiveram apoio das Forças Armadas, usando um orçamento muito superior ao do Ibama, e o fato é que a aplicação de multas caiu, praticamente não há mais. Por quê?

RS: Vamos lá: quem lavra a multa?
O fiscal, sob seu comando. Não, eles fazem o que eles querem. O fiscal pode não ter multado justamente para causar um embaraço ao governo Bolsonaro com a queda das autuações. O cara pode não ter multado porque não está indo trabalhar, se valendo da pandemia. O meu comando era: cumpra a lei. Nunca dissemos: não multe. Dissemos: se multar, faça direito, tenha fundamento.

P.: A sua decisão de sair do ministério foi lida como uma forma de escapar da mira do STF, que havia acabado de autorizar uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em investigação que liga o senhor a um esquema de facilitação de contrabando de madeira ilegal. Como explica a sua saída naquele momento?
RS: Eu saí porque eu estava cansado, realmente, dessa perseguição injusta e implacável, de diversos setores: partes da mídia, partes do poder público judicial, parte da comunidade internacional em cima da questão ambiental brasileira. Tem uma hora que você cansa.

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