Haddad imita Rodrigo ao apostar em raiz paulista e ataca Tarcísio por ser de fora
Por Artur Rodrigues / Folha Press em 24/10/2022 às 09:16
A câmera filma Fernando Haddad (PT) sentado em frente a uma fatia de pizza. Alguém se aproxima com uma embalagem de ketchup, e o petista diz que ali, na pizza, não.
A cena faz parte de uma das peças da campanha de Haddad ao Governo de São Paulo, que ilustram como o candidato tem investido na identidade paulista para se contrapor ao adversário, Tarcísio de Freitas (Republicanos), nascido no Rio de Janeiro.
Durante o primeiro turno, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) apostou na imagem “paulista raiz”, que incluiu desde um visual caipira até um quadro bem-humorado com perguntas sobre gírias e outras especificidades paulistas, no qual escolhia bolacha em vez de biscoito, balada no lugar de night e breja no lugar de cerva.
Haddad tem enveredado pelo mesmo caminho ao intensificar falas ensaiadas com a equipe e em seu material de campanha que ressaltam sua origem e, em contraposição, a de Tarcísio.
Em uma das publicações nas suas redes, o petista aparece comendo cachorro quente com purê, e pastel com caldo de cana. A bandeira do estado, geralmente vista com pouca frequência em campanhas de políticos de esquerda, foi incorporada à temática visual de Haddad.
A avaliação entre petistas é que a campanha ressalta que Haddad conhece os problemas do estado, por ter nascido aqui, governado a capital e implantado programas no estado como ministro da Educação.
Ao mesmo tempo, porém, é inegável que explora o bairrismo paulista contra Tarcísio, que passou boa parte da campanha tendo que se explicar por ser de fora do estado.
Em junho, a Folha de S.Paulo mostrou que ele não morava no imóvel indicado à Justiça Eleitoral, em São José dos Campos (interior de SP). Em setembro, ele não soube responder durante uma entrevista em qual colégio ele votava na mesma cidade -o local ficava a 500 metros de onde ele declarou seu endereço.
Apesar disso, Tarcísio chegou à frente no primeiro turno -o bolsonarista obteve 42,32% dos votos, e o petista ficou com 35,70%. Ele segue liderando as pesquisas contra Haddad.
De acordo com o Datafolha, Tarcísio mantém a vantagem no segundo turno, com 49% das intenções de voto, contra 40% de Haddad.
O petista venceu a eleição na cidade de São Paulo, que governou de 2013 a 2016. Na região metropolitana, continua à frente de Tarcísio, com 48% das intenções contra 40%, segundo a pesquisa.
Rodrigo Garcia buscou a mesma estratégia, que incluiu gastos bilionários com entregas de bens como tratores, mobilização de prefeitos e até um figurino de caubói. Sem os prefeitos e os bilhões, Haddad também tem feito agendas na região e busca resgatar suas origens caipiras.
“Eu gosto do interior, metade da minha família é do interior. Até os 20 anos passava as férias no interior”, disse, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (17). “Se tem um cara nessa disputa que é paulista sou eu. Não é porque o Tarcísio é de fora. É porque sou paulista mesmo”, completou.
A campanha do petista, inclusive, fez uma peça para satirizar o fato de Tarcísio não ser do estado. No material, uma cena roteirizada mostra um personagem fictício, um motorista chamado Tacídio Desfeitas, que se perde pela cidade de São Paulo.
“Se quem dirige um carro tem que conhecer onde anda, imagina quem dirigir o estado”, diz a peça.
No último debate entre os dois, na TV Bandeirantes, Haddad repetiu uma provocação que foi ensaiada com sua equipe, que apela à rivalidade entre paulistas e cariocas.
“Você vai falar que vai melhorar a merenda escolar? Você está sabendo o que as crianças estão comendo na escola hoje? É suco e bolacha, ou biscoito como vocês chamam lá no Rio de Janeiro”, disse.
Aliados de Haddad também têm utilizado a estratégia. Em publicação recente, a deputada federal Tabata Amaral (PSB) questionou se Tarcísio havia voltado para o Rio de Janeiro, uma vez que não respondeu a um convite dela para um debate sobre educação.
No mesmo dia em que o UOL mostrou que o imóvel que Tarcísio indicou como domicílio à Justiça Eleitoral foi emprestado a um sobrinho, o coordenador do programa de governo de Haddad usou o tema para criticá-lo.
“O pau mandado de Bolsonaro não tem vínculo algum com SP. Veio pro Estado pra fazer o que deu errado no RJ e no Brasil”, publicou Emídio de Souza (PT).
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, porém, o primeiro turno mostrou que esse tipo de crítica não vem ajudando a tirar votos de Tarcísio.
“Estrangeirizar a pessoa, mostrar que ela é de fora, não deu certo com o Rodrigo”, diz. “Boa parte das coisas vem em tom de brincadeira, mas, como é para ganhar voto, pessoas acabam levando a sério e muitas rejeitam [a atitude]”, completa.
A campanha do petista tem outras apostas também.
No primeiro turno, Haddad criticou com mais força Rodrigo do que Tarcísio. Entre os motivos alegados estava a necessidade de se defender da campanha do tucano –estratégia que gerou tensão com a campanha de Lula (PT), que preferia enfraquecer o palanque de Jair Bolsonaro (PL).
Agora, além da questão da origem, Haddad tem focado na polarização nacional. O tom, por exemplo, chegou a dominar o debate realizado na TV Bandeirantes, que teve atmosfera civilizada.
Haddad e seus aliados têm trazido temas como o orçamento secreto e afirmado que Bolsonaro é quem vai mandar no estado. Agora com mais em sintonia entre si, as duas campanhas falam que estão coladas e que minar Bolsonaro é minar Tarcísio por tabela.
A estratégia, porém, tem um teto para Haddad, uma vez que Lula vai pior do que Bolsonaro no estado.
Na esfera local, a campanha deve continuar focando na afirmação de que Tarcísio quer vender a Sabesp –o plano de governo do bolsonarista não cita o assunto, mas ele já deu declarações que indicam que isso pode ocorrer.
Outro ponto que faz parte do rol petista de críticas é a promessa do bolsonarista de retirar as câmeras dos uniformes da PM, atropelando estatísticas positivas e posição da própria polícia sobre o assunto. Após má repercussão da medida, Tarcísio disse que iria ouvir especialistas.