"Eleição quebra uma barreira", diz 1ª mulher que presidirá OAB-SP

Por Folha Press em 27/11/2021 às 12:22

Reprodução/Redes Sociais
Reprodução/Redes Sociais

A partir de janeiro de 2022, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo terá pela primeira vez em quase 90 anos uma presidente mulher. A advogada criminalista e professora Patrícia Vanzolini, de 49 anos, foi eleita nesta quinta-feira (25) e ficará no comando da entidade até 2024.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, ela destaca o feito como uma quebra de paradigma, numa instituição que já foi presidida por 22 homens. Entre seus compromissos está o de não tentar a reeleição.

Vanzolini promete brigar pela alteração da regra, assim como critica o modelo de eleição indireta para a presidência da OAB Nacional. “É um sistema que, além de não representar advocacia, dá margem a uma série de acordos, negociatas e conchavos obscuros”, diz.

A advogada afirma ainda que, frente a novas ameaças às eleições do ano que vem pelo presidente Jair Bolsonaro, a seccional paulista irá se posicionar.

“Se ele ameaçar as eleições, se começar de novo essa descredibilização do processo de votação eletrônica, aí a OAB é um ator importante para defender a continuidade do processo democrático”, afirmou.

PERGUNTA – A sra. é a primeira mulher eleita para presidir a seccional. O que isso representa?

PATRICIA VANZOLINI – A quebra de uma barreira, a quebra de um paradigma. São 90 anos em que só há homens ali na galeria de presidentes. O fato é que o mundo mudou, o contexto histórico mudou e eu acho que a ordem precisava espelhar [isso].

Foi importante que uma chapa de oposição tenha ganhado porque isso também é algo bastante raro. Além da questão de ser uma mulher, nós temos aí uma sequência de reeleições e [de quem está na] situação se perpetuando. O desenho institucional da Ordem é muito pouco democrático.

P. – Assinará algum documento com o compromisso de não tentar a reeleição?

PV – Não tem como eu assinar, porque a regra eleitoral é uma regra federal.

Acho reeleição algo nefasto. Me comprometo a não ir pessoalmente à reeleição e a brigar lá no Conselho Federal, no Congresso Nacional, para que seja mudada a lei, para que a reeleição não seja possível em nenhuma seccional.

P. – A sra. disse pessoalmente, mas o seu vice poderia disputar?

PV – Não posso dar a palavra por ele. Reeleição é a mesma pessoa tentar de novo. Uma pessoa do mesmo grupo -não sei se ele, mas do mesmo grupo- tentar disputar é legítimo, não posso impedir. Mas nós não temos de fato essa intenção. A nossa intenção é não ir à reeleição.

P. – Como avalia as regras da candidatura para a presidência da OAB nacional?

PV – Essa estrutura da eleição indireta para o Conselho Federal é algo também profundamente antidemocrático. É um sistema que, além de não representar a advocacia, ele dá margem a uma série de acordos, negociatas e conchavos obscuros, porque enfim é preciso fazer alianças ali. E não se sabe muito bem em troca do quê e à custa do quê. A gente desaprova esse sistema, mas não depende da seccional de São Paulo acabar com isso. Mas nós vamos brigar pela eleição direta para o Conselho Federal.

P. – Sua gestão defenderá que as cotas raciais na OAB valham para a diretoria?

PV – Sim. Nós entendemos que essa era a intenção inicial, que as cotas para negros fossem em todas as escalas, em todos os estratos, no Conselho Federal.

De certa forma, é compreensível que tenha havido esse período, digamos, de adaptação. O próximo passo é que essa representatividade seja em todos os escalões.

P. – E que haja regras para aferir a autodeclaração?

PV – A questão da autodeclaração é uma questão muito complexa na verdade, dentro do próprio movimento negro. Não é simples.

Nós precisamos, em conjunto com o movimento negro, construir critérios que sejam os mais adequados, implementá-los e aí termos certeza de como serão aplicados.

P. – Há um prazo para analisar as contas da OAB e avaliar se é possível diminuir a anuidade?

PV – Só conseguiremos reduzir efetivamente a anuidade a partir do segundo ano de gestão porque a anuidade a partir desse ano já está comprometida com o que a gestão anterior decidiu. O anuidade de volta eventualmente pode ser implementado no meio do ano, que é o programa de fazer com que a anuidade seja abatida em cursos prestados pela própria OAB.

P. – A defesa de que na ordem não pode haver suspeitas de interesses político partidários se aplica aos membros da sua chapa?

PV – A diretoria não tem nenhum membro filiado a partido político e que eu saiba no Conselho Federal também não. Se eventualmente um conselheiro tem na sua esfera privada uma filiação partidária, um conselheiro num rol de 80 não é o problema. O problema é o dirigente da Ordem ou a diretoria executiva, a exemplo do nosso presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, porque aí tudo o que ele fala fica contaminado por essa postura partidária.

Sob quais circunstâncias a OAB poderia apoiar um pedido de impeachment contra o presidente? Sob a circunstância de estar muito claro a ocorrência de crime comum. Pessoalmente, tenho muitas reservas ao instituto do impeachment, não importa se é da Dilma, do Bolsonaro ou do Collor.

O instituto do impeachment é um instituto de fratura democrática. São as urnas que devem julgar os governantes aprovando ou reprovando. A menos que haja crimes graves e um risco de ruptura democrática de fato, um risco de fechamento do Congresso, fechamento do STF, acho que essa seria uma circunstância em que a OAB sem dúvida teria que se manifestar a favor de um impeachment.

De resto, o que ela deve fazer é zelar para que o processo tramite. O que não pode acontecer é um processo de impeachment, não sei quantos, engavetados pelo presidente da Câmara. Isso não é democrático. A OAB pode intervir para tramitar, agora o mérito quem decide é o Congresso.

P. – A sra. analisou os fundamentos da então presidente Dilma. Qual sua conclusão?

PV – Entendo que o caso da presidente Dilma não era um caso para impeachment. Li os autos bastante detalhadamente até porque me manifestei bastante na qualidade de jurista, criminalista. Os tipos de crime de responsabilidade da lei 1.079 são muito abertos, muito pouco democráticos. Eu defendo que num sistema presidencialista a Lei de Impeachment deve ser lida com um olhar restritivo.

P. – Se você me perguntar, você concorda com o impeachment da presidente Dilma?

PV – Eu pessoalmente não concordo. Mas se você me perguntar: foi golpe? Não, não foi golpe. Foi um processo que tramitou de acordo com a legalidade e seguiu todos os trâmites. Tem amparo na lei. Essa lei é que tem que ser mudada.

P. – Como avalia o fato de a OAB ter apoiado e apresentado inclusive um pedido?

PV – Não aprovei essa postura da OAB. Ela teria que ser muito mais contida, muito mais reservada em um tema que era tão polêmico e em um tema que não era consenso na classe. Em temas muito de bola dividida, deveria haver pelo menos uma interlocução maior com a advocacia.

P. – A OAB-SP vai se posicionar caso o presidente Jair Bolsonaro ameace as eleições?

PV – Certamente. Se ele ameaçar as eleições, se começar de novo essa descredibilização do processo de votação eletrônica, aí a OAB é um ator importante para defender a continuidade do processo democrático.

É por isso que é tão importante que os gestores da OAB sejam, digamos, acima de qualquer suspeita em termos de filiação político-partidária para que eles possam agir de forma legítima na defesa da democracia e não contra o Bolsonaro, porque se fosse o Lula ameaçando a democracia fariam o mesmo. Se fosse o Ciro, o Moro.

P. – A OAB tem o papel de atuar em defesa da advocacia, mas também da sociedade. A entidade deve ser mais ou menos corporativista?

PV – Estamos vendo muitas violações ao direito dos advogados que repercutem sobre a cidadania. A advocacia, além de ser a via entre o cidadão e a Justiça, é também o muro de contenção do arbítrio do poder público.

A OAB precisa defender intransigentemente a advocacia. Agora, ela não pode ser corporativista no sentido negativo e pejorativo da palavra, de contemporizar violações perpetradas pelo próprio advogado, no sentido de não punir advogados que violam seus deveres, que prejudicam o cidadão ou que cometem fraudes ou que cometem crimes.

P – Na campanha, a sra. falou muito sobre o fechamento dos fóruns. Como pretende lidar com essa questão junto aos tribunais?

PV – Precisamos avaliar o que a advocacia precisa para ter condições mínimas de trabalho e temos que negociar com os Tribunais de Justiça, TRTs, com o CNJ. E em última análise entrar com medidas judiciais eventualmente. A questão do atendimento ao advogado [pelo juiz] tem que ser regulamentada.

Com a pandemia, a teleaudiência veio para ficar? Ela veio para ficar, mas ela não pode ficar de forma irrestrita. Há audiências que não podem ser feitas de forma telepresencial.

Do ponto de vista formal, nós temos que produzir e provocar uma mudança legislativa no Congresso. Nós precisamos formar uma frente parlamentar da advocacia para incluir essas alterações nos códigos de processo, penal e civil, de forma adequada.

P. – Qual sua posição quanto à autorização a cursos de direito no formato EaD (a distância)?

PV – Eu, pessoalmente, sou contra. Isso pode comprometer muito a qualidade do ensino jurídico. A autorização para pós-graduação e esse tipo de curso complementar funciona bem, mas para cursos de direito de graduação, eu temo que haja um componente de formação que exige esse contato pessoal e interação entre os professores e alunos.

P. – Como avalia o exame da Ordem? Defende mudanças no modelo atual?

PV – O exame da Ordem é essencial. Um dos objetivos institucionais da Ordem é a promoção da qualificação dos profissionais do direito. O problema é que nós estamos só na seleção e nada na qualificação. É possível pensar e estudar formas mais efetivas com as quais ele seja realizado.

P. – Qual legado quer deixar?

PV – De uma OAB no século 21 moderna, conectada, representativa e que possa apoiar os advogados e os advogados possam se sentir apoiados e possam defender a cidadania, a democracia.

P. – A partir de 1º de janeiro, quais serão as suas prioridades?

PV – A prioridade zero é avaliar o estado em que as coisas se encontram e começar a implementar todos os programas, sobretudo aqueles relacionados à governança, a essa estrutura interna, à transparência, à auditoria das contas. E, claro, começar a desenhar de forma mais construída todos aqueles programas da linha do apoio à advocacia.
Essa estrutura interna da OAB vai ser a nossa prioridade nos nossos primeiros seis meses de gestão. Vai ser arrumar essa casa, para aí, de dentro para fora, construir uma história nova para a OAB.

RAIO-X

Patrícia Vanzolini

Possui graduação, mestrado e doutorado em direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo

É advogada criminalista e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Fundadora e diretora do Movimento 133. Em 2018, concorreu à vice-presidência da OAB-SP na chapa de Leonardo Sica, agora seu vice

Foi vice-presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo (ABRACRIM-SP)

É neta do compositor Paulo Vanzolini

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